Na luta para escapar da acusação de corrupto e de uma futura condenação à prisão, Michel Temer quer anular a delação do criminoso empresário Joesley Batista. Um de seus planos já está na praça pela voz do amigo Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). E precisa da participação decisiva da pessoa que acaba de escolher como sua investigadora, Raquel Dodge, a qual usou o “homem da mala” como ponte com o Palácio do Planalto.
Mendes (ou melhor, Temer) quer anular o acordo de Batista com a Procuradoria-Geral da República (PGR) caracterizando o empresário e sua JBS-Friboi como líderes de organização criminosa. A Lei da Delação (12.850, de 2013) proíbe que seja dada anistia total a chefes de quadrilha. O acordo de Batista com a PGR é camarada, prevê anistia total, sonho de qualquer delinquente.
Na primeira sessão do julgamento do STF sobre a validade da delação, em 21 de junho, Mendes abriu o jogo sobre a tese jurídica capaz de salvar Temer. Citou a fortuna doada pela JBS na eleição de 2014 (450 milhões de reais, a mais de 2 mil candidatos, segundo Mendes) e em seguida comentou: “E não é líder de organização?”.
O plano foi captado pelo ministro Luis Roberto Barroso, que na segunda sessão do julgamento, em 22 de junho, disparou: “Todo mundo sabe o que se quer fazer aqui lá na frente”. Tradução: anular o acordo futuramente.
Na quarta e definitiva sessão, nesta quinta-feira 29, o procurador-geral, Rodrigo Janot, tratou do assunto, em posição defensiva. Segundo o “xerife”, se em algum processo “ficar demonstrado que eles (os Batista e a JBS) eram líderes de organização criminosa, isso é cláusula contratual de revisão e de rescisão do contrato” e daí eles vão perder “todos os benefícios da colaboração”.
O entendimento de quem é chefe de quadrilha no escândalo Temer-Friboi dependerá mais adiante da sucessora de Janot, Raquel Dodge. Que acaba de ser escolhida para o cargo de PGR pelo presidente denunciado como corrupto. Uma situação absurda, dizia o ex-PGR Claudio Fonteles logo após o estouro do escândalo JBS-Friboi.
“Temer não tem legitimidade alguma para nomear o procurador-geral”, teorizava Fonteles. “Está sendo investigado, então como é que uma pessoa nessa condição vai escolher o chefe da instituição? Não tem condições morais para isso.”
Quando o mandato de Janot acabar, em 17 de setembro, caberá a Dodge conduzir as investigações contra Temer, esteja o presidente no cargo ou não. Pode ser que até lá o peemedebista tenha saído, caso os deputados autorizem o STF a processá-lo, e depois a corte o converta em réu. Nesta hipótese, Temer seria afastado por até 180 dias, à espera de uma sentença.
Raquel Dodge namorou a Presidência, enquanto sonhava em chegar ao topo da carreira abraçada há 30 anos. Um de seus elos com Temer foi Rodrigo Rocha Loures, o “homem da mala”. CartaCapital apurou que há informações tanto em Brasília, entre os sete concorrentes de Raquel na eleição à lista tríplice de candidatos a PGR, quanto no Paraná, terra do “maleiro”, a respeito de contatos da dupla.
Loures trabalhou de 2011 a 2017 como assessor direto de Temer no Palácio do Planalto, com apenas dois intervalos. O primeiro foi na eleição de 2014, época em que deixou Brasília para concorrer a uma vaga de deputado federal pelo Paraná. O outro, de março a maio de 2017, quando exerceu mandato na Câmara na qualidade de suplente. Ao deixar a Câmara, foi direto para a cadeia, e acaba de ser solto por ordem do STF.
Na denúncia por corrupção apresentada por Janot contra Temer e Loures, o “homem da mala” é descrito como “da mais estrita confiança presidencial”. Foi assim que o próprio mandatário caracterizou Loures perante Joesley Batista, na conversa tida por ambos no Palácio do Jaburu.
Além do contato com o “maleiro”, Raquel Dodge foi ao Planalto para reuniões noturnas e secretas, conforme CartaCapital apurou. E ao gabinete de Gilmar Mendes, conselheiro e advogado informal do presidente. Temer e Mendes jantaram na casa do juiz no dia da eleição à lista tríplice, na terça-feira 27. O anúncio do pinçado pelo peemedebista para a PGR saiu no dia seguinte.