19/02/2024 às 07h39min - Atualizada em 19/02/2024 às 07h39min

Mudança em regra sobre tramitação de projetos é novo motivo para embate entre Lira e Pacheco

Alteração no regimento interno da Câmara fez com que as propostas da Casa tivessem prioridade sobre projetos do Senado. Presidente do Senado mencionou possibilidade de alterar regimento interno do Senado para equilibrar poderes.

​Presidente da Câmara Arthur Pira e Presidente do Senado Rodrigo Pacheco

Uma mudança na regra sobre tramitação de projetos na Câmara dos Deputados abriu um novo capítulo do embate entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira(PP-AL), e o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
 
A modificação no regimento interno da Câmara — que trata sobre a prioridade de propostas — não é nova, está em vigor desde 2022, mas foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) e, agora, como não teve sucesso na Corte, fez com que o assunto voltasse à tona.
 
A mudança aprovada pela Câmara no regimento interno determina que:
 
•             Projetos da Câmara tenham prioridade sobre os projetos do Senado. Sendo assim, projetos aprovados pelo Senado e enviados à Câmara são apensados, isto é, juntados às matérias mais antigas e com temas similares que tenham sido de iniciativa da Câmara
 
•             Antes disso, o regimento estabelecia preferência aos projetos do Senado sobre os da Câmara. Também previa que o texto mais antigo tivesse prioridade sobre os mais recentes, o que agora inverteu. Pacheco: É nosso dever manter postura de equilíbrio
•            
Senadores reclamam que com a nova regra os textos aprovados no Senado ficam parados na Câmara. Isso porque, ou são juntados com os mais antigos da Câmara, ou entram atrás na fila de antiguidade.
 
 
Procurada pela reportagem, a assessoria da Câmara disse que "as regras e o regime de tramitação de propostas legislativas, assim como a precedência na tramitação conjunta, são definidos pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados, aprovado por meio de resoluções votadas pelos deputados em sessão do plenário".
 
O novo desdobramento fez com que Pacheco elevasse o tom em discurso no Plenário do Senado nesta quarta-feira (7). Ao ser questionado sobre o assunto por um parlamentar, ele disse que a alteração — que consiste na supressão dois dispositivos do regimento da Câmara — traz um desequilíbrio aos poderes.
 
"De fato, a supressão desse comando no Regimento da Câmara dos Deputados por um projeto de resolução é uma perplexidade, porque, de fato, fica desbalanceado e fica sempre ao alvedrio [arbítrio] do momento de se arquivar um projeto do Senado, que já esteja adiantado", pontuou Pacheco.
 
Pacheco disse ainda que, caso a Câmara não recue da alteração, o Senado também fará mudanças no regimento interno do Senado. Dessa forma, projetos da Câmara perderiam espaço quando chegassem ao Senado.
 
"De duas uma, ou se tem realmente por indevida, passível de ser corrigida essa questão na Câmara dos Deputados, eventualmente até por inconstitucionalidade — que eu espero seja reconhecida, dentro de um acordo político feito entre o Senado e a Câmara, — ou, então, a segunda alternativa seria que o regimento do Senado também seja alterado para suprimir a preferência dos projetos da Câmara em relação ao Senado. E, aí, sim, nós vamos ter novamente o restabelecimento desse balanceamento entre as duas Casas", afirmou.
 
Efeitos práticos
A nova regra em vigor desde 2022 afetou alguns projetos que acabaram sendo colocados no fim da lista de prioridades da Câmara dos Deputados.
 
Exemplo disso foi o que ocorreu com um projeto sobre concessão de abono, de novembro de 2023, do senador Jaques Wagner (PT-BA).
Quando o texto chegou à Câmara, não teve prioridade e acabou apensado a um projeto de 2003 do ex-deputado federal Ricardo Izar.
 
E, hoje, após passar por quatro comissões, aguarda análises em outras duas.
 
Enquanto a proposta de Wagner (mais recente) prevê abono aos trabalhadores por motivo de vacinação, a de Izar (mais antiga) diz respeito ao abono para pais de filhos com deficiência em casos de acompanhamento em terapias e tratamentos médicos.
 
Outro projeto que quase passou por isso foi a desoneração da folha de pagamento. Em fevereiro de 2023, o senador Efraim Filho (União-PB) apresentou a proposta.
 
Mas, quando chegou à Câmara, ela seria apensada ao projeto do deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) sobre o mesmo tema.
O projeto da desoneração só foi para frente — e tramitou em caráter de urgência — após um acordo, que permitiu o arquivamento do projeto de Ayres.
 
Reação e judicialização
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) foi quem levantou o assunto e questionou Pacheco sobre a mudança no regimento interno da Câmara na sessão de quarta.
 
Foi ele também que em setembro de 2023 apresentou um mandado de segurança no STF pedindo a suspensão da mudança. O pedido foi negado pelo ministro Dias Toffoli sob o argumento de que a lei só poderia ser alterada por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
 
Vieira analisa a alteração feita no regimento interno da Câmara como uma "fraude ao bicameralismo". Por isso, ele defende a reação do Senado, para que, segundo ele, "não haja uma destruição completa do sistema democrático".
 
"Qual é o efeito concreto disso, para quem nos acompanha e que não é do Parlamento entender? Efeito número um: a última palavra será sempre da Câmara dos Deputados, porque a iniciativa passa a ser do projeto de lá. Então, [o] bicameralismo, a Constituição Federal é rasgada cinicamente pela Presidência da Câmara dos Deputados", detalhou.


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