Estudantes participam, no Centro de Ensino de Deficientes Visuais (CEEDV), da criação de obras de arte sensoriais baseadas em vivências urbanas.
Envolver pessoas cegas e com baixa visão na cocriação de obras de arte sensoriais baseadas em vivências urbanas. Este é o objetivo principal do projeto “Arte no Espaço Público x Arte como Espaço Público: Arte e Inclusão Social”, desenvolvido com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec-DF).
Idealizada pelo artista-pesquisador e sociólogo italiano Flávio Marzadro, a iniciativa convida os participantes a escolherem calçadas que os marcaram para que sejam traduzidas em arte. Os pontos serão registrados em moldes por meio de técnica de base siliconada, pintura e decalques. A previsão é que sejam criados 20 quadros, dos quais 15 serão selecionados para uma exposição sensorial no Espaço Cultural Renato Russo.
“O cego lida com uma realidade que muitos de nós tememos profundamente: a perda da visão. Isso dá medo, mas tem muito a nos ensinar. No projeto, o cego vira professor, dá aula sobre como enxerga o mundo, como vê a cidade. As mãos e os pés dele viram os olhos”, explica Marzadro. “Eles poderão indicar lugares significativos, seja por algo que aconteceu ali, como um beijo, um abraço do filho, o café preferido, o cappuccino. A partir disso, construiremos juntos as obras.”
Os encontros começaram nesta semana, no Centro de Ensino de Deficientes Visuais (CEEDV), na 612 Sul, com cerca de 20 estudantes. Também serão atendidas instituições de Planaltina e Sobradinho. As atividades consistem na experimentação de peças produzidas por Marzadro sobre outros lugares do mundo, como do chão de Veneza e do altar do Concílio de Trento, na Itália.
Os participantes também conhecem técnicas táteis e de texturização, além de terem contato com materiais como madeira, cerâmica, tecido, gesso e metais, representando diferentes superfícies e texturas urbanas. “No dia a dia nós sabemos como é, as ruas que andamos, mas tatear foi diferente e divertido”, conta a estudante Maristela Batista, 57 anos. Haverá, ainda, saídas de campo para registros em áudio e georreferenciamento dos caminhos indicados.
O estudante Adalberto Rodrigues, 40, também gostou da experiência. Ele contou que o contato com diferentes materiais o lembrou de quando acompanhava o pai no serviço como mestre de obra. “Achei o máximo tatear aquilo que pisamos no dia a dia. A gente pensa que é uma coisa e, na realidade, é outra completamente diferente”, comentou. “Eu e meu pai pegávamos peças de madeira, pedaços de taipa e de bigota, de ripa, de granito. São peças que conheço desde a adolescência.”
Para a ceramista e oficineira Geusa Joseph, a contribuição no processo artístico e, principalmente, a exposição em um dos principais centros culturais do DF fortalece a autoestima dos alunos. “Motiva eles a saírem de casa, participarem de outros workshops e oficinas que são propostos na cidade. E inclusão é isso, poder participar de várias coisas ao mesmo tempo - música, teatro, cinema e oficinas de arte”, comenta.
A acessibilidade da mostra será garantida por títulos em Braille, letras ampliadas, QR Codes com audiodescrição e paisagens sonoras de 20 minutos com os ruídos ambientes onde os moldes foram feitos. Dois quadros estarão disponíveis ao toque dos visitantes com ou sem deficiência visual. “Para entender o outro, é preciso se colocar no lugar do outro. Fechar os olhos, tocar o quadro e tentar sentir como é andar pela cidade sendo cego”, frisa o artista-pesquisador.
Nos anos de 2023 e 2024, Flávio e Geusa também promoveram o projeto “Borboletando – Arte Inclusiva, Arte do Amor” no CEEDV com apoio do FAC-DF. Mais de 250 pessoas, entre crianças e adolescentes com deficiência, contribuíram com a criação de uma escultura de três metros de altura com mil borboletas de cerâmica, que foi exposta Museu de Arte de Brasília (MAB).