Lisboa — A demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro por suspeita de corrupção elevou substancialmente a temperatura política em Portugal. A pergunta que todos estão se fazendo é se o presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza — que também está sob investigação, mas em um caso de favorecimento a duas gêmeas brasileiras em um tratamento de saúde —, dissolverá ou não o parlamento, convocando novas eleições.
Há um temor generalizado no Palácio de Belém de que, com o escândalo que derrubou o principal líder do Partido Socialista (PS), a ultradireita acumule forças para formar maioria na Assembleia da República ou mesmo ganhe musculatura para ser atraída para futuras alianças.
Pesquisas mais recentes apontam que, desde o início deste ano, o Chega, controlado pelo extremista André Ventura, é o único partido, efetivamente, que têm conseguido ampliar seu eleitorado. No levantamento divulgado no fim de outubro pelo “Diário de Notícias”, em parceria com o Instituto Aximage, a legenda de extrema-direita já se consolidou como terceira força política de Portugal, com 14,6% da preferência do eleitorado. É o dobro do observado em 2022, quando o partido conquistou 7,2% dos votos. Na mesma base de comparação, o Partido Socialista, de António Costa, caiu de 41,4%, o que, à época, lhe garantiu maioria absoluta na Assembleia da República, para 28,6%. Já o PSD recuou de 29,1% para 24,9%.
Diante desses números, analistas observam que, mesmo no caso de uma vitória isolada do PS, se as eleições fossem hoje, as forças mais à direita teriam capacidade de construir um bloco para assumir o governo. Isso implicaria unir o PSD de Luís Montenegro com o Chega e a Iniciativa Liberal, de Rui Rocha, que desponta com 6,7% da preferência dos eleitores. Essas três legendas teriam 46,2% dos votos. São esses números que o presidente da República levará em consideração para decidir ou não se convoca eleições pouco mais de um ano e meio depois de os portugueses terem ido às urnas. Para isso, ele chamou o Conselho de Estado e deve fazer um pronunciamento à nação na quinta-feira (9/11).
O descontentamento em relação à António Costa vinha crescente, em função, sobretudo, dos problemas na economia agravados pela disparada da inflação. Apesar de o governo ter tomado uma série de medidas para amenizar o impacto da alta dos preços no orçamento das famílias, como a redução dos impostos incidentes sobre a cesta básica, a população não se sentiu satisfeita. Até porque as dificuldades permaneceram, com uma crise de habitação sem precedentes em Portugal. Os portugueses estão sendo expulsos dos grandes centros, porque não têm salários suficientes para pagar os aluguéis que vêm sendo cobrados. Os mais jovens estão entre os principais descontentes, pois nem um quarto conseguem pagar para estudar.
Não é só, lembram os especialistas. Desde a posse de Costa para o atual mandato — ele ocupa o cargo de primeiro-ministro desde 2015 —, o governo foi se desfazendo. Um ministro atrás do outro foi sendo demitido, seja por suspeitas de irregularidades nas áreas em que atuavam, seja por ineficiência. Houve, ainda, o escândalo da empresa de aviação TAP, que resultou na abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. A então chefe do Tesouro Nacional, Alessandra Reis, ocultou que havia recebido uma indenização milionária da companhia. Com ela, caíram o ministro da Infraestrutura e o segundo dele. Diante de tudo isso e, agora, das suspeitas de corrupção que atingiram o primeiro-ministro demissionário, especialistas avaliam que o sentimento de repúdio ao governo em parte da população tende a crescer, deixando-se influenciar pelo discurso carregado de xenofobia, racismo e misoginia da extrema-direita.