30/09/2017 às 10h01min - Atualizada em 30/09/2017 às 10h01min

Antonio Palocci: Assinado: o ex-companheiro

Em uma carta, o ex-ministro pediu para sair do PT. Não aguentou a desfaçatez dos correligionários que agora cobram dele retidão ética e moral.

Revista Época

O remetente: Antonio Palocci Filho, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, ex-BFF de Luiz Inácio Lula da Silva. O destinatário: Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, aos cuidados de sua presidente, a senadora Gleisi Hoffmann. No cabeçalho: Curitiba, 26 de setembro de 2017. Palocci veio por meio desta se desligar do partido que fundou em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O ex-ministro escreveu a carta em que pede sua desfiliação do PT no exato dia em que completava um ano preso. Recorreu à cursiva. Entregou um manuscrito a sua equipe de advogados, que se debateu para traduzir a letra de médico do ex-ministro. No fim, a equipe optou por divulgar a missiva na frieza de letras digitadas. Palocci esquematizou em sete itens o que tinha a dizer em sua defesa e em outros três suas conclusões. Escancarou erros do partido, maquiou de patriotismo suas razões para dizer a verdade à Justiça e, pecado-mor, desafiou o magnânimo guia petista e a “seita” criada por ele. Finalizou com um gélido “Saudações cordiais”, como é de sua personalidade. Com caneta azul, Palocci inscreveu sua assinatura curva na versão digitalizada dos advogados. Estava selada a separação daquele que foi um dos homens mais poderosos da República e do partido que ele ajudou, lícita e ilicitamente, a robustecer.

 

Antes que o PT rompesse com ele, Palocci decidiu romper com o PT. A briga começara 20 dias antes, quando Palocci se sentou diante do juiz Sergio Moro e desatou a contar parte do que conhece do maquinário petista. Narrou o “pacto de sangue” de Lula com a família Odebrecht: o ex-presidente trabalhava para dar à empreiteira contratos bilionários no Brasil e no exterior e, em troca, recebia rios de dinheiro para as campanhas petistas e em propina disfarçada de imóveis e de contratação de palestras. O depoimento foi o adultério de Palocci. O PT partiu para o litígio. O diretório em Ribeirão Preto abriu um processo na Comissão de Ética para expulsar Palocci. O diretório nacional determinou sua suspensão por 60 dias. Lula desancava o ex-companheiro nas internas. Enquanto era xingado apenas por Lula, Palocci aguentou calado. Ele perdeu a paciência mesmo quando soube que o PT iniciara seu processo de expulsão. Justo o PT, para o qual ele conseguiu tanto dinheiro. Esse PT, justo o PT, que deve a ele grande parte do sucesso do primeiro governo Lula, decidira expulsar Palocci por (falso) moralismo. Era demais.

 

Mas a coisa só desandou na cartinha porque o processo de expulsão veio do PT sob a direção da senadora Gleisi Hoffmann, uma das pessoas que Palocci mais despreza. Gleisi sucedeu a Palocci na Casa Civil da então presidente Dilma Rousseff, em junho de 2011. Acusado de enriquecimento ilícito por prestar consultorias enquanto era deputado federal (seu patrimônio no período cresceu 20 vezes), Palocci deixou o cargo sem resistência de Dilma. Foi a primeira vez que o ex-presidente Lula se enfureceu com a pupila. O líder esperava que Dilma protegesse Palocci, escolhido para vigiá-la ainda durante a campanha eleitoral. Gleisi estava prontinha para assumir a Pasta – Palocci acha que ela conspirou por sua queda. No Congresso, os petistas ficaram desaforados: “O cara ficou esse tempo todo juntando dinheiro para si mesmo e nós com tudo isso de dívida de campanha?”. “Vocês sabem que procurei ajudar no projeto do PT e do presidente Lula em todos os momentos”, diz Palocci na carta. Sim, o PT sabe. Por anos, Palocci foi o caminho ao dinheiro nos momentos difíceis. “Quando a coisa aperta, você liga para o Palocci. Ele dá uns telefonemas e os caras ajudam”, dizia Edinho Silva, ex-tesoureiro da campanha de Dilma em 2010, ex-­ministro dela, hoje prefeito de Araraquara, interior de São Paulo, ele também enrolado na Lava Jato. Entende-se a indignação do ex-ministro ao ser pressionado agora sobre sua conduta ética e moral. 

 

Logo no começo da missiva, Palocci diz que até entenderia se o partido o questionasse sobre os crimes que ele cometeu. “Mas nada recebi sobre isso”, diz o ex-ministro. O que o partido questiona são as declarações dele ao juiz Moro sobre Lula e o que elas podem causar na já desbotada imagem do líder supremo. Palocci enverniza sua repentina afeição pela verdade, dizendo que quer ajudar a “acelerar o processo em curso de apuração de ilegalidades” e de reformas na “legislação partidária-eleitoral” e sugere o mesmo caminho para o PT. Cascata. Palocci quer delatar. Ao contrário do fiel e silente José Dirceu, com quem nunca se deu bem e evitou cruzar na carceragem, Palocci decidiu romper o silêncio obsequioso petista. As conversas com a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba progridem e a equipe da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, está tomando pé do conteúdo do acordo. Palocci depôs a Moro no processo que apura o pagamento de R$ 12 milhões de propina da Odebrecht para Lula pela compra de um apartamento em São Bernardo do Campo, em São Paulo, e de um terreno onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula. Talvez alheio ao fato de que, na mesma tarde em que publicara sua carta, a defesa de Lula apresentara à Justiça recibos do aluguel do tal apartamento de São Bernardo com datas inexistentes, como 31 de junho e 31 de novembro, Palocci embrulhava o ex-­companheiro em mais um imbróglio de papel. Está certo que o autor dos recibos, Glaucos Costamarques, disse que assinou a papelada de uma vez e que nunca recebeu um tostão. Mas, justo no dia em que a defesa de Lula achava que tinha criado um fato positivo, Palocci estragou tudo. 

 

A coisa desandou em uma carta porque o processo de expulsão veio do PT comandado por Gleisi Hoffmann

 

Palocci é bom em cartas. Na primeira que ajudou a elaborar, a Carta aos Brasileiros, apresentou a versão paz e amor de Lula ao mercado financeiro, em 2002. Agora, Palocci diz que tudo que relatou sobre Lula a Moro é verdadeiro. “São situações que presenciei, acompanhei ou coordenei.” Palocci diz que um dia o próprio ex-presidente vai confirmar tudo, como fez com o mensalão. Palocci conta como assistiu ao “cara” sucumbir ao que a política tem de pior no melhor momento de seus governos, quando nadava no dinheiro do pré-sal. “(Lula) dissociou-se definitivamente do menino retirante para navegar no terreno pantanoso do sucesso sem crítica, do ‘tudo pode’, do poder sem limites. (...) Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem-cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa história.” São palavras dilacerantes. É um retrato íntimo da corrosão moral de Lula e do PT. Mas Palocci não estava saciado. Ele pergunta, ainda se incluindo num plural coletivo, até quando “vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’”. “Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?” Palocci ousou questionar a magnificência de Lula. Sua permanência no pedestal petista. E isso Lula e o PT não aceitam. “A forma desrespeitosa e caluniosa como se refere ao ex-presidente Lula demonstra sua fraqueza de caráter e o desespero de agradar a seus inquisidores”, reagiu Gleisi, em nota. O pedido de desfiliação com que Palocci fecha a carta foi prontamente aceito. “Chegou a hora da verdade para nós. De minha parte, já virei essa página. Ao chegar ao porto onde decidi chegar, queimei meus navios. Não há volta”, encerra Palocci. É o fim de Palocci como homem do PT. O PT tem mais a perder que ele.


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