Antiga sede da Celg era marco da arquitetura modernista em Goiânia (Foto: Dossiê; Secult Goiás/reprodução)
Goiânia perdeu um marco arquitetônico significativo com a demolição da antiga sede da Companhia Elétrica de Goiás (Celg), iniciada na última segunda-feira (17/2). O edifício, localizado na Avenida Anhanguera, no Setor Oeste, foi um dos ícones da arquitetura modernista na capital. Construído entre 1956 e 1958 e projetado pelo engenheiro Oton Nascimento, simbolizava o progresso da cidade. Com 3.800 m², projetado especialmente para abrigar a Celg por décadas e, posteriormente, a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), antes de ser desocupado e abandonado.
A degradação do prédio também selou o destino de um importante painel do artista Frei Nazareno Confaloni, inserida no local ainda em 1961. A obra, intitulada “Energia elétrica: a origem, a invenção e o usufruto”, foi vandalizada e coberta por piche antes de sua remoção, apagando um marco visual da história da energia em Goiás.
Demolição da antiga sede da Celg: tombamento não foi possível
Apesar do valor histórico, o tombamento definitivo do prédio não ocorreu. Em 2019, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO) manifestou repúdio à demolição. No entanto, após a conclusão do Dossiê Técnico elaborado pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult), o material foi enviado à Câmara Técnica de Ciências Humanas, Memória e Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (CEC), que, em abril de 2023, decidiu que a degradação do edifício inviabilizava sua restauração.
Os membros da CEC — Antônio Celso Ramos Jubé, Antônio César Caldas Pinheiro e Allyson Ribeiro e Silva Cabral — explicaram que laudos técnicos indicavam uma deterioração avançada do imóvel, tornando sua reconstrução um “falso histórico”. Segundo eles, a destruição do painel de Confaloni e a descaracterização dos elementos arquitetônicos foram fatores determinantes na decisão de não tombar o prédio. Além disso, pontuaram que, mesmo com o tombamento provisório, os proprietários tinham “a obrigação legal de preservar o bem”, o que não aconteceu.
Os especialistas reconheceram que o processo de tombamento, iniciado em 2019 e encerrado em 2023, foi longo, mas justificaram a demora pelos “trâmites administrativos, disputas jurídicas e o próprio estado de degradação do imóvel”. Para eles, a restauração seria extremamente dispendiosa e, além disso, não havia consenso unânime sobre a relevância do edifício.
CAU lamenta demolição
O prédio pertence a um grupo empresarial desde a privatização da Celg, em 2016, e estava desocupado oficialmente desde 2019. Com a impossibilidade de tombamento e em estado de ruínas, os proprietários solicitaram novamente a demolição, que recebeu o alvará no último dia 13, concedido pela Prefeitura de Goiânia.
A presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO), Simone Buiate, lamentou a demolição e destacou a necessidade de um olhar mais atento sobre o patrimônio arquitetônico da cidade. Para ela, o edifício da Celg representava não apenas um marco da ocupação urbana de Goiânia, mas também um local de memória afetiva para muitos que ali trabalharam. “Foi um edifício que acabou se tornando símbolo e ícone de várias manifestações na cidade”, afirmou.
Buiate ressaltou que Goiânia possui um acervo significativo de arquitetura modernista, ainda não devidamente reconhecido. Segundo ela, a cidade nasceu sob o discurso do progresso e do moderno, influenciada pelo auge do modernismo na construção de Brasília, mas enfrenta dificuldades em proteger esse patrimônio. “A espera do tombamento acaba levando a um acentuado processo de degradação”.
Arquiteta questiona demolição no contexto de requalificação do Centro de Goiânia
A arquiteta também chamou atenção para o impacto da demolição no contexto do programa Centraliza, que busca revitalizar o Centro da capital. Para ela, o aumento na destruição de edifícios históricos levanta um questionamento sobre a real intenção do projeto: “Que centro é esse que a gente quer revitalizar e requalificar?”
Para o CAU a demolição da antiga sede da Celg representa mais um capítulo na discussão sobre a preservação do patrimônio histórico da capital, e evidencia os desafios de proteger edificações com relevância cultural diante da degradação estrutural e da falta de manutenção ao longo dos anos.
Leia na íntegra a nota enviada pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult)
“A Secretaria de Estado da Cultura (Secult) informa que, com o objetivo de subsidiar o Conselho Estadual de Cultura do Estado de Goiás na análise e deliberação do processo de tombamento da antiga sede da Centrais Elétricas de Goiás S.A. (Celg) e do painel de Frei Confaloni intitulado Energia Elétrica: a origem, a invenção e o usufruto, equipe da Superintendência de Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico (Supha) produziu um dossiê técnico que foi concluído em dezembro de 2022.
Esclarecemos que o pedido provisório de tombamento do edifício foi realizado pelo Governo do Estado de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Cultura em 2019, com o objetivo de aprofundar os estudos técnicos que já vinham sendo realizados por instituições acadêmicas para a verificação da representatividade do imóvel e do painel para a arquitetura modernista, bem como para a história e a memória do Estado de Goiás enquanto espaço de uso público e institucional. As demandas para a preservação desses bens provocadas pela comunidade e entidades como universidades, Ministério Público e Conselho de Arquitetura, também motivaram o Estado, tendo em vista o estado de degradação que eles já se encontravam no momento do início do processo.
O processo de investigação teve início em 2019 e foi utilizada a pesquisa diagnóstica que consistiu na coleta de dados e de documentos sobre o edifício Antiga Sede da CELG e o painel de Frei Confaloni, sobre os projetos realizados a partir dos conceitos contemporâneos do modernismo na arquitetura e na arte, especialmente na arte muralista e, ainda, sobre o histórico, os conflitos e a situação atual de edificações e de painéis tombados no Brasil e no mundo, além de vistorias e do estudo das legislações vigentes.
Após concluído, o dossiê foi encaminhado ao Conselho Estadual de Cultura, que decidiu pelo não tombamento definitivo do prédio devido ao estado de deterioração do imóvel. “A reconstrução do imóvel criará o que se chama de falso histórico, numa obra altamente dispendiosa em um bem cuja importância e valor histórico não são unânimes”, diz o parecer emitido em 28 de abril de 2023 pela Câmara de Ciências Humanas, Memória e Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do CEC.”
Nota da Prefeitura de Goiânia ao Mais Goiás
“A Prefeitura de Goiânia concedeu alvará para demolição do antigo prédio da Celg, localizado na avenida Anhanguera”.