O presidente Michel Temer (PMDB) e seus advogados, mais uma vez, utilizaram estratégia comum de acusados: atacar seu acusador. O defensor do presidente pediu ao Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira que declare a suspeição de Rodrigo Janot, o procurador-geral da República, e o impeça de ser parte do processo que investiga a existência do “quadrilhão do PMDB do Congresso”, nas mãos da corte. O argumento do advogado do peemedebista, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, é de que o procurador tem uma "motivação pessoal" contra o presidente. Nos bastidores, contudo, a defesa quer evitar qualquer dano que as delações do doleiro e operador do PMDB Lúcio Funaro e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) possam causar ao Planalto. O acordo com Funaro está em fase de conclusão. O de Cunha ainda segue em negociação. Ambos estão presos no âmbito da Operação Lava Jato.
O movimento do presidente ocorre menos de uma semana após a Câmara barrar a autorização para o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar se aceita a denúncia de Janot contra ele pelo crime de corrupção passiva. Neste caso, o presidente é apontado como o receptor de 500.000 reais em propina pagas pelo empresário Joesley Batista, da gigante do ramo de alimentos JBS. O procurador deve apresentar ao menos mais duas acusações contra o presidente, pelo crime de obstrução à Justiça e por formação de organização criminosa. Por esse crime específico, Temer só poderá ser julgado depois de 31 de dezembro de 2018, quando encerra seu mandato.
No documento de 23 páginas entregue ao STF, Mariz de Oliveira diz que Janot mantém “obstinado empenho no encontro de elementos incriminadores do Presidente, claramente excessivo e fora dos padrões adequados e normais, bem como as suas declarações alegóricas e inadequadas, mostram o seu comprometimento com a responsabilização penal do presidente”. O que incomodou o advogado foi a declaração dada por Janot, em julho passado durante um congresso de jornalistas, de que continuaria fazendo as acusações contra quem quer que fosse até o fim de seu mandato na PGR, em 17 de setembro. “Enquanto houver bambu, vai ter flecha”, declarou o procurador na ocasião. Diz Mariz: “Provar é de somenos, o importante é flechar. Parece pouco interessar ao Procurador se o alvo a ser atingido, além da pessoa física de Michel Temer, é a instituição Presidência da República; as instituições republicanas; a sociedade brasileira ou a Nação”.
O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), diz que a estratégia de Temer é unicamente no sentido de se proteger e, talvez, de protelar o caso para que a sucessora de Janot e indicada pelo presidente para o cargo, Raquel Dodge, atue diretamente. “O que o Temer quer é desmerecer o procurador-geral porque ele sabe que a segunda denúncia contra ele deve ser pesadíssima”, afirmou.
A estratégia de partir para o ataque já foi usada pelo ex-deputado federal Cunha, quando viu seu mandato sob ameaça no ano passado, e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando se tornou réu e quis afastar o juiz Sergio Moro do julgamento de seus casos. Até o momento, nenhum dos dois obteve êxito. Cunha acabou cassado e hoje está preso. Lula já foi condenado por Moro em ao menos um caso e responde a outras cinco ações penais no Judiciário. Moro chegou até a ser advertido publicamente pelo então ministro do STF, Teori Zavascki, por ter divulgado áudios de conversas entre Lula e a então mandatária Dilma Rousseff, mas ele jamais foi formalmente punido. Cunha é um dos investigados nesse inquérito do “quadrilhão” peemedebista. A acusação é que políticos do PMDB, do PT e do PP dividiam as indicações das diretorias de Abastecimento, Serviços e Internacional de Petrobras para a arrecadação das propinas.
Apoio do amigo Gilmar
Os movimentos recentes da política palaciana mostram que a ação do presidente já encontra guarida em ao menos um ministro do STF, Gilmar Mendes, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral. No domingo passado, Mendes esteve em um jantar com o presidente no Palácio do Jaburu. Essa foi pelo menos a terceira vez neste ano que ambos se reuniram fora da agenda oficial do presidente. No dia seguinte ao encontro, a justificativa oficial para a reunião era a de que eles teriam discutido “o aperfeiçoamento do sistema presidencialista”. “Esses encontros são o choque do sistema do Montesquieu, que prevê a separação dos Poderes. O Gilmar vive no colo do Temer”, criticou o professor Fleischer.
O primeiro sinal do ataque de Temer a Janot, aliás, partiu de Gilmar Mendes. Em entrevista à Rádio Gaúcha na segunda-feira, poucas horas após jantar com o presidente, o ministro disse que o procurador era desqualificado para o cargo. “Eu o considero [Janot] o procurador-geral mais desqualificado que já passou pela história da procuradoria, porque ele não tem condições, preparo jurídico e emocional para dirigir um órgão dessa importância”.
Entre aliados do presidente, a versão é que os encontros com o ministro do STF ocorrem para estabelecer estratégias de defesa e também para acertarem os detalhes de uma eventual candidatura de Mendes em 2018 ao Senado pelo PMDB do Mato Grosso, seu Estado natal. O ministro nega qualquer intenção política, mas os sinais que dá são outros. É cada vez mais comum vê-lo se encontrando com políticos ou dando declarações que extrapolam a esfera judicial, onde deveria atuar com exclusividade.
Além de se se aprofundar nesses debates políticos, Gilmar Mendes emitiu em junho passado o voto de minerva que garantiu a continuidade do Governo do peemedebista durante o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE. Ele votou por rejeitar a denúncia de abuso de poder político e econômico. Dessa maneira, o presidente pode seguir no cargo, ao qual foi alçado após o impeachment de Dilma Rousseff.