A construção de uma praça no jardim de acesso a um prédio residencial da quadra 310 Norte reacendeu a polêmica sobre as intervenções feitas por moradores no projeto original de pilotis desenvolvido por Lucio Costa. No entendimento da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis), uma cerca-viva torna a praça quase "privativa". Por isso, busca demolir as barreiras de plantas.
Idealizado pelos moradores, o espaço – com bancos, pedra portuguesa e palmeiras – recebeu esta semana críticas e comentários favoráveis à iniciativa após uma publicação nas redes sociais. No texto, o autor classifica o espaço como “1,2 mil m² de área de ‘uso comum do povo’”, cercados e decorados como uma “praça privada sem acesso público”.
Revitalizado em maio deste ano, o local é caracterizado pelos moradores do bloco B como “área de convivência”.
O síndico, Mário Higino, que coordenou as mudanças, entrou com um recurso contra a ação demolitória da Agefis. De acordo com o responsável pelo prédio, a administração regional foi comunicada sobre as intervenções, mas ele reconhece que a autorização ainda não foi dada.
Segundo Higino, apesar da cerca-viva delimitando a praça, o espaço é aberto para uso de todos, e "não há por que [o projeto] não ser aprovado em breve".
“O espaço é utilizado principalmente por pessoas da comunidade, e não só por moradores da quadra.”
Praça criada no jardim de acesso ao bloco B, com bancos, palmeiras e pedra portuguesa.
A praça, no acesso virado para a W2 Norte, é delimitada por uma cerca-viva com duas entradas decoradas por um arco, também formado pela vegetação. Uma das moradoras, Ruth Barroso, afirma se sentir mais segura com a cerca e diz se surpreender com pessoas que “reclamam de plantas”.
Jardim de acesso ao bloco 'B', da SQN 310, visto do alto. (Foto: Arquivo pessoal)
Cerca-viva
Ao caminhar pelas quadras da região tombada em Brasília, o problema se repete. É possível observar as cercas-vivas como “elemento de decoração” em prédios das quadras 310 e 311 Norte. No bloco G, da SQN 208, o jardim que dá acesso aos pilotis também é cercado.
Para acessar o prédio ou para utilizar o parquinho de crianças – um equipamento público – , é preciso entrar por uma das passagens entre as plantas. O síndico, Cláudio Dutra, mora no prédio há 11 anos e diz não saber o motivo da existência da cerca, construída antes de se mudar para o local, segundo ele.
Cerca-viva na fachada do bloco G, na 208 Norte. (Foto: Marília Marques/G1)
Dutra garante que não há restrições de acesso de outras pessoas aos pilotis do bloco nem ao parque e, ao G1, falou sobre a vez em que a cerca-viva ajudou a salvar crianças de um atropelamento.
“Contam que uma certa vez um carro perdeu o controle enquanto fazia a curva e subiu a calçada. Mas ele ficou preso na cerca."
"Se não fosse isso [a cerca], poderia ter atingido crianças que brincavam por ali.”
Fiscalização
Questionada pelo G1, até a publicação desta reportagem, a Agefis não tinha pontuado quais intervenções são proibidas de serem feitas em áreas urbanas do Plano Piloto, mas antecipou que “qualquer obra/mudança no projeto inicial precisa de autorização da administração”.
Sobre o assunto, a portaria nº 166/2016 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) esclarece as regras de intervenção no conjunto urbanístico de Brasília.
De acordo com o documento, as superquadras residenciais do Plano devem ter acesso único, em sequência contínua, “sem cercamento, arborizadas e com o chão livre e acessível a todos”.
De acordo com o governo do Distrito Federal, o cercamento de pilotis e de área pública na área tombada não são permitidas pela fiscalização. A justificativa seria preservar o plano original da capital federal, que é Patrimônio Cultural da Humanidade. O título foi concedido pela Unesco em 1987.