Duas semanas depois de restringir a entrada de migrantes ilegais nos EUA, por meio da fronteira com o México, o presidente Joe Biden assinou uma ordem executiva para simplificar o processo de concessão de residência permanente a pelo menos 500 mil cônjuges não documentados de norte-americanos. A medida beneficia, ainda, 50 mil enteados de cidadãos americanos (filhos de ilegais) e apressa a liberação de vistos de trabalho a estrangeiros graduados em universidades do país.
Em mensagem publicada na rede social X, o antigo Twitter, Biden reiterou que a segurança fronteiriça "não é uma questão política a ser transformada em arma". "É uma responsabilidade que todos partilhamos. A imigração, também. Não estou interessado em brincar de política com os temas. Estou interessado em consertá-los", escreveu. "Há 14 dias, fiz o que os republicanos no Congresso se recusaram a fazer. Tomei medidas para proteger a nossa fronteira. Restringi as travessias ilegais e permiti decisões mais rápidas sobre asilo — desde que implementamos a minha ordem, as travessias diminuíram cerca de 25%."
Os migrantes irregulares — sem autorização de residência — casados com norte-americanos, além de seus filhos, não mais precisarão deixar os EUA e solicitar o documento no país de origem. Eles poderão aguardar os trâmites para a liberação da residência permanente (green card) em território norte-americano. Segundo a Casa Branca, as mudanças contemplarão aqueles que vivem "no país há pelo menos 10 anos e estão casados com um cidadão americano desde antes de 17 de junho de 2024". Depois da obtenção do green card, o beneficiário pode solicitar a cidadania. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, saudou o "avanço" e comemorou a iniciativa de Biden. "É muito boa a notícia de que serão regularizadas famílias de mexicanos nos Estados Unidos, sobretudo os estudantes, os jovens. É digno de reconhecimento", declarou.
Natural de Virginópolis (MG), o maquinista Marcos Pereira, 45 anos, chegou aos Estados Unidos, ilegalmente, em 2004. Quinze anos depois, casou-se com uma norte-americana e deu entrada na documentação para obter a residência. Em 2021, conseguiu a permissão de trabalho. "Estou à espera dos meus papéis há quase quatro anos. Essa ideia do Biden vai ajudar os imigrantes que estão casados com cidadãos dos EUA. Para nós, será algo ótimo. Viver aqui é muito bom. Não tenho medo de ser deportado, porque eles (Imigração) não fazem isso de qualquer maneira. Muitas deportações ocorrem porque a pessoa vem para cá e pratica coisas indevidas", disse ao Correio. "Como tenho permissão de trabalho, creio que será um pouco mais fácil obter a residência, por meio do meu casamento."
Josiah Heyman — professor de antropologia e especialista em estudos da fronteira pela Universidade do Texas em El Paso — admitiu à reportagem que a medida tomada pela Casa Branca é "genuinamente importante". "A maioria dos imigrantes não autorizados que hoje vivem nos Estados Unidos pertence a famílias com status misto (um cidadão americano e uma pessoa sem documentos). A ordem executiva de Biden é um passo significativo para reduzir os danos provocados às famílias pela deportação", avaliou, por e-mail. Ele entende a iniciativa de Biden, a 140 dias das eleições presidenciais, como de caráter político. "A mensagem é que Biden se importa com as pessoas que vivem nos EUA e entende que elas têm mais importância social e conexões do que aquelas recém-chegadas."
Professor de direito e diretor da Clínica de Imigração da Case Western Reserve University (em Cleveland, Ohio), Aleksandar Cuic explicou ao Correio que, caso a ordem executiva seja implementada, terá grande impacto sobre os elegíveis a receberem o benefício. "Atualmente, aqueles que estão no país e que não entraram legalmente precisam deixar os EUA, finalizar o processo em uma embaixada e, depois, retornar ao território norte-americano. É óbvio que existem riscos no retorno e há uma separação familiar durante esse período. O plano anunciado por Biden deverá aliviar a necessidade de retorno ao país de origem e os tornará capazes de conseguirem a residência permanente (green card) aqui mesmo, nos EUA", afirmou.
Cuic considera interessante o momento do anúncio de Biden. "Não acho que as conotações políticas possam ser ignoradas. O presidente declara que reforça a fronteira, enquanto garante a unidade da família dos não documentados", observou. De acordo com o estudioso, o cumprimento da autoridade de fronteira e da liberdade condicional são poderes descritos nas leis de imigração dos Estados Unidos. "Nesse sentido, Biden cumpre com as leis. Dito isto, sob o âmbito político, algumas pessoas podem dizer que essas medidas são insuficientes e outras podem alegar que ele está indo longe demais."
Segundo Cuic, as propostas de mudanças na imigração, embora úteis, apenas impactam uma pequena porcentagem da população. "O plano atual somente ajuda aqueles que entraram nos EUA sem inspeção, estão casados com um cidadão norte-americano e têm estado aqui por pelo menos uma década. De toda a população imigrante, os que se qualificam são uma pequena parcela. Em última análise, é o Congresso que precisa agir e consertar o sistema", acrescentou.
Entenda os efeitos práticos da ordem executiva de Biden
Famílias unidas
A intenção da Casa Branca é de manter as famílias formadas por migrantes ilegais e cidadão ou cidadã norte-americana juntas.
Residência permanente
O novo processo ajudará certos cônjuges e filhos de migrantes não documentados a darem a entrada no pedido de residência permanente legal sem a necessidade de retornarem ao país de origem.
Quem é elegível
Cidadãos não americanos que residam nos EUA há dez anos ou mais e sejam legalmente casados com norte-americano (a). Em média, os elegíveis para esse processo moram nos EUA há 23 anos.
Prazo e autorização
Os candidatos aprovados, depois de uma avaliação caso a caso pelo Departamento de Segurança Interna, terão prazo de três anos para entrar com o pedido de residência permanente. Eles receberão permissão de ficar com suas famílias nos EUA e poderão ganhar autorização de trabalho por até três anos.
Beneficiados
A Casa Branca espera que a ação proteja cerca de 500 mil cônjuges de cidadãos americanos, e cerca de 50 mil filhos, sem cidadania norte-americana e com idade até 21 anos, cujo pai ou mãe mantenha casamento com cidadão ou cidadã dos EUA.