A última cena de Neymar como jogador da seleção foi um caminhar cabisbaixo. De muletas e com o joelho esquerdo imobilizado, ele se dirigiu à saída do estádio Centenário, em Montevidéu. E até nesta quarta-feira (9) não voltou.
Em outubro de 2023, o Brasil perdeu o jogo para o Uruguai, por 2 a 0, e não só isso. A lesão no ligamento cruzado anterior significa uma recuperação para Neymar que extrapola o prazo imaginado inicialmente. Neste mês, completa um ano.
O período de ausência, pelo que se projeta agora, irá além disso. Neymar não deve voltar em 2024.
Por mais que se discuta o quanto a seleção deva ser dependente ou não do camisa 10, o fato é que o período sem Neymar foi problemático.
Há uma busca incessante por soluções por parte dos técnicos. Falta consistência nos novos protagonistas. Especialmente em Vini Jr, que, desta vez, contra Chile e Peru, está cortado por lesão.
Rodrygo herdou a camisa 10, até fez bons jogos, mas não resolve sozinho um problema que é coletivo.
São 12 jogos, uma Copa América perdida e uma situação desconfortável nas Eliminatórias da Copa – o Brasil está em quinto. Na caminhada para 2026, perdeu mais do que ganhou. O aproveitamento geral da seleção sem Neymar ficou na casa dos 47% ao longo do último ano.
Neymar participou de quatro dos seis jogos com Fernando Diniz – duas vitórias (Bolívia e Peru), um empate (Venezuela) e a derrota para o Uruguai. Nenhum jogo ainda com Dorival Júnior, que está ansioso para contar com Neymar.
“Estamos tendo a percepção do quanto esse jogador é importante. A partir do momento que ele retorne, que possamos desfrutar de um dos grandes jogadores do futebol mundial, em um momento marcante na carreira dele e na nossa seleção”, disse Dorival.
PIPOCADA NA CABEÇA E O CUIDADO DE DINIZ
No jogo anterior à lesão, Neymar já tinha levado uma “pipocada” de um torcedor em Cuiabá, após o empate por 1 a 1 com a Venezuela. A tensão também se dava pela escolha da CBF por um estádio com gramado ruim.
Depois dali, veio o jogo no qual o craque se machucou. E mais: uma sequência de derrotas que – junto à crise da CBF – anteciparam a saída de Diniz.
Nenhuma das outras duas lesões mais graves sofridas por Neymar na seleção o tirou tanto tempo da amarelinha – e do futebol, no geral.
A cena dramática após a joelhada de Zúñiga na Copa 2014 ou a lesão ligamentar no tornozelo no amistoso contra o Qatar, antes da Copa América 2019, não tiveram efeito colateral tão duradouro quanto o problema do joelho em Montevidéu ou geraram tanta incerteza sobre o retorno do craque.
A ausência tem sido a tônica da seleção desde a eliminação na Copa 2022, quando o próprio craque chegou a colocar em xeque sua continuidade. O abatimento era nítido com a queda diante da Croácia, nos pênaltis, mesmo fazendo um golaço na prorrogação.
Neymar nem participou dos três jogos com Ramon Menezes como interino. Mas já tinha ajustado a cabeça para iniciar e atuar ativamente em mais um ciclo.
Fernando Diniz parecia a figura ideal para essa reconexão com a seleção. O técnico adotou uma premissa: “Quem tem Neymar tem que cuidar muito bem dele”.
Diniz fez movimentos conscientes de aproximação, com a proposta de estabelecer uma relação pessoal mais profunda. Tanto que considera Neymar como um amigo.
Quem acompanhava os trabalhos na seleção não via corpo mole em Neymar, mesmo com treinos de duração mais longa praticados por Diniz.
O astro fez dois gols e três assistências nos quatro jogos com Diniz. Em participações de gol, só passou em branco mesmo nos 45 minutos iniciais contra o Uruguai. E aí saiu machucado.
Em novembro passado, o técnico chegou a deixar a concentração para acompanhar o médico Rodrigo Lasmar em uma das visitas ao jogador.
RECUPERAÇÃO MAIS LONGA DO QUE O PREVISTO
Lasmar é figura central no processo de recuperação. Quando atendeu o jogador ainda no gramado uruguaio, percebeu que se tratava de uma lesão grave. O exame de imagem feito no Brasil sacramentou o diagnóstico.
A lesão era até mais complexa. Além do rompimento do ligamento, houve outros problemas adjacentes, como ruptura nos dois meniscos e lesões periféricas. Tudo isso foi corrigido na mesa de cirurgia, em novembro.
Lasmar estimou inicialmente nove meses de recuperação – até de forma conservadora. Cravou Neymar fora da Copa América, no mínimo. A realidade, com algumas consultas periódicas em Belo Horizonte, trouxe um período ainda maior.
“Estamos acompanhando, já está na fase final e treinando sem nenhuma queixa”, disse o médico.
Neymar, inclusive, visitou a seleção na preparação para a Copa América. Esteve no hotel e foi aos jogos contra Costa Rica e Paraguai.
De certa forma, matou a saudade da atmosfera que ele considera “maravilhosa”. A presença dele também reforça o respeito que os membros da nova geração, como Endrick, têm por ele.
VIDA AGITADA FORA DE CAMPO
Para Neymar, pessoalmente, o período afastado não foi de monotonia. A fisioterapia trouxe dor. Foram oito meses até colocar uma chuteira novamente. Há duas semanas, voltou a treinar com bola ao lado do grupo.
Mas a perspectiva de voltar a jogar no começo da temporada atual não se confirmou. Ele talvez só atue nos últimos seis meses do contrato atual do Al Hilal, da Arábia Saudita.
Fora de campo, teve cruzeiro em alto mar e uma dinâmica que flerta mais com o lado influencer do que com o de atleta em recuperação.
Mavie, a segunda filha, nasceu 11 dias antes da lesão dele. Desde então, rompeu e reatou o relacionamento com Bruna Biancardi. E nasceu Helena, fruto de outra relação.
Financeiramente, Neymar ajudou Dani Alves a reduzir o tamanho da pena por estupro na Espanha. E socorreu vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul.
Bateu boca nas redes sociais com Luana Piovani, mas também exibiu um lado paizão aflorado, já que a rotina não tinha jogos e viagens incessantes.
E AGORA, SELEÇÃO?
Quem está pensando em viajar para ver Neymar de perto é a comissão técnica da seleção brasileira. Embora haja canal facilitado por Lasmar, a ideia é checar na Arábia Saudita como anda a recuperação, sob os cuidados do preparador físico Ricardo Roza.
Enquanto isso, cabe a Dorival dar um jeito na seleção de imediato. A formação de ataque tem mudado constantemente. O meio-campo deve exibir a volta de Paquetá como segundo volante. Mas tudo já projetando como encaixar Neymar quando ele voltar.
“Vamos aguardar, temos paciência, não tem importância se ele não puder voltar em outubro, novembro ou só em fevereiro. Ele tem que estar confiante, atuando e, principalmente, totalmente zerado em relação a essa lesão, que não foi simples, demanda tempo, respeito aos procedimentos que foram feitos. É questão de aguardarmos e espero que, ali na frente, possamos desfrutar da capacidade de um atleta como este”, disse o treinador.