“Os inimigos da Lava Jato são os corruptos nossos de cada dia’, diz o promotor de Justiça Roberto Livianu, do Ministério Público de São Paulo e presidente do Instituto Não aceito Corrupção.
“Os inimigos da Lava Jato são os corruptos nossos de cada dia’, diz o promotor de Justiça Roberto Livianu, do Ministério Público de São Paulo e presidente do Instituto Não aceito Corrupção.
Autor do livro ‘Corrupção – incluindo a Lei Anticorrupção’, Livianu considera que ‘o fim da Lava Jato interessa aos corruptos, aos detentores de expressivas parcelas de poder político e econômico que finalmente estão sendo alcançados pela lei, já que o princípio da igualdade está ganhando concretude’.
Em entrevista ao Estadão, o promotor afirma que ‘o Ministério Público não teme nem nunca temeu endurecimento de lei sobre abuso de autoridade’
“A atualização de um diploma desta envergadura não pode ser confundida com a mesquinharia política de uma vingança”, diz Roberto Livianu.
Ele sugere ao presidente Michel Temer que mantenha a tradição de escolher o futuro procurador-geral da República – em substituição a Rodrigo Janot – a partir da lista tríplice formada pela Associação Nacional dos Procuradores da República.
Desde o primeiro governo Lula, o chefe do Ministério Público Federal é indicado pela própria classe. A Constituição confere ao presidente a prerrogativa de fazer a escolha, sem ter que seguir a vontade da classe.
“Se o presidente ignorar a lista tríplice, o que é possível constitucionalmente, criará mais um fato político desastroso. Ficará a versão que escolheu um procurador-geral da República dócil e conveniente a si.”, diz o promotor.
ESTADÃO: A Lava Jato está perto do fim?
PROMOTOR DE JUSTIÇA ROBERTO LIVIANU: A Lava Jato é reconhecida internacionalmente como intervenção extraordinariamente importante no enfrentamento da corrupção em todo o planeta. O trabalho vem sendo premiado reiteradamente, citando-se como exemplo a premiação concedida pela Transparência Internacional. No Brasil, tornou-se, a meu ver, patrimônio do povo brasileiro, que a abraça e protege. A sociedade não permitirá a obstrução de seu trabalho. Não creio que esteja perto do fim, até porque, nas palavras sábias do ex-presidente do STF Ayres Britto em sua conferência proferida em 9 de dezembro a convite do Instituto Não Aceito Corrupção, a luta contra a corrupção é um combate de boxe que jamais será vencido por nocaute, mas por pontos.
ESTADÃO: A quem interessa o fim da Lava Jato?
PROMOTOR LIVIANU: O fim da Lava Jato interessa aos corruptos, aos detentores de expressivas parcelas de poder político e econômico que finalmente estão sendo alcançados pela lei, já que o princípio da igualdade está ganhando concretude. As velhas raposas da política não estão acreditando que um novo Brasil está nascendo. E incrédulos passam sintomaticamente a demonizar e desqualificar Moro, Deltan e todos aqueles que lutam por um país mais ético. Detalhe que sempre é bom lembrar: 97% da decisões de Moro são confirmadas pelos Tribunais, incluindo decisões de ministros nomeados por Lula e Dilma. Quase 80% das delações foram feitas por pessoas soltas, havendo inclusive colaborador que veio do exterior para colaborar com o MP e todas as tratativas referentes às delações são gravadas. Portanto, não há que se falar em coações.
ESTADÃO: Por que os investigadores temem o endurecimento da lei do abuso de autoridade?
PROMOTOR LIVIANU: O Ministério Público não teme nem nunca temeu endurecimento de lei sobre abuso de autoridade. Inclusive registro ter sido importantíssima a criação do Conselho Nacional do Ministério Público em 2004. Quem detém poder deve ser controlado, como alertou Tocqueville. No entanto, este PL 280 pretende, em verdade, colocar a justiça de joelhos. O título é nova lei de abuso de autoridade. Parlamentares são autoridades e não se prevê uma conduta criminosa específica sequer de parlamentares. Só são vistos ali crimes de magistrados e membros do MP. Apesar da evolução do texto, após reação da sociedade, ainda há vários absurdos no texto, criminalizando-se a hermenêutica jurídica, o que compromete a independência da justiça. O autor do projeto é o senador Renan Calheiros, que responde por crime de peculato no STF e é investigado em mais 11 procedimentos investigatórios, sendo certo que este senador quis aprovar o projeto em caráter de urgência, sem debate, visando obviamente vingar-se da justiça. A atualização de um diploma desta envergadura não pode ser confundida com a mesquinharia política de uma vingança.
ESTADÃO: Quem sao os inimigos da Lava Jato?
PROMOTOR LIVIANU: Os inimigos da Lava Jato são os corruptos nosso de cada dia mas para a perplexidade geral da nação temos assistido uma sequência de pronunciamentos públicos de um ministro do STF atacando a Lava Jato. Ora se refere ao valoroso, honrado, probo, digno, trabalhador, culto e dedicado Deltan Dallagnol, mestre por Harvard, como juvenil, ora afirma que há excessos e abusos. E há mesmo. De trabalho. Lá se trabalha até alta madrugada em prol do país. Abuso, na verdade é um Ministro do STF manter contatos com políticos, e prometer convencer outros políticos a votar da forma X ou Y tal projeto. Abuso é pronunciar-se na imprensa um magistrado a respeito de casos que julgará, não obstante ter idealizado a Lei da Mordaça (para os outros). Este comportamento do Ministro, como se estivesse acima do bem e do mal enaltece a necessidade de repensar a forma de escolha e período de exercício dos mandatos dos Ministros, bem como métodos de controle de seus poderes. Mas a sociedade está do lado da Lava Jato.
ESTADÃO: O presidente tem saida?
PROMOTOR LIVIANU: O presidente Temer encontra-se numa posição dificílima, sob diversos pontos de vista. E a situação, a meu ver, piorou com o julgamento pelo TSE. Seu governo nunca teve apoio popular e é perceptível com nitidez um sentimento da sociedade de repúdio a sua gestão, que desconsidera a vontade do povo. Suas atitudes de selecionar dois Ministros para o TSE com a indisfarçável missão de absolvê-lo diante de um oceano de provas de abusos de poder político e econômico além de colocar no Ministério da Justiça a 9 dias de seu julgamento um ex-Ministro do TSE por quase 10 anos evidenciam o descontrole e a perda de rumos e de senso ético no exercício do poder. E já se prenuncia a escolha de um sucessor a Janot de acordo com sua conveniência, e não à conveniência do bem comum. Não obstante, sua retirada do poder depende do presidente da Câmara dos Deputados, seu aliado, dar andamento aos inúmeros pedidos de impeachment formulados. Se tiver início o processo, dificilmente o Presidente conseguirá permanecer no poder, pois os preços políticos disto seriam altíssimos para os Deputados, tendo em vista a lógica das eleições de 2018.
ESTADÃO: A Polícia Federal vê indícios de corrupção passiva do presidente no caso JBS. Como o sr avalia isso?
PROMOTOR LIVIANU: Os elementos detectados pelo Ministério Público e Polícia Federal levarão ao oferecimento de denúncia criminal pelo crime de corrupção passiva por parte do Presidente da República, que reagindo a entrevista de Joesley Batista à Revista Época com ajuizamento de queixa-crime por calúnia e difamação, teve o pedido rejeitado, vez que era óbvia manobra jurídica. Será inédito. Pela primeira vez na história do país teremos um Presidente da República acusado de crime de corrupção praticado no exercício da função e responsabilizado por isto em pleno mandato. E creio que o STF receberá a denúncia.
ESTADÃO: O que acha Rodrigo Maia presidente?
PROMOTOR LIVIANU: Se afastado (Temer) do poder, penso que deveria ser escolhida para presidir o país uma figura respaldada pela sociedade. Não apenas que conviesse aos votantes – deputados federais. A legitimidade do mandatário é fundamental. Um grupo de juristas recentemente apresentou o nome do jurista Modesto Carvalhosa. Este é um bom exemplo de homem íntegro, de história reta, proba, digna, culto, preparado, experiente e que tem respaldo da sociedade.
ESTADÃO: Fosse ministro do Supremo mandaria prender Aécio?
PROMOTOR LIVIANU: Quanto à prisão de Senadores, o fato de ser presidente de um grande partido ou de quase ter sido eleito Presidente da República não deve abalar a necessidade de cumprimento da lei. O Brasil vive momento singular de concretização do princípio da isonomia. Se as provas autorizam e são robustas, o Senador deve ter sua prisão decretada. Ninguém deve estar acima da Lei.
ESTADÃO: Os procuradores da República estao elegendo a lista triplice para procurador-geral. Se o presidente escolher algum nome fora da lista ele estará errado? Por que?
PROMOTOR LIVIANU: A Associação Nacional dos Procuradores da República fará consulta aos membros do Ministério Público Federal para a montagem da lista tríplice. Não se trata de uma eleição formal, mas há vários anos esta consulta vem sendo feita porque a nível federal não se prevê a eleição formal que é prevista a nível estadual. O costume é uma fonte do direito e penso que se o presidente ignorar a lista tríplice, o que é possível constitucionalmente, criará mais um fato político desastroso. Ficará a versão que escolheu um procurador-geral da República dócil e conveniente a si. A situação é complicada é precisa ser modificada pois não é razoável tanta concentração de poder nas mãos do chefe do executivo (federal e estadual). Seria muito mais razoável que o voto fosse uninominal, o que permitiria aferir com mais precisão a intenção do eleitor membro do MP e o mais votado ser sabatinado pelo Legislativo. Isto diluiria o poder de escolha e traria transparência permitindo à sociedade acompanhar a sabatina, mantendo a legitimidade advinda do voto popular conferido pelos mandatos.