10/05/2024 às 07h38min - Atualizada em 10/05/2024 às 07h38min

Guerra em Gaza: Estados Unidos interrompem o envio de bombas a Israel

O presidente Joe Biden e o secretário de Defesa Lloyd Austin anunciam suspensão de um carregamento com armas e alertam que medida continuará, em caso de invasão a Rafah. Analistas avaliam impacto, no contexto da tensão entre os aliados

​Forças israelenses marcam posição dentro de Rafah, no sul da Faixa de Gaza(foto: Exército de Israel/AFP)

O sinal mais contundente do mal-estar entre o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, foi emitido pelo secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, durante o Comitê de Dotações do Senado, em Washington. O chefe do Pentágono anunciou que os EUA suspenderam o envio de armamentos para Israel. "Israel não deveria lançar um grande ataque à cidade de Rafah sem proteger os civis. Temos avaliado a situação. Nós suspendemos uma remessa de munições de carga útil", declarou Austin. Uma fonte militar revelou à emissora CNBC que o carregamento, que seguiria para Israel na semana passada, consistia em 1.800 bombas de 907kg e 1.700 bombas de 226kg.

Ao mesmo tempo, o chefe do Pentágono disse que os EUA farão o necessário para garantir que Israel tenha meios de se defender. "Dito isso, devemos afirmar que estamos reavaliando carregamentos de assistência de segurança de curto prazo, no contexto dos eventos em desdobramento em Rafah", acrescentou. Austin esclareceu que o governo não tomou uma "decisão final". "Nós atrasamos o carregamento. Deixamos claro que nos opomos a uma ação israelense em Rafah que não leve em conta a segurança dos civis palestinos. (...) Deixamos claro o que esperamos deles (israelenses) antes da operação em Rafah."

Mais tarde, em entrevista à CNN, Biden confirmou que deixará de fornecer "projéteis de artilharia" e outras armas se Israel lançar a ofensiva a Rafah. "Morreram civis em Gaza por consequência dessas bombas", destacou o presidente. "Não vamos oferecer as armas e projéteis de artilharia que têm sido utilizados" na ofensiva de Israel contra o Hamas, acrescentou o democrata durante a entrevista.

Pelo menos 1,2 milhão de civis palestinos estão presos em Rafah, onde buscaram refúgio durante a guerra entre Israel e o movimento extremista Hamas. Nesta quarta-feira (8/5), as Forças de Defesa de Israel (IDF) lançaram "operações terrestres seletivas" na cidade, enquanto emissários de Netanyahu ao Cairo negociam com o Hamas um acordo de trégua. O Exército israelense bombardeou mais de 100 alvos na Faixa de Gaza e anunciou a morte de Mohammed Ahmed Ali, comandante das forças navais do Hamas, em um ataque aéreo.

Em Khan Yunis, 9km ao norte de Rafah, o ativista Khalil Abu Shammala, 53 anos, admitiu ao Correio que os palestinos não enfrentam apenas os israelenses na guerra desencadeada pelo massacre de 7 de outubro. "Os Estados Unidos são os principais responsáveis pela agressão e pela matança na Faixa de Gaza. Todos os armamentos usados pelos israelenses têm fabricação norte-americana. Não consigo entender como os EUA lamentam o número de pessoas mortas e, ao mesmo tempo, apoiam Israel e dão luz verde para Netanyahu prosseguir com os assassinatos e o genocídio na Faixa de Gaza", afirmou.

De acordo com Abu Shammala, muitos moradores e refugiados em Rafah ainda se moviam, ontem, para Khan Yunis, com medo de uma invasão massiva. "Israel bombardeia diferentes áreas, não apenas o leste de Rafah, a região na qual as IDF lançaram folhetos alertando sobre ações militares. Eles atacam o centro de Rafah e Khan Yunis, onde 80% dos prédios foram destruídos", relatou. O ativista contou que, durante a madrugada, três mísseis atingiram um hospital de campanha mantido pelos Emirados Árabes Unidos dentro de Rafah. "Muitas pessoas da cidade se mudaram também para Deir Al Balah e Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza.

Analista política baseada em Ramallah (Cisjordânia), a palestina Nour Odeh considera o anúncio dos Estados Unidos um "bom passo, porém, nominal". "Os EUA podem fazer muito mais. Eles poderiam prevenir o desastre que se desenrola em Rafah, mas ainda não o fizeram", disse ao Correio. "A invasão a Rafah está em andamento. Cerca de 200 mil pessoas receberam ordens de abandonar a cidade, muitas outras tentaram fazê-lo. No entanto, as fronteiras estão fechadas e nenhuma ajuda tem chegado. Em última análise, a única coisa que uma invasão massiva a Rafah fará será prolongar o genocídio e manter Netanyahu no poder por mais tempo, mas não alcançará os objetivos definidos por Israel — a eliminação do Hamas e a libertação dos reféns."

Para Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, a decisão do Pentágono vem na esteira da determinação de Netanyahu de lançar uma incursão a Rafah e de controlar a fronteira com o Egito para prevenir o contrabando de armas por meio de túneis. Ele avaliou que a aliança israelo-americana atingiu um ponto crítico, principalmente ante o declínio  do apoio público nos EUA aos esforços de guerra de Israel. "A suspensão de carregamentos de armas envia uma mensagem clara a Netanyahu de que ele deve considerar, cuidadosamente, a terrível situação em Gaza e concordar com um cessar-fogo, sem maiores atrasos. Caso contrário, a crise humanitária se tornará uma catástrofe", alertou ao Correio.

Especialista em relações EUA-Israel da Universidade Bar-Ilan (em Ramat Gan, subúrbio de Tel Aviv), Eytan Gilboa disse à reportagem que a suspensão do envio de armas é "estúpida" e "irresponsável". "Isso prejudicará a eliminação do governo do Hamas, em Gaza, e a libertação dos 132 israelenses mantidos reféns. Também fortalecerá a crença do Hamas de que sobreviverá à guerra. Parece resultar das eleições presidenciais dos EUA.

Biden cedeu às ameaças e à pressão dos muçulmanos, dos progressistas e dos jovens eleitores democráticos", criticou. Gilboa lembrou que uma coligação de deputados e senadores democratas e republicanos condenou a política de Biden em relação a Israel. "Biden terá de cancelar a suspensão do carregamento de armas ou correrá o risco de perder eleitores democratas pró-Israel nas eleições de 5 de novembro", advertiu.
Nações Unidas

A Assembleia Geral das Nações Unidas deverá aprimorar o status da Palestina na ONU, concedendo-lhe quase todos os direitos de Estado no plenário, exceto a permissão para votação. A resolução será apresentada, nesta sexta-feira (10), pelos Emirados Árabes Unidos, segundo o jornal The Jerusalem Post, que teve acesso ao rascunho do documento. A Autoridade Palestina recorreu à Assembleia Geral depois que os EUA vetaram o seu pedido de adesão ao Conselho de Segurança da ONU, no mês passado. A resolução a ser apreciada pela Assembleia Geral afirma o "direito do povo palestino à autodeterminação, incluindo o seu direito a um Estado independente da Palestina".


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