A Polícia Federal deflagrou em fevereiro deste ano a maior operação contra militares desde o início das investigações sobre a tentativa de um golpe de Estado. De major a general, chegando até a um ex comandante, 16 oficiais, da ativa e da reserva, foram alvos de buscas e tiveram suas casas vasculhadas, passaportes apreendidos e computadores e celulares tomados para perícia. Foi uma verdadeira devassa, que ainda rendeu a prisão de três deles.
Sob constante pressão e às voltas de uma permanente desconfiança no governo Lula, a cúpula das Forças Armadas correu para dar uma resposta: afastou os fardados de seus postos, prometeu punir aqueles cujo envolvimento for comprovado e disse ser absolutamente contra qualquer intento antidemocrático. De público, era o que tinha a ser feito. Nos bastidores, porém, também houve espaço para outro tipo de reação. A ação da PF, curiosamente, despertou alívio e até comemoração ao tragar para o centro do golpismo o ex-número 2 do Exército Walter Braga Netto.
O general da reserva, que ocupou a Casa Civil e o Ministério da Defesa no governo de Jair Bolsonaro e entrou como vice do capitão nas eleições de 2022, surge na trama em meio a impropérios, ataques a colegas de profissão e articulações para mobilizar apoiadores para uma virada de mesa contra a vitória de Lula – o que complica a sua situação jurídica ao mesmo tempo em que amplia o desgaste com o atual comando da força.
Interlocutores do Exército afirmam que algumas das mensagens encontradas no celular de Braga Netto, como quando chamou o ex-comandante Freire Gomes de “cagão” e afirmou que o atual comandante, Tomás Paiva, “nunca valeu nada”, “agrediram” todo mundo e que “não tem um cara que não esteja indignado” com o general da reserva, o que seria um impeditivo para qualquer ajuda da força, apesar do seu conhecido corporativismo.
Já um representante da alta cúpula das Forças Armadas vê o general “lascado” e na “iminência de ser preso”, o que favoreceria o esforço do Alto Comando de se descolar de qualquer tentação golpista. “Quem mais nos ajuda hoje é o Braga Netto. Ele tirou a suspeição do CNPJ [Forças Armadas] e colocou o CPF na trama – o dele. Ainda bem que agora estão aparecendo os nomes”, afirma.
Militares da ativa também estão encrencados
Apesar de tentar escapar de qualquer vinculação golpista, a atual cúpula do Exército vê alguns fardados que ocuparam postos relevantes envolvidos nas investigações sobre a trama golpista. Um deles é o general Estevam Theophilo, que chefiou o Comando de Operações Terrestres (Coter) até o fim de 2023 e, nessa função, era responsável por indicar o emprego das tropas militares.
Ao fim das eleições, ele esteve ao menos três vezes no Palácio da Alvorada em reuniões com o ex-presidente Jair Bolsonaro. A PF investiga se, nesses encontros, o general se comprometeu a garantir o apoio militar em uma ação para reverter o resultado eleitoral. Ao mesmo tempo em que ocorria uma das reuniões, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid relatou a um amigo, o coronel Bernardo Romão Corrêa Netto, que o general queria “fazer”, “mas desde que o presidente assine”.
Em depoimento à PF, o general rejeitou qualquer ação golpista e afirmou que todas as visitas a Bolsonaro foram relatadas ao general Freire Gomes – informação que foi negada pelo ex-comandante.
Em fevereiro, o general Theophilo foi um dos alvos da operação de busca e apreensão. O pedido da PF havia sido expedido em novembro – dias depois, ele foi transferido para a reserva. No ano passado, Theophilo ocupou por diversas vezes o comando do Exército de forma interina, substituindo Tomás Paiva durante as missões internacionais.
Outro militar da ativa envolvido nas investigações é o coronel Corrêa Netto, amigo de Cid. Em mensagens, os dois tratam sobre supostas irregularidades nas urnas eletrônicas, conversam sobre a divulgação de notícias ofensivas a militares que se mostravam resistentes a encampar um roteiro golpista e planejavam encontros com a participação de outros Forças Especiais do Exército – a PF apura se nessas reuniões eram tratadas soluções para reverter o resultado eleitoral.
Corrêa Netto foi transferido para uma missão nos Estados Unidos em maio de 2023 e, de lá, recebeu uma ordem de prisão da Polícia Federal. Ele retornou ao Brasil e, na chegada, contou com uma operação do próprio Exército para evitar a exposição do militar. O coronel foi solto em março.