Ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, lançou uma enquete polêmica em sua conta no Twitter sobre intervenção militar e ficou 'perplexo' com o resultado - 49% disseram 'sim' à volta dos tanques nas ruas.
“O pessoal está com a faca nos dentes”, avalia o ministro, desde 2008 na Corte superior.
“Vamos construir o país sem a faca entre os dentes’, prega.
O ministro propõe ‘o debate lúcido e pacífico na busca da construção de consensos’.
“É o único caminho para que experiências sombrias não se repitam.”
Em 24 horas o Twiter do ministro foi visualizado 598.700 vezes.
“Para quem não é dado a esse tipo postura, um juiz, é algo inesperado. É um grande case para mim, um grande ensinamento.”
O magistrado diz que é a favor da democracia fortalecida. Em entrevista ao Estadão, ele disse que apenas usou a mídia social para promover a consulta, ‘sem querer induzir ninguém’.
“O que acontece é que tenho o Twitter como um mecanismo de ausculta para sentir a sociedade. O que se reclama, há muito tempo, e até hoje, é que o Judiciário não fazia interlocução com a sociedade. Uma das maiores críticas que se faz ao Judiciário, a famosa caixa preta”, pondera Og.
“Minha origem profissional é jornalista. Isso me permitiu, digamos, ter um olhar sobre a vida, sobre o que acontece no País. Fui jornalista em meu EStado (Pernambuco) a partir de 1973. Não peguei censura interna no jornal, mas peguei uma época que às seis horas da tarde, fechando o jornal, chegava o censor da Polícia Federal, entregava uma folha papel datilografada sem assinatura, chamava o editor do jornal na portaria da redação, e estava lá naquela folha datilografada: ‘é proibido falar sobre tal assunto’. Isso eu peguei.”
“Convivi com isso, sem participar porque nunca fui uma pessoa de ligações políticas ou coisa que o valha.”
“Convivi com a realidade da censura. Eu acho que a liberdade de expressão é um grande elemento a ser preservado pela democracia. Desde 1988 estamos vivendo isso. Atravessamos o maior período democrático da nossa história.”
O ministro fala o que o motivou à consulta sobre intervenção militar. Segundo ele, um site de notícias, o R7 da Record, publicou uma pesquisa indicando ‘exatamente aquela informação’. Um total de 43% dos brasileiros queriam a intervenção militar.
“Simplesmente não acreditei. Assim, resolvi usar o meu Twitter. Pensei, deixa eu verificar se esses dados correspondem ao pensamento daqueles que me seguem. Tenho um público entre 20 e poucos anos até 45 anos de idade, classe média, gente que se formou em Direito. Coloquei a pergunta sem interesse político, mas com interesse de checar aqueles dados. E, desde o início, percebi que as informações são mais ou menos compatíveis com aquilo.”
“O que eu acho que o Brasil tem que fazer? Isso não é trabalho para juiz, nosso trabalho é cumprir a lei. Mas acho que as pessoas que fazem política no Brasil estão convocadas a um reforço do trabalho na ideia de que nós precisamos mostrar os ganhos que tivemos com a democracia. Tivemos muitas perdas, um período trágico no país, mas ganhamos muita coisa com a democracia, com o reconhecimento internacional.”
O magistrado sofreu críticas nas redes sociais por sua iniciativa. “Liberdade de expressão não é só da imprensa. Aí verifiquei como estamos ainda num país sectário. Porque tivemos algumas críticas que foram absolutamente inapropriadas para o país que busca a civilização.”
“Há, ainda, uma polarização no país. Como se estivéssemos num instante de guerra civil, e não pode ser. Você tem suas ideias, eu tenho as minhas, e é preciso que eu seja tolerante com as suas ideias. Você torce pelo Flamengo, eu pelo Fluminense, não posso ir para a rua jogar pau nos outros. A sociedade está doente.”
“Recebi algumas críticas, na linha do ‘como um ministro põe esse sistema para discutir na internet?’ Ora, na minha atividade eu garanto liberdade expressão de todo mundo. Eu não posso ter a liberdade de expressão para ouvir a opinião daqueles que me seguem no Twitter? Há uma contradição. Ou, então, outra interpretação: não se pode falar nisso que é um tabu. Ora, uma proibição inconsciente de certos temas, como se na Alemanha nazista.”
“O casamento homossexual era um tabu, precisou o Supremo Tribunal Federal e os tribunais decidirem o tema para isso ser tratado naturalmente. A liberdade de expressão na marcha da maconha foi assim também. O Supremo veio e decidiu e trouxe paz social. Esse tema específico (intervenção militar) não é um tema do Judicoiário, é um tema da sociedade.”
“O que penso, a partir dos dados, em relação à sociedade é que é preciso que as pessoas conversem e as lideranças políticas conversem e convençam da necessidade de reforçar o país democrático, o ganho que a democracia nos trouxe. Na Turquia, na Espanha, o povo briga. Um militar de alta patente, nosso, disse que as pessoas deviam manifestar sua insatisfação na rua. Mas essa parece não ser uma característica do brasileiro.”
“Estou a dizer: você não tem sinais exteriores do nível de polarização política que só a rede social permite você saber. O dado fundamental mais evidente é a manifestação pública, outro tipo de postura, e aí as aparências enganam. Há, sim, uma preocupação muito grande no sentido de que a população seja convencida dos benefícios do usufruto da Constituição de 1988. O resultado (da pesquisa em seu Twitter) foi pior que o do R7. Meus seguidores não são apenas pessoas formadas em Direito, são também pessoas da classe média, que têm curso superior, e outras não. Mas não são pessoas desinformadas.”
“O pessoal está com a faca nos dentes. É o que a gente percebe. Há uma ponderação muito próxima daqueles que não querem mudança e outros, quase similares, que estão revoltados. Vou tentar apurar o perfil dessas pessoas, não vou brigar com fatos. A gente não pode brigar com fatos. Um case até para cientistas sociais.”
“Não posso encarar isso como um tabu. Ah, não vamos falar porque se falar atrai. É um tema proibido? Isso é pura ideologia ao meu ver. A crítica que se faz por ter tocado no tema recebo com humildade, mas não posso entender que esse tema tenha que ser colocado debaixo do tapete. Mas também não é pauta da vida. O País tem coisas mais importantes para fazer.”
O grande protagonista na área judicial é o Supremo, sempre foi e sempre será, com os temas de absoluta relevância para o país.”
O sr. é contra a volta dos militares?
“No Twitter eu disse que sou favorável à democracia. Vivi, experimentei esse tipo de situação. Os militares mesmo dizem não querer voltar. Eu calculava que dez por cento dos brasileiros estivessem querendo uma intervenção militar. Fiquei perplexo com o resultado da enquete que fiz pelo meu Twitter. Mas quando os próprios militares dizem não querer exercer esse papel não será um civil de pouca visão política que será o protegonista e defensor de uma bandeira dessas. Não digo isso da boca para fora.”
“Eu não quero ser protagonista de algum tipo de manifestação. Eu sou juiz. E como juiz me interessa saber como é que a sociedade pensa a respeito de temas da atualidade.”
“A mídia social nos ajuda muito, se bem utilizada, evidentemente. Eu não vou deixar de auscultar o cidadão que, afinal de contas, é que me paga. Eu vou fazer o que a lei determina, mas eu quero ter o ponto de equilibrio que a sociedade cobra dos seus servidores. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.”
“Não aceito a crítica anárquica, mas aceito com gosto as observações feitas de uma forma adequada, racional, eu não sou o dono da verdade. Não traduzo na enquete nenhum posicionamento. A consulta é neutra, faz uma pergunta, e dá a resposta sim ou não. Nem estou a induzir ninguém a tomar qual atitude.”