Se a Câmara Legislativa do Distrito Federal fosse uma padaria, poderia oferecer aos seus fregueses um leque de produtos estranhos. Muitos dos 24 empregados que tomam conta daquele forno estão sempre criando receitas indigestas. A última foi da Bancada Evangélica, liderada pelo deputado Rodrigo Delmasso, que distribuiu nota condenando a iniciativa da Secretaria de Cultura de instituir uma política de fomento à cultura LGBTI, sigla que representa lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais.
Os abrangidos pela sigla têm orientação sexual própria, mas também fazem parte da sociedade. Votam, geram riquezas, contribuem intelectualmente, estabelecem famílias. A indignação ao pedido de Delmasso de revogação imediata da Portaria que abre a possibilidade de instalação de política pública dirigida ao segmento, repercutiu em todos os setores.
O argumento do deputado é o de que o instrumento editado “fere diretamente o direito das famílias brasilienses”.
Vamos lá: fere diretamente e exatamente o quê? As minorias devem ser protegidas pelo Estado, o que inclui, curiosamente, os evangélicos. Ou o nobre parlamentar acha que o Universo é formado por evangélicos e que só existe a sua verdade? Pretensioso e arrogante, um trecho da nota assinada por Delmasso faz referência ao “direito das famílias brasilienses”.
Ainda que o deputado seja representante do bloco da cura gay, outra aberração, a sua nota de repúdio é ilegítima e cheira homofóbica.
Delmasso tem todo o direito de expressar a sua opinião pessoal, garantida pela Constituição, mas não de usar um cargo público eletivo em nome da BECLDF (traduzindo: Bancada Evangélica da Câmara Legislativa do Distrito Federal), outro segmento inventado por ele, cuja dimensão é menor do que o bloco que ele persegue.
O direito das famílias é oposto ao que afirma o parlamentar: todos os brasilienses têm direitos, sim. O de organizar e defender seus pares, assim como pretende a BECLDF com sua catequese.
Participante da bancada, a deputada Sandra Faraj provocou o Ministério Público do Trabalho e a sua administração no Lago Norte foi obrigada a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, com o compromisso de não permitir, não tolerar e não submeter os servidores daquela RA a situações de assédio moral e… religioso! A multa pelo descumprimento é de R$ 50 mil por servidor, caso atingido por conduta lesiva.
A sorte é que entre os padeiros, muitos não gostaram nada da fornada de Delmasso e prontamente saíram em defesa da Secretaria de Cultura e dos eleitores que integram o segmento LGBTI.
Em um estabelecimento que é da sociedade, mantido por ela, é bom que as prateleiras estejam repletas de receitas, ainda que antagônicas ou de gosto duvidoso. O que ninguém quer ver servida é a sistemática perseguição de minorias. Muito menos por quem tem o dever de defender toda a sociedade e não um bloco nanico com meia dúzia de preconceituosos.
Qualquer cidadão decente será contra a perseguição de evangélicos, ainda que não comungue com a sua pregação, mesmo quando intolerante e infundada. E chata.
Rodrigo Delmasso leva a sério a denominação de seu partido político, o Podemos. Mas deveria ter mais cuidado e não ser literal com a sua legenda. Afinal, podemos muito, mas não tudo. E se na compreensão dele a guerra de minorias é legítima, evangélicos versus LGBTI, por exemplo, então tá. Mas não deve ignorar um mandamento fundamental à democracia e aos direitos individuais. A nota de repúdio que assinou “fere diretamente o direito das famílias brasilienses”!
O líder da bancada evangélica distrital tem virtudes, é o que se supõe. Mas seus defeitos, essa é uma verdade, são muitos. A começar por quem cuida da imagem dele, a ponto de permitir que o deputado abuse da verborragia, quem sabe imaginando que, por ser uma palavra diferente, cause impacto positivo.
Mas Delmasso está enganado. E abusa com o uso excessivo de palavras para expressar algo sem importância ou sem conteúdo. No fundo – seus atos e gestos são o maior exemplo –, o deputado usa frases desprovidas de sentido ou mesmo sem qualquer importância para expressar poucas ideias – muitas delas, como agora, de caráter supostamente homofóbico.
A permanecer assim, Delmasso vai continuar comendo o pão que o Diabo amassou.