19/08/2017 às 07h23min - Atualizada em 19/08/2017 às 07h23min

Operação Panatenaico. Análises 'improváveis e sem nexo'

A Operação Panatenaico começou em 23 de maio, quando 80 policiais federais cumpriram mandados de busca e apreensão, condução coercitiva e prisão temporária.

Por ANA VIRIATO, HELENA MADER e JÚLIA CAMPOS-Correio Braziliense

O advogado do ex-governador Agnelo Queiroz, Paulo Guimarães, afirma que só há possibilidade de manifestação após ter conhecimento, na íntegra, dos documentos do indiciamento pela Polícia Federal. “Nós recebemos o relatório, mas não o inquérito. Vamos analisar tudo com muito cuidado; por isso, ainda não temos um posicionamento para externar”, explica.

 

A defesa de José Roberto Arruda admite que fez apenas uma leitura dinâmica do relatório, pois é denso. Segundo ele, a prioridade são as páginas que mencionam o nome do cliente. Mesmo assim, adverte que é possível observar conclusões “improváveis e sem nexo”. Ele alega que, apesar de a licitação questionada ter sido planejada no governo de Arruda, não chegou a ocorrer no período da gestão. “Aconteceu cinco meses depois que Arruda saiu do governo. A suposta licitação tem data em 2013 e 2014. É absolutamente inverossímil”, argumenta o advogado Paulo Emílio Catta Preta. Ele garante que, caso seja feita a denúncia, serão levantadas todas essas questões ao Judiciário e que estarão “confiantes que será realizada uma boa análise do caso.”

 

O Correio tentou contato com a defesa de Tadeu Filippelli, por telefone e mensagem de WhatsApp, mas não obteve resposta do advogado Alexandre Queiroz. O Correio procurou a Executiva Regional do PT, mas não obteve retorno, até o fechamento desta edição, para comentar as supostas doações da Andrade Gutierrez ao Partido dos Trabalhadores. O mesmo ocorreu com a Executiva Regional do PMDB.

 

Em nota, a Andrade Gutierrez informou que segue na colaboração com as investigações em curso, “dentro do acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal”. Reforçou, ainda, o compromisso de esclarecer e corrigir todas as situações irregulares ocorridas no passado. Acrescentou que “continuará realizando auditorias internas no intuito de esclarecer fatos que possam ser do interesse da Justiça e dos órgãos competentes”.

 

Memória

 

Prisões e bens bloqueados

A Operação Panatenaico começou em 23 de maio, quando 80 policiais federais cumpriram mandados de busca e apreensão, condução coercitiva e prisão temporária. A Justiça decretou o bloqueio de bens de 11 investigados, em um total de R$ 155 milhões. Além de Agnelo, Arruda, Filippelli e Martorelli, ex-presidente da Novacap, foram detidos a ex-presidente da Terracap Maruska Lima; o presidente da Via Engenharia, Fernando Queiroz; o ex-secretário especial da Copa Francisco Cláudio Monteiro; e os supostos operadores de propina Sérgio Lúcio Silva de Andrade, Afrânio Roberto de Souza Filho e Jorge Luiz Salomão. À época, os ex-gestores, além de outras seis pessoas, foram presos temporariamente.

 

Relatório da Polícia Federal acusa 21 pessoas de peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e fraude licitatória durante as obras do Estádio Nacional Mané Garrincha. Entre elas os três ex-gestores

 

Os investigadores federais chegaram à conclusão de que a construção do Mané Garrincha foi superfaturada em R$ 559 milhões: desvios de recursos públicos e propina

 

Cerca de três meses após a deflagração da Operação Panatenaico, a Polícia Federal concluiu o inquérito relativo ao superfaturamento, em R$ 559 milhões, das obras do Estádio Nacional Mané Garrincha. A corporação indiciou 21 pessoas pelos crimes de peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e fraude licitatória. Entre elas os ex-governadores Agnelo Queiroz (PT) e José Roberto Arruda (PR), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB). A PF ainda requisitou ao Ministério Público Federal (MPF) e à Justiça a reavaliação dos benefícios concedidos à construtora Andrade Gutierrez, graças ao acordo de leniência que deu início às investigações.

 

Em 350 páginas, a Polícia Federal descreve o resultado de perícias em notebooks, celulares e outros objetos colhidos durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão. Há, ainda, trechos de delações, estudos técnicos, laudos, notas fiscais e documentos entregues pela empreiteira que, segundo a corporação, comprovam a existência de um esquema fraudulento que superfaturou a construção da arena e desviou verbas. O material será encaminhado ao MPF, órgão responsável pelas denúncias à Justiça.

 

Além das delações de executivos da construtora Andrade Gutierrez, a apuração é embasada em informações da Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap). Em abril, policiais federais requisitaram à estatal, responsável pelos repasses financeiros para a empreitada, toda a documentação referente às obras do Mané Garrincha. Integrantes do governo local também entregaram aos investigadores o balanço final da Terracap, que apontou um rombo de R$ 1,3 bilhão com a construção do estádio.

 

Essas informações, divulgadas com exclusividade pelo Correio, ajudaram a decifrar detalhes das supostas fraudes e dos desvios de recursos na obra da arena mais cara da Copa do Mundo de 2014. Orçado, em 2010, em cerca de R$ 600 milhões, o empreendimento custou, no fim das contas, em 2014, R$ 1,575 bilhão, segundo cálculos da PF.

 

No acordo de leniência, contudo, a Andrade Gutierrez não reconheceu esse sobrepreço. Com base nisso, os agentes federais pediram a reavaliação do negócio. “Caso o superfaturamento total tivesse sido admitido, haveria, evidentemente, o compromisso legal de restituição dos valores pagos, o que não ocorreu”, menciona o relatório. Para a corporação, a característica descumpre cláusulas do documento assinado pela empreiteira e pelo MPF. Os benefícios concedidos graças às delações, então, deveriam ser reavaliados.

 

Apreensões

Segundo a PF, há comprovação de vínculo entre todos os investigados. Como exemplo, destaca o check-in realizado por Tadeu Filippelli e o suposto emissário de propina Afrânio Roberto em um voo entre Barcelona e Lisboa, em 7 e 8 de fevereiro deste ano. Teriam embarcado, ainda, a esposa do peemedebista, Ana Paula Fernandes, e Maria Teresa Souza.

 

A PF encontrou em um iPhone 5, apreendido na casa de Filippelli, os contatos de todos os alvos da Panatenaico. Outro material despertou a atenção dos agentes: uma sequência de três fotos de maços de dinheiro, com notas de R$ 50 e R$ 100. A corporação, contudo, ressaltou que “não é possível precisar o contexto das imagens”. Destacou-se, também, que “não havia mensagens via WhatsApp, indicando que houve preocupação em deletar eventuais registros”.

 

A Polícia Federal também identificou supostas planilhas de propina. As informações constam em um pendrive, recolhido na casa da ex-presidente da Terracap Maruska Lima. O arquivo vincula o nome “Pedro” a uma série de valores. A corporação destacou que o ex-executivo da Andrade Gutierrez Rodrigo Leite Vieira menciona, na delação, um interlocutor de recebimento de propina em nome da ex-gestora, também chamado Pedro.

 

Segundo o relatório, houve, ainda, a apreensão de dois cheques destinados ao ex-presidente da Novacap Nilson Martorelli e emitidos pelo ex-executivo da Andrade Gutierrez André Luiz Silvestre. A corporação anexou aos autos planilhas de referência, entregues pela empreiteira, com datas de criação e edição anteriores ao lançamento do edital, pela Novacap, para a reforma do Mané Garrincha.

 

Prisão 

Agnelo, Arruda, Tadeu Filippelli e Martorelli podem voltar à carceragem antes mesmo de uma eventual condenação. Consta no relatório final do inquérito da Polícia Federal que há um pedido de prisão preventiva em aberto na 10ª Vara Federal, como adiantou o Correio em junho. Nele, o MPF reiterou a requisição devido ao “alto risco de que, uma vez soltos, os referidos investigados venham a se evadir do país”, assim como a liberdade dos indiciados “poderia contribuir para a reconstituição da referida organização criminosa”.

 

As investigações apontaram os inúmeros formatos de concessões de valores indevidos aos ex-gestores — contratos de fachada, propina em dinheiro, doações eleitorais e compra de itens desconexos à construção. A equipe de policiais encontrou, entre as notas apresentadas pela Andrade Gutierrez nas chamadas “medições”, serviços de bufê para a comemoração do Dia das Mães de servidores da Novacap, aluguel de camarotes para o jogo que marcou a despedida de Neymar do Santos, em 2013, além de notas relativas à logística dos shows de Beyoncé e da banda Aerosmith.

 

 

Sob investigação

A Polícia Federal listou, nos autos, uma série de provas indiciárias relativas ao repasse de valores aos ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB). Os pagamentos atingem cifras milionárias. Confira alguns dos gastos:

 

 

Agnelo Queiroz

Pagamentos de despesas desvinculadas da obra R$ 2,5 milhões

Doação eleitoral ao PT R$ 300 mil

Doações à Paróquia São Pedro R$ 600 mil

Propina por intermédio de Jorge Luiz Salomão R$ 1,7 milhão

Valores ilegais por meio do Consórcio Brasília 2014 R$ 660 mil

Simulação de aquisição de produtos R$ 300 mil

Propina por meio de contrato de fachada R$ 935 mil

 

José Roberto Arruda

Propina em cash R$ 2 milhões

Propina por meio de contrato de fachada R$ 1,8 milhão

Doações à Paróquia São Pedro R$ 120 mil

 

Tadeu Filippelli

Propina R$ 20,4 milhões

Doação eleitoral ao PMDB R$ 10 milhões

Pagamentos de despesas desvinculadas da obra R$ 25 mil


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