Michel Temer já foi o primeiro presidente da República denunciado por um crime comum. A habilidade do presidente para lidar com o Congresso Nacional conseguiu que a Câmara dos Deputados rejeitasse em agosto aquela denúncia. Mas o procurador-geral da República não abriu mão de seu intento de demonstrar o suposto envolvimento de Temer em graves crimes de corrupção. Antes de acabar o mandato, que vence no próximo domingo, Rodrigo Janot apresentou nesta quinta-feira outra denúncia, em que classifica o presidente como “líder de uma organização criminosa”. Na peça acusatória entregue ao Supremo Tribunal Federal, o procurador pede que o presidente seja julgado pelos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça.
A acusação se baseia em uma investigação da Polícia Federal que concluiu que Michel Temer liderava um esquema de recebimento de propina do qual participavam vários ex-deputados peemedebistas. Os valores movimentados chegaram aos 587 milhões de reais. Os recursos teriam sido desviados de operações com a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, Furnas, o Ministério da Integração Nacional e a Câmara dos Deputados.
O grupo funcionava desde o ano de 2006, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Temer é acusado de liderá-lo desde maio de 2016, mas tinha influência em anos anteriores, conforme citado por delatores da Odebrecht. A acusação só é possível neste momento porque, conforme os delatores Joesley Batista (sócio da empresa de alimentos JBS) e Lúcio Funaro (doleiro e operador do PMDB), o presidente teria tentado obstruir a Justiça ao concordar com a “compra do silêncio” de alguns dos envolvidos. E esse crime teria ocorrido já enquanto Temer estava no atual mandato. Um presidente só pode responder a delitos cometidos durante a sua gestão. Os anteriores a ela, só seriam julgados depois que ele deixar a presidência.
O grupo denunciado juntamente com Temer ficou conhecido como o “quadrilhão do PMDB” e envolve figuras que estão presas, como os ex-deputados Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima; ministros, como Moreira Franco e Eliseu Padilha; lobistas e ex-servidores comissionados, como Fábio Cleto, e Lúcio Funaro. Em nota, o PMDB lamentou a acusação de Janot e disse que ela foi um ato de irresponsabilidade. "Toda a sociedade tem acompanhado os atos nada republicanos das montagens dessas delações. A justiça e sociedade saberão identificar as reais motivações do procurador", diz o documento.
A acusação chega três dias antes do fim do mandato de Janot na Procuradoria-Geral da República. Desde meados de junho, já se esperava que o procurador apresentasse uma segunda denúncia contra Temer. A primeira, pelo crime de corrupção passiva, foi arquivada pela Câmara. Esta acusação de agora, apesar de ser mais robusta que a primeira, deverá ter o mesmo fim. Para que um presidente seja julgado por um crime comum pelo STF é necessário que 342 dos 513 deputados autorizem esse julgamento. Apesar de reduzida em relação ao início de seu mandato, em abril de 2016, a base de Temer é maior do que os 172 votos precisos para barrar uma investigação.
Em um evento em Xambioá, no Tocantins, Temer evitou os jornalistas, que o indagaram sobre a iminente denúncia que seria apresentada por Janot. No seu discurso, ele apenas criticou o abuso de autoridade, sem nominar quem poderia estar cometendo tal delito. "Quando alguém ultrapassa o limite da lei, daí é que há violação da autoridade, uma coisa que devemos evitar no Brasil", afirmou o presidente, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Mais tarde, em nota, ele afirmou que Janot tenta encobrir suas próprias falhas, ignora a fragilidade das delações da que embasam a denúncia e diz que ela é cheia de absurdos.
"Ao não cumprir com obrigações mínimas de cuidado e zelo em seu trabalho, por incompetência ou incúria, [Janot] coloca em risco o instituto da delação premiada. Ao aceitar depoimentos falsos e mentirosos, instituiu a delação fraudada. Nela, o crime compensa. Embustes, ardis e falcatruas passaram a ser a regra para que se roube a tranquilidade institucional do país", diz um trecho da nota do presidente.
Na peça acusatória, o procurador-geral afirma ainda que políticos do PT e do PP também faziam parte da quadrilha. Eles, no entanto, foram denunciados em outras ocasiões. "Não havia entre os integrantes do PMDB, do PP e do PT uma relação de subordinação e hierarquia, a relação mantida era de aderência de interesses comuns, marcada por uma certa autonomia. Porém, houve por parte dos integrantes do PT um papel mais relevante na organização no período de 2002 ao início de 2016, em razão da concentração de poderes no Chefe do Poder Executivo Federal", afirmou o procurador.
Entre os documentos apresentados por Janot estão uma série de planilhas e comprovantes de depósitos entregues por delatores da Odebrecht que tinham como destinatários, principalmente, os investigados Temer, Alves e Cunha. Os pagamentos ocorreram entre os anos de 2010 e 2012 e foram feitos para que a Petrobras mantivesse contratos com a empreiteira.
Na mesma denúncia de obstrução à Justiça, também foram acusados um dos sócios da JBS, Joesley Batista, e um ex-executivo da empresa, Ricardo Saud. Janot pediu que os casos dele sejam enviados à primeira instância judicial, já que nem um deles têm a prerrogativa de foro especial junto a tribunais superiores.
Como punição, Janot pede que os envolvidos percam seus cargos públicos ou mandatos eletivos, cumpram penas que variam de três a oito anos de prisão e devolvam aos cofres públicos o valor de 642 milhões de reais, sendo 55 milhões a título de multa e 587 como devolução do valor recebido como suposta propina. No caso de Temer, o procurador pede que sua pena seja aumentada em até dois terços, porque era considerado o líder do grupo criminoso.
Adiamento no STF
A denúncia de Janot ocorre mesmo após o Supremo Tribunal Federal adiar uma decisão que pode ser crucial para as investigações contra Temer. Na quarta-feira, os ministros começaram o julgamento da validade das provas trazidas pelos delatores da JBS. Mas não a concluíram. Nenhum dos 11 ministros da Corte havia votado quando os trabalhos foram suspensos. Até por essa razão, a denúncia ainda não será enviada à Câmara, só será quando esse julgamento for concluído, conforme decisão do relator do processo, o ministro Edson Fachin.
A tendência, contudo, é que as provas sejam mantidas válidas. E os benefícios dados no acordo de colaboração dos irmãos Joesley e Wesley Batista (ambos sócios da J&F, a controladora da JBS), e dos ex-executivos Ricardo Saud e Francisco de Assis, sejam cancelados, conforme já solicitado pelo Ministério Público. Pelo acordo, esses investigados estariam imunes à possíveis punições investigadas por ao menos cinco operações da Polícia Federal.
O benefício começou a desmoronar quando um arquivo de áudio com um diálogo entre Joesley e Saud foi entregue ao Ministério Público Federal. Nele, os dois delatores traçavam estratégias para se livrar da prisão, revelavam que foram orientados a grampear o presidente Temer além do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Com relação a Cardozo, o objetivo era que ele pudesse envolver algum ministro do STF.
"Denúncia é recheada de absurdos", diz Temer
Eis a íntegra da nota enviada pelo Palácio do Planalto:
O procurador-geral da República continua sua marcha irresponsável para encobrir suas próprias falhas. Ignora deliberadamente as graves suspeitas que fragilizam as delações sobre as quais se baseou para formular a segunda denúncia contra o presidente da República, Michel Temer. Finge não ver os problemas de falta de credibilidade de testemunhas, a ausência de nexo entre as narrativas e as incoerências produzidas pela própria investigação, apressada e açodada.
Ao fazer esse movimento, tenta criar fatos para encobrir a necessidade urgente de investigação sobre pessoas que integraram sua equipe e em relação às quais há indícios consistentes de terem direcionado delações e, portanto, as investigações. Ao não cumprir com obrigações mínimas de cuidado e zelo em seu trabalho, por incompetência ou incúria, coloca em risco o instituto da delação premiada. Ao aceitar depoimentos falsos e mentirosos, instituiu a delação fraudada. Nela, o crime compensa. Embustes, ardis e falcatruas passaram a ser a regra para que se roube a tranquilidade institucional do país.
A segunda denúncia é recheada de absurdos. Fala de pagamentos em contas no exterior ao presidente sem demonstrar a existência de conta do presidente em outro país. Transforma contribuição lícita de campanha em ilícita, mistura fatos e confunde para tentar ganhar ares de verdade. É realismo fantástico em estado puro.
O presidente tem certeza de que, ao final de todo esse processo, prevalecerá a verdade e, não mais, versões, fantasias e ilações. O governo poderá então se dedicar ainda mais a enfrentar os problemas reais do Brasil.
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República