O Cerrado, conhecido como o “berço das águas do Brasil” e reconhecido por sua rica biodiversidade, deu um importante passo em direção à preservação e ao desenvolvimento sustentável. Durante o workshop realizado na Universidade Federal de Goiás (UFG) na última quarta-feira,18, reitores, gestores e pesquisadores de instituições de ensino superior (IES) aprovaram a Carta de Goiânia, um documento em defesa da criação do Instituto Nacional do Cerrado. O texto será encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, colocando o Cerrado no centro das discussões nacionais sobre meio ambiente e ciência.
A Carta de Goiânia foi elaborada com a participação de representantes de 13 das 24 instituições de ensino das regiões Centro-Oeste, Norte, Nordeste e Sudeste, que atuam em áreas conectadas ao bioma. Esses
especialistas deliberaram pela formação de um comitê que conduzirá os próximos passos no processo de criação do Instituto. Eles também decidiram enviar um ofício ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia para que a proposta seja incluída na pauta da próxima reunião do Conselho, prevista para o início de 2025.
Além das participações presenciais, o workshop contou com o apoio remoto de grandes nomes da ciência, como o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo), Segen Estefan, e a professora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB). A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, destacou em um vídeo o valor da iniciativa para a proteção do Cerrado.
Cerrado: riqueza natural ameaçada
O Cerrado ocupa cerca de 24% do território brasileiro, abrigando nascentes de rios que alimentam as maiores bacias hidrográficas do país e sustentam milhões de pessoas. Contudo, sua sobrevivência está ameaçada. Em 2023, mais da metade do desmatamento nacional ocorreu nesse bioma, superando pela primeira vez a Amazônia, de acordo com o MapBiomas. O avanço da fronteira agrícola, embora econômico, tem levado à destruição de recursos naturais insubstituíveis.
Além de possuir mais de 4.800 espécies endêmicas de plantas e vertebrados, o Cerrado desempenha grande suporte na estabilidade ambiental e hídrica do Brasil. Essa singularidade reforça a importância do Instituto Nacional do Cerrado como articulador de políticas públicas, garantindo tanto a conservação dos ecossistemas quanto o desenvolvimento sustentável das atividades humanas.
O Instituto Nacional do Cerrado e seu papel
Inspirado em instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Instituto Nacional do Cerrado pretende preencher uma lacuna histórica na gestão de biomas brasileiros. A reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima, enfatiza a relevância do novo órgão. “O Instituto Nacional do Cerrado é fundamental porque articula todas as instituições de ensino, pesquisa e, eventualmente, as parcerias privadas, em prol da preservação e do desenvolvimento sustentável do bioma”, aponta.
Outro aspecto é a potencial visibilidade internacional que a criação do Instituto pode trazer ao bioma. O professor Laerte Guimarães, do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG, informou no evento como o momento histórico favorece as articulações, principalmente com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) no Brasil em novembro de 2025. “As lideranças mundiais estarão no Brasil, o mundo estará voltado para o Brasil, então é muito importante que nós também falemos em Cerrado”.
A ideia do Instituto Nacional do Cerrado não surgiu de forma isolada. A proposta é fruto de anos de esforço por parte da comunidade acadêmica e ambientalistas. Em 2023, uma carta assinada por 45 pesquisadores de diversas partes do mundo foi publicada na revista Nature Ecology & Evolution. O documento chamou atenção para a importância dos biomas não florestais, como o Cerrado, e para sua exclusão recorrente em discussões globais sobre desmatamento.
Durante o workshop na UFG, essa abordagem foi reforçada. A visão unânime entre os participantes é a de que o Cerrado não pode mais ser relegado ao segundo plano. Ele desempenha um papel-chave na proteção de recursos hídricos e na garantia da segurança alimentar brasileira. É também vital para a sobrevivência de comunidades tradicionais, cuja existência está diretamente ligada à preservação do bioma.
A criação do Instituto Nacional do Cerrado visa oferecer respostas coordenadas aos desafios enfrentados pelo bioma. Com suporte técnico, pesquisas avançadas e diálogo com gestores públicos, a entidade promete fortalecer a formulação de políticas que contemplem tanto o uso sustentável quanto a proteção ambiental.
Para a reitora da UFG, a expectativa de ter o Cerrado representado na COP 30 é fundamental para pressionar por compromissos mais amplos. “Queremos estar na COP 30 com essa demanda, demonstrando que a existência de outros biomas, como a Amazônia, depende do Cerrado. Por isso a expectativa de que o Instituto Nacional do Cerrado seja, antes de tudo, um articulador de toda pesquisa e conhecimento gerados pelas nossas instituições para subsidiar políticas públicas.”