13/12/2023 às 07h13min - Atualizada em 13/12/2023 às 07h13min

8 de janeiro, crise de segurança, 'dama do tráfico': os pontos sensíveis da sabatina de Flávio Dino

Indicado por Lula para vaga na Corte, ministro da Justiça será questionado sobre temas controversos envolvendo sua atuação política pregressa. Apesar da forte resistência da oposição ao seu nome, Senado não rejeita nome para o Supremo desde 1894

BBC News
​Indicação de Flávio Dino ao STF será votada no Senado - (crédito: Agência Senado)

Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF),, quando bolsonaristas radicais depredaram as sedes dos Três Poderes e a participação de Luciane Barbosa Farias — mulher de um chefe de uma facção criminosa no Amazonas — em eventos no Ministério da Justiça.

Apesar do tom combativo que marcou a atuação de Dino no governo, a expectativa é que ele adotará uma postura moderada ao responder os senadores, para atrair o máximo possível de votos.

Um fator novo deve ajudar a reduzir a temperatura da sessão. O presidente da Comissão e Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil- AP) decidiu realizar a sabatina de Dino junto com a do indicado para a vaga de Procurador Geral-República, Paulo Gonet, nome que enfrenta menos resistência entre os senadores.

Com isso, será possível intercalar as perguntas para os dois sabatinados, reduzindo o tempo disponível para a oposição questionar o indicado ao STF.

Para Corbo, a medida reforça o esvaziamento das sabatinas realizadas pelo Senado.

"É muito ruim para a sociedade (que as sabatinas de Dino e Gonet sejam simultâneas)", avalia.

"Na verdade, o cenário deveria ser de cada vez pressionar mais os indicados, e o que a gente está vendo é um Senado que, com esse tipo de manobra, se demite dessa função."
Confira a seguir os temas mais quentes que devem ser explorados pela oposição – e como Dino e a base governista têm respondido a esses questionamentos.

Perfil político e falta de imparcialidade?
Segundo senadores de oposição ouvidos pela BBC News Brasil, o principal fator de resistência ao nome de Dino – e que será foco de questionamentos – é o perfil político do indicado e seu forte antagonismo com o campo da direita durante sua passagem no Ministério da Justiça.

No comando da pasta, o indicado ao STF protagonizou a reação do governo Lula aos ataques de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicais invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
Para senadores como Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Damares Alves (Republicanos-DF) e Rogério Marinho (PL-RN), Dino não teria o perfil “equilibrado” que se espera de um ministro do STF.

"Ele tem um histórico no Judiciário muito pouco conhecido, mas muito conhecido na política", criticou Flávio Bolsonaro.

"Principalmente, no Ministério da Justiça, ele deu uma demonstração de uma forma bem complicada de lidar com a política, de uma forma bastante agressiva, muitas vezes desdenhando no Parlamento."
Questionada pela BBC News Brasil, Damares Alves disse que sua preocupação está para além de divergências no campo ideológico, como a pauta de costumes.

"Dino falou que a pior coisa para se enfrentar, pior que bandido, pior que traficante, somos nós de direita", reclamou a senadora.
"Então, essas coisas precisam ser esclarecidas, porque quando ele fala (de) nós, ele está falando de 50% da população. Nós representamos 50% da população segundo o resultado das urnas."
Damares faz referência a um vídeo em que Dino foi questionado "sobre o que é mais perigoso e mais provoca afetos negativos" e respondeu: "Ser contra o Bolsonarismo, ser contra o fascismo".

Na sequência da resposta, ele lembrou ter julgado traficantes e assaltantes quando era juiz e concluiu dizendo que "nada é mais perigoso (do que ser contra o bolsonarismo), por conta da violência dessa gente".
Parlamentares da base governista, porém, rebatem as críticas ao perfil de Dino.

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), ressalta que o Supremo já teve inúmeros ministros com trajetória política.
Ele cita como exemplo Paulo Brossard, indicado em 1989 pelo então presidente José Sarney, após ter sido deputado e senador do MDB, partido de oposição à ditadura militar.

E também o caso mais recente, de André Mendonça, que foi ministro de duas pastas no governo de Jair Bolsonaro (PL), Advocacia-Geral da União e Ministério da Justiça e Segurança Pública.
"A Constituição não pede identidade política e ideológica para a escolha de ministro do Supremo.

A Constituição pede dois pré-requisitos: notável saber jurídico e reputação ilibada", argumenta.

Dino tem "reputação ilibadíssima comprovada historicamente", diz Rodrigues, que lembra ainda que o indicado foi o primeiro colocado no concurso que fez para magistratura no exame de 1990.
"Teve 12 anos de atuação como juiz federal e (após deixar a magistratura) exerceu uma sequência de cargos públicos", reforçou.

"Todos desempenhou com zelo e com dedicação. Então, o que deve ser analisado é isso."

Para o senador Weverton Rocha (PDT-MA), autor do relatório a favor da aprovação de Dino no Senado, o atual ministro da Justiça sabe que o cargo de ministro do STF exige uma postura diferente da sua função atual.
"Sempre digo, e o próprio sabatinado Flávio Dino falará aqui, que ele sabe que a sua missão no Supremo é outra. Ele é um atacante no Executivo. Lá (no STF), ele é um zagueiro, tem um papel de guardar a Constituição Federal", argumentou.

"Então, ele sabe as suas limitações (que terá como ministro STF) e, claro, quais são as responsabilidades de uma importante função como essa."

Omissão no 8 de janeiro?
Um ponto central do embate entre Dino e a oposição que será explorado na sabatina é sua atuação – ou suposta omissão – na reação aos ataques de 8 de janeiro.
Sem apresentar provas efetivas, parte da oposição tem acusado o ministro da Justiça de ter intencionalmente falhado na proteção da Praça dos Três Poderes, com objetivo de facilitar a depredação dos edifícios públicos, para desgastar o campo bolsonarista.

Um relatório alternativo apresentado pela oposição ao final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou o 8 de janeiro recomendou, inclusive, que Dino fosse indiciado criminalmente por essa suposta omissão.

"O mais importante é sabermos se o Flávio Dino que foi ministro da Justiça e que se comportou da forma como ele se comportou", diz Rogério Marinho à BBC News Brasil, "retirando a possibilidade, por exemplo, de que houvesse uma maior isenção na apuração do 8 de janeiro, impedindo que provas fossem apresentadas, se colocando com beligerância, com agressividade contra opositores políticos, se esse vai ser o ministro Flavio Dino (no STF)."

Para Marinho, é "muito difícil você dissociar toda sua história abruptamente como se trocasse de roupa".
Para fundamentar as acusações de omissão no 8 de janeiro, o campo bolsonarista cita, por exemplo, o fato de o Ministério da Justiça não ter acionado a Força Nacional de Segurança para proteger as sedes dos Três Poderes.

Dino, por sua vez, argumentou, em ofício enviado à CPMI, que autorizou o uso da Força Nacional na noite do dia 7 de janeiro, após alerta da Polícia Federal sobre possíveis ataques.
No entanto, segundo o ministro da Justiça, o uso desses agentes só poderia ser feito após anuência do governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha (MDB).

Dino alegou que, embora tenha comunicado Rocha na noite de 7 de janeiro, recebeu a liberação do uso da Força Nacional pelo governo do DF às 17h29 do dia 8 de janeiro, quando os prédios já haviam sido invadidos.
Outro ponto que a oposição vai questionar é a falta de imagens internas do Ministério da Justiça durante os ataques.

As gravações de câmeras de segurança foram solicitadas pela CPMI, mas, como isso foi feito sete meses após os ataques, a pasta disse que elas não haviam sido preservadas.

Ainda segundo o Ministério da Justiça, apenas as imagens das câmeras externas foram preservadas porque foram solicitadas pela Polícia Federal logo após os atos de depredação.

Questionado por jornalistas em agosto, Dino disse que o contrato do sistema de segurança não prevê a preservação automáticas das imagens por longo período.
"O mesmo problema [de imagens do 8 de janeiro não preservadas] aconteceu no Senado. É problema contratual. Eu não sabia disso. Não sou gestor de contrato, sou ministro da Justiça", afirmou.

"A Polícia Federal veio aqui e recolheu o que precisava. Só soube agora quais imagens a PF recolheu. Eu não conheço o inquérito, está tudo sob sigilo."
Já em outubro, Dino rebateu as acusações de omissão feitas contra ele no relatório paralelo da CPMI.

"Afirmo que todos os aspectos, todas as tarefas que competiam a mim naquela ocasião, assim como competiam ao presidente Lula, foram feitas", disse a jornalistas.
"Agora, não poderíamos ir além da nossa competência técnica, da competência jurídica. Portanto, não, existe omissão penalmente relevante nesse caso. Houve, ao contrário, ação firme, determinada, para conter uma tentativa de golpe de Estado."

Segurança pública e 'dama do tráfico'
A gestão de Dino na área de Segurança Pública também será abordada pela oposição na sabatina.

Segundo pesquisa do instituto Datafolha do início de dezembro, 50% da população avaliam como ruim e péssima a gestão do governo Lula neste campo, enquanto 29% consideram regular e 20%, ótima ou boa.
Além da avaliação popular negativa, o indicado ao STF deve ser questionado sobre a controvérsia em torno da participação de Luciane Barbosa Farias — mulher de um chefe de uma facção criminosa no Amazonas — em duas audiências no Ministério da Justiça.

Farias ficou conhecida nacionalmente como "dama do tráfico", após reportagem do jornal O Estado de S.Paulo revelar o caso.

Ela nunca se encontrou pessoalmente com o ministro, mas, em março, esteve com o secretário de Assuntos Legislativos da Pasta, Elias Vaz.

Pouco mais de um mês depois, se reuniu com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
Farias foi recebida na condição de presidente do Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), que, segundo o site da entidade, atua pelos direitos humanos de presos.

Críticos desses encontros, porém, destacam que Farias é casada há 11 anos com o traficante Clemilson dos Santos Farias.

Em outubro, após suas idas ao Ministério da Justiça, ela foi condenada a dez anos de prisão por associação ao tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

“Os índices péssimos de segurança que o Brasil vive, a população aterrorizada pelo medo, e, dentro do seu ministério, circulando a dama do tráfico", disse o senador Eduardo Girão (Novo-CE), ao comentar a escolha de Lula ao STF, em mensagem divulgada à imprensa.

"É uma afronta realmente ao povo brasileiro (a indicação de Dino).”

Apesar do forte desgaste que o caso gerou, Dino disse que não demitiria os secretários que receberam Farias e argumentou que ela não seria conhecida como "dama do tráfico" antes da reportagem usar essa alcunha.
"Os secretários que receberam (Farias) praticaram algum ato ilegal? Os secretários praticaram algum crime? Beneficiaram supostamente o Comando Vermelho em quê? É preciso ter um pouco de responsabilidade e de seriedade", disse Dino em novembro a jornalistas em um evento no Ceará.

"Eu tenho o comando da minha equipe, confio na minha equipe e eu não demito secretário de modo injusto. Se eu fizesse isso, quem iria ser desmoralizado não ia ser o secretário, era eu."
Conservador sobre aborto e drogas?

Dino também deve ser questionado sobre seu posicionamento em relação a pautas de costumes que geram controvérsia na sociedade, como o debate sobre a legalização do aborto ou a mudanças na repressão ao consumo de drogas.

São questões recorrentes em sabatinas de indicados ao STF, levantadas, sobretudo, pela ala conservadora do Senado, que é contra a análise desses temas na Corte.
Em geral, ressalta o professor Wallace Corbo, os indicados driblam esses questionamentos, argumentando que não podem se pronunciar previamente sobre uma ação que podem vir a julgar.

Analisando declarações anteriores a sua indicação, nota-se que Dino tem algumas posições conservadoras na pauta de costumes, apesar de ser um político do campo progressista.
O ministro já se colocou contra a ampliação da legalização do aborto, embora tenha apoiado falas de Lula de que o tema seria uma questão de saúde pública, algo que gerou desgaste para o petista junto ao eleitorado conservador na eleição de 2022.

"Eu sou filosoficamente, doutrinariamente, contra o aborto, e acho que a legislação brasileira não deve ser mexida nesse aspecto", disse em abril do ano passado, em entrevista ao Valor Econômico.
"Por que eu registro minha posição? Porque essa é a prova de que é um tema que não tem consenso nem no nosso campo político."

O STF tem uma ação em andamento que discute a descriminalização ampla do aborto, prática que hoje é permitida no país apenas em caso de estupro, risco de vida para a mãe e quando o feto é anencefálico.
Dino, porém, não poderá se manifestar no mérito dessa ação quando o julgamento for retomado (não há previsão ainda) porque a ministra Rosa Weber – única a se manifestar até o momento – já votou pela ampla liberação.

Por outro lado, ele poderá julgar outras ações que costumam chegar ao STF discutindo casos particulares, como ações criminais contra suspeitos de realizar abortos ilegais ou pedidos de gestantes para abortar, como, por exemplo, em casos de fetos diagnosticados com problemas que impedem sua vida após o parto (casos similares ao da anencefalia, mas que não são permitidos nas regras atuais).

Na questão das drogas, Dino se coloca contra o consumo, mas já indicou ser contra o atual modelo de criminalização.

"Individualmente, eu tenho uma atitude contra as drogas, de rejeição ao consumo. Como política pública, nós temos que enxergar sempre a questão da eficiência", disse, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2019.

"O que nós estamos vendo é que esse modelo atual faz com que marcadamente jovens de baixa instrução negros de periferia, essencialmente esses, sejam atraídos pelo tráfico de drogas e depois levados ou a morte violenta ou ao cárcere."

No momento, há um julgamento em andamento no STF que discute descriminalizar o porte de maconha para consumo e fixar parâmetros que diferenciem qual a quantidade liberada para usuário e qual a quantidade que enquadraria o portador como traficante.

A princípio, Dino não se manifestará no mérito principal dessa ação, caso seja aprovado para a Corte, porque Rosa Weber já votou.
Mas, como o julgamento está em curso, pode ser que o próximo ministro precise se manifestar em alguma etapa do caso.

Aliada de Dino e evangélica, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) tentou mediar uma aproximação do indicado ao STF com a bancada religiosa do Senado.

No entanto, a postura mais conservadora do ministro na pauta de costumes não foi capaz de compensar a resistência ao seu nome devido à sua trajetória política no campo oposto ao bolsonarismo.

Um dos argumentos do segmento contra a aprovação de Dino é um temor em relação à liberdade de imprensa, disse à BBC News Brasil a senadora Damares Alves.

"A questão da liberdade de imprensa tem me tirado o sono. A última decisão do Supremo (sobre a possibilidade de empresas jornalísticas serem punidas quando entrevistados imputarem crimes falsos a terceiros) não foi legal. O próprio Dino fala o tempo todo de regulação", ressalta.

"Então, para além das nossas pautas de valores, eu acho que hoje outros temas vão pesar (contra a indicação de Dino ao STF)."

Já o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Carlos Viana (Podemos-MG), tem sido uma das principais vozes críticas à indicação do ministro da Justiça.

"Flávio Dino enfrentará nossa resistência pela bancada evangélica do Senado. Nós o temos como um 'ditador' cujo passado no governo do Maranhão não é referência ao cargo", disse ao jornal O Estado de S. Paulo em outubro, quando Dino já era o principal cotado para a indicação de Lula.


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