O Ministério da Agricultura e Pecuária destinou a municípios de Mato Grosso, estado do titular da pasta, Carlos Fávaro (PSD), quase metade dos recursos provenientes do extinto orçamento secreto. O modelo de divisão das verbas tem irritado caciques do Congresso.
Em junho e julho, o ministério empenhou R$ 135,7 milhões para cidades mato-grossenses, ou seja, 48,5% dos R$ 279,5 milhões já carimbados em 2023. Ao todo, foram 14 repasses. O empenho é a primeira fase da execução orçamentária, quando o dinheiro é reservado para o gasto.
Outros 24 estados e o Distrito Federal também foram contemplados, com 234 empenhos, mas em valores menores. Três cidades de Mato Grosso vão receber os montantes mais robustos entre os previstos até aqui: R$ 26,3 milhões para Canarana; R$ 25,2 milhões para Matupá; e R$ 20,9 milhões para Campo Verde. O ministério designou esses recursos para tais localidades sob a justificativa de apoiar projetos de “fomento ao setor agropecuário”.
Fávaro afirmou que não há problemas na divisão dos recursos nem motivos para reclamações dos parlamentares. Ele argumenta que todos os acordos firmados pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, serão cumpridos. Padilha é o encarregado de fazer as negociações entre o governo e o Congresso, inclusive no que diz respeito à destinação das verbas oriundas do orçamento secreto que foram incorporadas aos caixas dos ministérios.
— O recurso dos parlamentares, o que está compromissado com o Alexandre Padilha, está 100% garantido. Tudo será empenhado. Por que não pode do estado de Mato Grosso, só porque eu sou ministro? — questiona.
O chamado orçamento secreto foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim de 2022. Tratava-se de um instrumento orçamentário por meio do qual parlamentares indicavam recursos da União a seus redutos eleitorais sem serem identificados e de forma desigual. O mecanismo estimulava a barganha política e beneficiava congressistas aliados do Executivo.
Quando a Corte pôs fim à prática, metade do montante previsto para o orçamento secreto deste ano, R$ 9,8 bilhões, foi convertido em emendas individuais. Nessa modalidade, todos os congressistas recebem o mesmo valor e há transparência quanto à destinação do recurso e à autoria da indicação. A outra metade foi para o caixa dos ministérios e pode continuar sendo usada em negociações políticas, pois a distribuição é discricionária.
Nos bastidores, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem criticado a atuação de Fávaro. Há insatisfações também na bancada ruralista. Parlamentares dizem, por exemplo, que o ministro ficou distante das discussões da reforma tributária. A prioridade dada a Mato Grosso na destinação de verbas amplificou as reclamações contra ele.
— Com a concentração de recursos de livre aplicação na mão dos ministros, voltamos à velha prática da envio de verbas aos chamados currais eleitorais dos ordenadores de despesa — diz o deputado Evair de Mello (PP-ES), que foi vice-líder do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro na Câmara.
Do Rio Grande do Sul, o deputado Daniel Trzeciak (PSDB) diz que está à espera de recursos. Ele afirma que procurou o ministro recentemente e pediu a destinação de dinheiro a seu estado para financiar projetos da agricultura familiar e feiras locais. Crítico ao governo Lula e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado Kim Kataguiri (União-SP) comparou o uso dos recursos ao antigo orçamento secreto.
Ele é autor de um requerimento para que Fávaro seja ouvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
— Isso só mostra que Lula tem seu próprio orçamento secreto e que o ministro da Agricultura prioriza sua base eleitoral em detrimento de todos os outros produtores rurais do país. Após as eleições, as coisas mudaram para permanecer como estavam — disse Kataguiri.
Outros estados
Segundo Fávaro, no entanto, há novos empenhos programados para os próximos dias que devem contemplar outros estados. O Ministério da Agricultura tem à disposição neste ano R$ 416,5 milhões para distribuição das verbas do extinto orçamento secreto.
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em R$ 100 milhões prontos para empenhar à Bahia. Vamos empenhar nos próximos dias mais R$ 200 milhões ou R$ 300 milhões, em emendas individuais — rebateu Fávaro.