Depois de seis meses submetida a uma verdadeira campanha de humilhação pública e a duas semanas de trazer ao mundo Benjamin, seu primeiro filho, a deputada distrital Sandra Faraj tornou-se o fiel da balança na Câmara Legislativa. Com a rejeição acima dos 67% à gestão de Rodrigo Rollemberg fissurando a base aliada dia após dia, o voto dela tornou-se aquele que pode formar a maioria absoluta e decidir projetos importantes para um lado ou para outro.
Sandra saiu do processo disciplinar aberto para cassar-lhe o mandato fortalecida por ter sobrevivido a um tsunami. Foi acusada de tungar verba indenizatória, de demitir uma mulher grávida falsificando-lhe a assinatura, de cobrar dízimo dos servidores do gabinete e da Secretaria de Justiça, cujo secretário indicara. No início da onda de denúncias, em fevereiro passado, chegou-se mesmo a sussurrar de forma maledicente que a gravidez dela fora inventada, como forma de escapar das explicações que lhe eram exigidas.
Pastora evangélica, Sandra vem repetindo, sempre por intermédio de seus assessores, que é vítima de uma armação feita por funcionários que afastou do gabinete.
Um dos acusadores, Filipe Nogueira, é um desses. Demitido pela deputada em fevereiro passado, é também proprietário da empresa NetPub, a mesma que fechou contrato de R$ 174 mil para prestar serviços ao gabinete parlamentar. E que veio à público afirmar não ter recebido a paga. O problema é que a Câmara entregou R$ 174 mil à deputada, ressarcindo-a pelo pagamento à NetPub. Ou seja, a acusação é que Sandra pegou o dinheiro e botou no bolso, em vez de repassá-lo à fornecedora.
A NetPub entrou com uma ação de execução contra Sandra Faraj e a juíza responsável pelo processo chegou a decretar o bloqueio de bens para garantir o pagamento da dívida. Paradoxalmente, foi essa ação que serviu de luz para tirar a deputada da escuridão.
Filipe Nogueira havia assinado de próprio punho pelo menos dez notas fiscais emitidas pela NetPub atestando o recebimento do pagamento. E admitira isso em dois depoimentos, um na Corregedoria da Câmara, outro no Ministério Público. Ao entrar com a ação de execução de dívida, porém, ele “esqueceu” de anexar ao processo as notas fiscais que assinara como recibo.
Quem informou à juíza sobre a existência dessas notas foi a defesa da deputada. Assim como informou também que a NetPub encerrou o contrato em fevereiro de 2016, fez uma proposta comercial para continuar prestando serviço e foi descartada por cobrar caro demais. E que a “denúncia” da alegada dívida ficara inédita e desconhecida por mais de um ano. Só veio à tona quando o próprio Filipe foi demitido do gabinete.
E mais. Em setembro de 2016, o onipresente Filipe enviara um e-mail malcriado à empresa que sucedeu a NetPub informando já ter tomado todas as providências contratuais previstas para “passar o serviço”. Isto é, ele formalizou também de próprio punho, ou de próprio teclado, já que se trata de um e-mail, o fim do vínculo da NetPub com o gabinete.
Do ponto de vista de uma execução financeira, ou seja, da cobrança judicial de uma dívida, é muita coisa. Afinal, se estava levando calote havia mais de um ano, por que a NetPub fez uma proposta comercial para continuar no gabinete? Por que nunca cobrou juros e multas previstos no contrato no caso do atraso de pagamento? Por que jamais falou em calote, mesmo depois de ser trocada por outra fornecedora, em fevereiro de 2016? Por que demorou um ano para fazê-lo e só o fez depois que o sócio-oculto foi demitido — sim, oculto porque quem assina o contrato como dono da firma atende pelo nome de Leonardo, que ninguém sabe quem é.
Além disso, o próprio Filipe Nogueira está sob investigação da Polícia Federal, por ter sido nomeado ao mesmo tempo para um cargo na Câmara Legislativa e para outro na Câmara Federal — no gabinete do deputado Roberto de Lucena (PV-SP). Essa situação é um crime previsto em lei e perdurou por nove meses.
Ao saber disso tudo, a Justiça, de pronto, suspendeu o bloqueio dos bens da deputada pelo menos até o julgamento da ação, que está em fase final de alegações. E a história toda começou a ruir.
Esta mesma explicação, com os devidos documentos que a comprovam, foi formalizada na defesa entregue à Comissão de Ética da Câmara Legislativa — cuja missão era investigar a denúncia do suposto calote na NetPub, já que as demais acusações foram descartadas pela Mesa Diretora antes mesmo da instauração do processo por absoluta inexistência de indícios.
O relator do caso, deputado Agaciel Maia (PR), que perdeu a eleição para a presidência da Câmara com voto contra de Sandra, opinou pelo arquivamento do processo por absoluta inexistência de provas. Foi acompanhado por unanimidade pelo presidente da Comissão, Ricardo Vale (PT), e pelos demais membros — Raimundo Ribeiro (PPS), Wellington Luiz (PMDB) e Telma Rufino (PROS).
Na sessão em que o processo foi arquivado, Ricardo Vale fez um comentário interessante: “A Justiça diz que o ônus da prova é de quem acusa. Eu li e reli o processo de acusação, li a defesa da deputada e não consigo ver essa coisa concreta. Pelo contrário, a deputada acaba apresentando as notas, mostrando que fez o pagamento, enquanto o empresário da NetPub não consegue provar que não foi pago’, afirmou.
Sandra Faraj ainda terá de responder às acusações dos ex-funcionários na Justiça. Mas a fase mais difícil, o embate político, passou.
Aos oito meses de gravidez, a distrital já se licenciou para dar à luz Benjamin. Deverá ficar afastada os próximos 120 dias, que lhe são garantidos por lei. Neste período, o suplente não pode assumir — seria o Sargento Roosevelt, companheiro de partido do governador.
Com a aprovação de seu governo em ruínas, Rollemberg terá que equilibrar o tratamento dispensado aos deputados, tendo a ressuscitada Sandra Faraj como o 13º e decisivo voto para formar a maioria sobre qualquer matéria.
Sandra Faraj foi alvo de cobras e lagartos. Os lagartos foram engolidos por seis acusadores. As cascáveis, embora pisadas nas cabeças, sobreviveram e voltaram a rastejar em direção à Câmara Legislativa. Fazem barulho com seus chocalhos que prenunciam caos. Mas os alvos – deputados que em outras épocas foram vítimas de artimanhas dos próprios colegas -, avisados, providenciaram antídotos.
A guerra não acabou. A próxima batalha vai ferir de morte novos gestos draconianos. Nessa hora, é o que se prevê, a falsidade será combatida com rigor.