"Um juizeco”, atacou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao se referir a Vallisney de Souza Oliveira, juiz da 10ª Vara Federal do Distrito Federal. Ele foi o responsável pela decisão que autorizou a Polícia Federal a entrar no Senado e prender quatro policiais legislativos acusados de atrapalhar investigações da Operação Lava Jato contra senadores. Além da declaração agressiva, o presidente do Senado questionou a decisão no Supremo Tribunal Federal e prometeu apresentar uma representação contra Vallisney no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Disse ainda que colocaria na pauta do Congresso a discussão que pode pôr fim à aposentadoria compulsória de juízes. A Associação dos Juízes Federais, Ajufe, emitiu uma nota em defesa de Vallisney, na qual classificou o comportamento de Renan como “típico daqueles que pensam que se encontram acima da lei”. “Só leva à certeza que merece reforma a figura do foro privilegiado, assim como a rejeição completa do projeto de lei que trata do abuso de autoridade”, diz o texto. A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, também tomou as dores. “Onde um juiz for destratado, eu também sou”, disse. Tudo por causa de Vallisney.
Vallisney nada disse. Permaneceu quieto, recolhido na 10ª Vara Federal, onde trabalha. Ele nasceu em 1965 em Benjamin Constant, no Amazonas, cidade que fazia fronteira com o Peru. Essa condição mudou em 1981, quando o distrito de Tabatinga se tornou município autônomo e assumiu a fronteira com o país vizinho. Um benjamin-constantense é tido pelo amazonense como um povo que defende os costumes locais. O peculiar nome Vallisney é resultado de uma característica típica da região, uma variação do nome de seu pai. Apesar de oficialmente chamado de Antonio Padilha, o patriarca da família Souza Oliveira é conhecido na cidade por Valter. Deste nome derivam os registros de alguns dos filhos: Vallisney, Valcimar e Vallismar. Valter e Marlívia criaram os filhos em Benjamin Constant, onde possuíam uma pousada. Marlívia morreu recentemente. Vallisney mantém o hábito simples de se reunir com o pessoal do gabinete, especialmente para jogar futebol.
Vallisney é juiz há 24 anos. Antes disso foi promotor no Amazonas e procurador da República por um ano, no Espírito Santo. Assumiu um cargo em Brasília em 2006 e, desde então, passou nove anos num vai e vem entre a Justiça Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Nesse período, passou dois anos no gabinete do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, como juiz instrutor. Em novembro do ano passado, voltou para a 10ª Vara, a única do Distrito Federal especializada em lavagem de dinheiro e corrupção. Devido a esse perfil, assumiu casos de grande repercussão. Estão em suas mãos a Operação Zelotes – que apura um esquema de venda de sentenças no órgão que julga multas tributárias –, a Operação Greenfield – que investiga desvios nos quatro maiores fundos de pensão do país – e a Operação Métis, que tanto incomodou o Senado. Esta última, no entanto, saiu da guarda de Vallisney na semana passada para o Supremo, quando o ministro Teori Zavascki acatou uma reclamação apresentada pela defesa dos policiais presos. Até uma decisão definitiva, o caso ficará no Supremo. Mesmo assim, Vallisney não ficará sem trabalho: foi por suas mãos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornou réu numa ação em que é acusado de ter feito tráfico internacional de influência em favor da Odebrecht. No mesmo caso respondem ainda Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo que leva seu nome, e outras nove pessoas. Assim, é pelas mãos de Vallisney que Lula, Marcelo e os demais devem conhecer suas sentenças.
Apesar do perfil discreto, Vallisney mantém um site pessoal onde publicou 42 poemas e transcreveu outros 42 de autoria diversa, dos quais gosta. A página é dedicada ainda à exposição de seus artigos, palestras e apresentações. Existe um espaço para “entrevistas” – que, fruto da discrição de Vallisney, permanece virgem. Vallisney dá aula de teoria geral do processo e Direito processual e civil na Universidade de Brasília (UnB). É visto pelos alunos como um professor disciplinado, mas afável, sem os excessos de formalismo muito comuns no universo do Direito. Vallisney é duro nas sentenças. Em uma das ações da Zelotes, tornou réus dez executivos de um dos maiores bancos privados do país, o Bradesco. Entre eles está o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco. Nos desdobramentos da mesma operação, conduziu coercitivamente o empresário André Gerdau, do grupo que tem seu sobrenome, e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Na semana passada, enquanto era atacado por Renan, Vallisney tornou réus dois ex-presidentes da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha, este último preso em Curitiba pela Operação Lava Jato. Os dois são alvos de uma ação que apura desvios de recursos do FI-FGTS na Caixa, com base na delação do ex-vice-presidente do banco Fábio Cleto.
Vallisney é conhecido pelos pares como um juiz calmo, cortês e que dá espaço aos advogados para fazerem seu trabalho. No julgamento da Zelotes, intermediou discussões acaloradas entre a defesa e o procurador que cuida do caso, Frederico Paiva. Não se alterou. Deu espaço para as partes falarem e só quando o bate-boca tomou proporções exageradas disse que poderia usar o poder de polícia para intervir. Nem sempre, no entanto, suas decisões são vistas como equilibradas. Foi vista como exagerada, por exemplo, a determinação de Vallisney para o afastamento de 40 executivos de empresas suspeitas de envolvimento no desvio de recursos dos quatro maiores fundos de pensão do país – Previ, Petros, Funcef e Postalis – na Operação Greenfield. Entre os executivos que foram afastados estão os irmãos Joesley e Wesley Batista, do conglomerado JBS. Em menos de dez dias, Vallisney reviu a decisão sobre o afastamento e aceitou o acordo feito pelo Ministério Público Federal.
Neste mês, quando sua volta à 10ª Vara completa um ano, Vallisney deve tomar decisões importantes nos casos que cuida, como o Zelotes, e definir se condena ou absolve grandes empresários no esquema que apura o desvio de bilhões de reais da Receita. Ao lançar o livro O juiz e o novo processo civil, em setembro último, Vallisney definiu como papel do magistrado ser “um juiz participativo, atuante, que maneja o processo com firmeza e aprecia os direitos das partes com isenção, sem vedar a colaboração dos demais intervenientes no rito procedimental”. Com os casos que tem nas mãos, é provável que o futuro reserve a Vallisney outras manifestações tão negativas quanto a que recebeu do presidente do Senado. Aliás, na sexta-feira (28), Renan pediu desculpas à ministra Cármen Lúcia; a Vallisney, nada.