O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e o filho dele, Nuno Rebelo de Sousa, que mora no Brasil, entraram na mira do Ministério Público e vão responder a um inquérito. Eles são acusados de favorecer duas gêmeas brasileiras, que têm nacionalidade portuguesa, em um tratamento de saúde que custou 4 milhões de euros (R$ 22 milhões) aos cofres públicos. A investigação conduzida pela Inspeção-Geral da Atividade em Saúde (Igas) concluiu que houve irregularidades em todo o processo e remeteu as conclusões às autoridades competentes. A Procuradoria-Geral da República (PGR) diz que o caso está sob segredo de Justiça, em estágio de coleta de provas.
O tema remete a 2019, quando a mãe das gêmeas Maitê e Lorena pediu para a nora do presidente português ajuda para que as filhas fossem atendidas em um hospital de Lisboa, para que tivessem acesso ao medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma. As meninas são portadoras de uma doença rara, a atrofia muscular espinhal (AME). O filho de Rebelo de Sousa encaminhou, então, um e-mail para o pai, pedindo prioridade para o tratamento das brasileiras, mensagem que foi passada adiante pelos assessores do Palácio do Belém. Em questão de dias, a primeira consulta no Hospital Santa Maria, precisamente em 5 de dezembro daquele ano, foi realizada.
Segundo as investigações do Igas, o contato com o hospital foi feito por Carla Silva, secretária de António Lacerda Sales, então secretário de Estado de Saúde. A servidora disse que, além da mensagem requerendo atenção especial às gêmeas, ela ligou para a direção do Santa Maria para reforçar o pedido. Apesar de todos os detalhes dados por Carla aos investigadores da Inspeção-Geral, Lacerda Sales negou qualquer envolvimento com o caso. Desde que a apuração sobre o favorecimento começou, ele vem repetindo o discurso de que "ninguém no governo tem poder para pedir consultas ao Sistema Nacional de Saúde (SNS), nem para influenciar a consciência dos servidores nem para ferir a autonomia deles".
O presidente de Portugal resistiu o quanto pôde em assumir a sua participação no esquema que beneficiou as meninas brasileiras. Mas, quando a própria mãe das gêmeas revelou em uma entrevista à TVI que tinha recorrido a um "pistolão", o líder português veio a publico reconhecer que havia recebido o pedido de ajuda feito pelo filho Nuno. “Apenas passei o e-mail adiante”, frisou Rebelo de Sousa. Agora, porém, com a conclusão do relatório do Igas, ele terá de prestar novo depoimento. A expectativa no Palácio de Belém é de que o presidente tenha bons argumentos para se distanciar de vez do assunto, que lhe custou a perda de popularidade junto aos portugueses. O filho Nuno, que é diretor da EDP no Brasil, deve ficar com todo o ônus.
O caso é bastante complicado. Para que as gêmeas fossem atendidas pelo sistema de saúde português, elas foram obrigadas a requerer a cidadania lusa. Normalmente, esse processo leva até dois anos. No caso das brasileiras, a nacionalidade acabou concedida em apenas 14 dias — começou em 2 de setembro e se encerrou em 16 de setembro de 2019. O Ministério de Negócios Estrangeiros contesta a informação e diz que a requisição foi feita em 16 de abril daquele ano, portanto, seis meses antes da aprovação.
Não é só. Além de bancar o remédio mais caro do mundo, liberado oficialmente em Portugal somente em 2021, portanto, bem depois do tratamento das gêmeas, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) comprou quatro cadeiras de rodas elétricas para as meninas, sendo que duas delas jamais foram retiradas. Nenhuma criança portuguesa, nas mesmas condições, teve acesso a esse tipo de equipamento. Por isso, a polêmica em torno do atendimento às meninas brasileiras só aumenta.