14/12/2024 às 06h54min - Atualizada em 14/12/2024 às 06h54min

A MANOBRA DE ARTHUR LIRA

O presidente da Câmara congela a agenda de comissões nos próximos dias e, com isso, tenta decidir sozinho sobre a destinação de bilhões em emendas

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O presidente Arthur Lira estava com pressa na reunião do Colégio de Líderes da Câmara dos Deputados, na última terça-feira, 10. Os deputados discutiam a necessidade de votar a Reforma Tributária, o corte de gastos, entre outros temas importantes da casa, por isso Lira os informou de que faria um período de esforço concentrado a fim de destravar a pauta. Ontem, porém, ele baixou uma decisão que proíbe qualquer reunião das comissões da Câmara por um período de nove dias – ou seja, até  20 de dezembro – sob duas justificativas: “A proximidade do encerramento da presente sessão legislativa” e “a necessidade de o Plenário da Câmara dos Deputados discutir e votar proposições de relevante interesse nacional”.

O congelamento da agenda das comissões não é inédito, mas é raro – e, segundo o Regimento Interno da Câmara (modificado na gestão Lira), só pode ser tomado pelo presidente após ter “ouvido o Colégio de Líderes”. Dois deputados que participaram do encontro disseram à piauí não se lembrar de Lira ter trazido o assunto da suspensão das comissões. Um terceiro deputado, Afonso Motta (Progressistas-RS), no entanto, disse à reportagem que, sim, o presidente da Câmara tocou no assunto, o que poderia, teoricamente, satisfazer o aspecto burocrático da questão.

“Isso passou batido. Ninguém ficou preocupado. ‘Ah, não vai ter comissão.’ Ninguém falou nada, ele simplesmente disse: ‘Oh, vamos fazer um período assim, assado. Vocês estão de acordo? Estão de acordo.’ Pronto, ninguém disse nada contra”, disse Motta. “É como funciona o Colégio de Líderes, não tem formalidade nenhuma, não tem ata, não tem nada, vai indo e vai dando autoridade para o presidente executar as coisas”, acrescentou.
 
Logo um recente desafeto do presidente da Câmara tomou a palavra para apontar que a motivação de Lira não é o “relevante interesse nacional”, mas segundas intenções bastante explícitas: quer impedir as comissões de deliberar sobre o destino das verbas que poderiam decidir por direito e tomar para si essa prerrogativa – e, assim, repassando uma quantia desproporcional a Alagoas, estado que é seu reduto eleitoral.

José Rocha, do União Brasil da Bahia, tomou o púlpito da Câmara dos Deputados para acusar Lira de interferir na autonomia das comissões temáticas, com o objetivo de influenciar diretamente a distribuição de recursos das emendas da Comissão de Integração Nacional, estimados em 1,125 bilhão de reais, boa parte do total de 10,6 bilhões de reais que a Câmara tem para distribuir em 30 comissões permanentes. Se a comissão não pode ter novas deliberações sobre o destino das suas emendas (e é impossível fazer isso com as reuniões congeladas), os recursos vão para as destinações anteriormente indicadas, sob a pressão e influência do presidente da Câmara – como mostrou a piauí na reportagem O Sequestrador na edição de novembro.

“É realmente um ato do atual presidente da Casa que cancela todas as reuniões de comissão com a finalidade de atingir a Comissão de Integração Nacional, a qual presido com muita honra e independência”, falou Rocha ao microfone.
 
O deputado disse que havia marcado uma reunião para deliberar sobre a redistribuição dos recursos na manhã da última quarta-feira, mas que a sessão foi interrompida após a presidência da Câmara convocar ordem do dia para o mesmo horário, inviabilizando os trabalhos. Rocha informou que, mesmo diante das tentativas de manter o quórum da reunião para que continuasse posteriormente, o ato da Câmara suspendendo todas as atividades das comissões travou a continuidade da conversa. “Agora somos surpreendidos com esse ato do presidente cancelando todas as atividades para que nós não pudéssemos redistribuir recursos que estão à disposição da comissão”, disse Rocha.

O presidente da comissão relatou que recebeu uma planilha do gabinete de Lira determinando que 340 milhões de reais – aproximadamente um terço do total do valor a ser distribuído pela comissão – fossem destinados exclusivamente ao estado de Alagoas, reduto eleitoral do presidente da Câmara. “Isso é um absurdo com o qual eu, como presidente da Comissão, não concordei, e vários membros da comissão também não concordaram”, destacou José Rocha.

À piauí, nesta sexta-feira (13), por telefone, o deputado disse que a comissão ia retirar de Lira “uma parte dos recursos do estado dele [Alagoas]” — que, no total, passam dos 300 milhões de reais. “Eu ia fazer uma reunião e lavrar em ata todas as decisões das emendas enviadas pela comissão.” O ato de Lira, segundo Rocha, foi uma maneira de impedir essa deliberação, que desfavoreceria o presidente da Câmara. O registro em ata das decisões das comissões é uma condição exigida pelo ministro do STF, Flávio Dino, para liberação das emendas de comissão. Ou seja: o ato de Lira pode ainda acarretar o não cumprimento dessa determinação do Supremo.
 
 O deputado ainda fez uma convocação aos demais parlamentares: “Eu convido a todos os colegas a reagir a esse tipo de deliberação que o presidente da Casa toma de maneira totalmente autocrática. Vamos reagir enquanto há tempo. Esse Parlamento não pode ficar submisso à decisão de um presidente”, declarou Rocha.

A Comissão de Integração Nacional é responsável pela destinação de recursos a projetos fundamentais para o desenvolvimento regional e combate às desigualdades – é, por isso, a joia da coroa para a distribuição de emendas. A suspensão das atividades pode atrasar investimentos essenciais, prejudicando estados e municípios em situações de vulnerabilidade.


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