O resultado da votação nesta terça-feira, com 44 votos a favor e apenas 26 contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG), apanhado em fragrante de crimes de corrupção e obstrução à Justiça, demonstra que a Operação Abafa, criada para inviabilizar a Lava Jato, está cada vez mais forte e age com total desenvoltura. Desta vez, para eliminar a possibilidade de ser confirmada pelo plenário a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que determinara do afastamento de Aécio e seu recolhimento noturno, a Mesa do Senado teve a desfaçatez de adulterar o sentido de dispositivos da Constituição Federal, num audacioso estratagema destinado a manter a todo custo o mandato do parlamentar tucano.
Na abertura da sessão desta terça-feira, ao anunciar o mecanismo de votação a ser adotado, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), surpreendentemente mudou a interpretação do parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição, num ato de extrema ousadia.
INCONSTITUCIONAL – O dispositivo constitucional é claro e prevê maioria absoluta (número mínimo de 41 votos) para que seja derrubada qualquer decisão do Supremo que determine prisão de parlamentar. A partir da interpretação da Mesa, que sequer foi submetida ao plenário, desrespeitando o Regimento do Senado, passou a ser exigida maioria absoluta também para afastar ou manter a decisão do Supremo que afastou Aécio do Senado e lhe impôs recolhimento domiciliar noturno.
Esta audaciosa manobra da Mesa do Senado é absolutamente inconstitucional, porque se baseou no parágrafo 2º do artigo 53. Este dispositivo estabelece que “os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.
Ou seja, a dubiedade do parágrafo 2º somente pode ser aplicada em caso de pedido de prisão. E todos sabem que o Supremo, através da Primeira Turma, em nenhum momento determinou a prisão de Aécio Neves. Pelo contrário, ordenou apenas seu afastamento do mandato de senador e o recolhimento noturno, com a ressalva que não se tratava de prisão, mas de medida cautelar prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal.
PASSE DE MÁGICA – No afã de salvar o mandato de um parlamentar corrupto, que formou uma quadrilha com a participação da irmã Andrea Neves e do primo Frederico Mendonça, aquele que “a gente mata antes de fazer delação”, a Mesa do Senado não teve dúvidas de adulterar a lei.
No caso de Aécio, como não se tratava de prisão, obrigatoriamente teria de se aplicado o parágrafo 3º do artigo 53: “Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação“.
Fica claro que a maioria absoluta seria exigida para sustar a decisão do Supremo, e não para também aprovar, como estabeleceu inconstitucionalmente a Mesa do Senado.
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P.S. – Esta decisão da Mesa do Senado não causa surpresa. Na esculhambação institucional em que o país vive, tudo é permitido, especialmente depois que o jurista Ricardo Lewandowski, na presidência do Supremo, inventou a cassação de mandato sem suspensão dos direitos políticos, e nenhum ministro do Supremo se levantou contra essa boçalidade jurídica. Depois deste episódio teratológico e escatológico, como se diz no linguajar jurídico, nada pode nos surpreender. (C.N.)