Um arquivo com uma carta de Taiguara Rodrigues, “sobrinho” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para o tio é mais uma das provas usadas pela Polícia Federal para indicar como o petista atuava no exterior em favor do parente, desta vez na Arábia Saudita. Os dois e o empreiteiro Marcelo Odebrecht estão denunciados por esquema de corrupção em Angola na 10ª Vara Federal de Brasília, onde tramita a Operação Janus. Para o Ministério Público, Lula recebeu R$ 20 milhões, direta e indiretamente, de propinas a partir de contratos da construtora com a Exergia, um das firmas de Taiguara.
Na mensagem, datada de 11 de setembro de 2013, obtida a partir da apreensão de computador portátil do empresário, o sobrinho de Lula recorda-lhe de sua “última conversa” sobre possível ida à Arábia Saudita com o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, e o ex-secretário de coordenação governamental da cidade Tarcísio Secoli. “Parece que vocês conversaram e eles declinaram desta viagem neste momento”, diz Taiguara a Lula. “Eu estarei indo no dia 14/09 (sábado) para prospectar o mercado.” Os advogados do ex-presidente e de seu sobrinho optaram por não esclarecer o episódio ao Correio.
A assessoria da prefeitura de São Bernardo admite que Taiguara realmente conversou com Secoli sobre a viagem. “Taiguara conversou com Tarcísio Secoli sobre esta viagem que pretendia fazer à Arábia”, explica a assessoria. “Mas tanto Tarcísio quanto o prefeito Luiz Marinho nunca estiveram na Arábia Saudita. Destacamos que não temos, na prefeitura, nenhum fornecedor daquele país. Ressaltamos, ainda, que o prefeito Luiz Marinho nunca esteve com Taiguara.”
Para a PF, a mensagem mostra a ligação do empresário da Exergia com Lula e com Marinho. Como revelou o Correio em 19 de outubro, fornecedores da campanha do prefeito de São Bernardo em 2012 receberam dinheiro de Taiguara quando era subcontratado pela Odebrecht em Angola. A empreiteira foi beneficiada com financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Relatório da PF na Janus conclui que “essa proximidade” entre Taiguara e Marinho tem a mesma “relação lógica” da conclusão sobre uma troca de mensagens do empresário com uma pessoa identificada como Secoli. Em 2 de setembro de 2014, um ano depois da menção à Arábia Saudita, Taiguara manda mensagem para “Tarcísio SBC (São Bernardo do Campo)” dizendo que está no Instituto Lula, enquanto o tio está em “SBC”: “Espero que esteja sendo bem produtivo, estamos precisando…”. “Tal mensagem pode indicar a atuação de Lula em prol dos interesses do seu ‘sobrinho’”, concluem os delegados Fernanda Costa e Guilherme Siqueira.
Em 2009, ano em que foi criada a Exergia, o então presidente Lula foi à Arábia Saudita. “Eles estão pensando em construir três cidades novas: cidade tecnológica, cidade industrial, cidade de turismo, e o Brasil pode ser um grande parceiro exportador de serviços, exportador de engenharia”, declarou o petista em 25 de março daquele ano, quando voltou de uma viagem em que se encontrou com o rei Abdullah, hoje falecido. “Eu penso que a perspectiva de troca de comércio entre Brasil e Arábia Saudita vai aumentar e vai aumentar muito, sobretudo, na área de serviço.” A assessoria do advogado de Lula, Cristiano Zanin, diz que ele não comentaria o que foi tratado nas conversas mencionadas. O defensor de Taiguara, Roberto Podval, afirma que só se manifestará no processo quando for intimado pela 10ª Vara.
Novo inquéritos
Além do inquérito que Lula e Taiguara respondem sobre Angola, a Polícia Federal pediu ao juiz da 10ª Vara, Vallisney Oliveira, para abrir quatro relacionados à Operação Janus. No primeiro, o objetivo é apurar a atuação dos dois, da empreiteira Odebrecht, do diretor da Apex em Cuba, Hipólito Rocha Gaspar, e da Cooperativa Agroindustrial (Cooperja), em Jacinto Machado (SC), na venda de arroz para a Venezula no “Programa mais alimentos internacionais”.
Outra frente de investigação trata de “movimentações irregulares de valores vultosos e de origem suspeita” no Brasil e na atuação de Taiguara, do funcionário do Tribunal de Contas de Angola Hélder Beji e outros dois angolanos: Pedro Miguel de Barros e Joana da Fonseca Cordeiro dos Santos da Cruz. Um terceiro inquérito deve ampliar as apurações sobre a Exergia Brasil para esclarecer benefícios que teriam sido concedidos à filial de Portugal, que repassou R$ 699 mil para Taiguara e o quarto trata de transações financeiras “irregulares” da Exergia em favor de Tarcísio Secoli e, possivelmente, de Luiz Marinho nas eleições de 2012.