A simbiose entre autoridades públicas e os grandes nomes do jogo do bicho, do tráfico é algo antigo, ressalta Romano. “Sempre foi comum ver os donos de negócios escusos nos palanques tentando eleger candidatos. Aí entra a velha tradição brasileira de trocar favor. Como eu, você e todos os brasileiros vimos ultimamente, essa tradição continua funcionando com força total”, acrescentou.
No meio do embate sobre a eficácia da polícia carioca, um triste incidente aconteceu ontem: o menino de 3 anos que foi atingido, na última quarta-feira, por uma bala perdida enquanto brincava no sofá de casa teve a morte cerebral declarada. Um dia antes, o policial Rafael Santa Ana Corrêa foi assassinato em uma drogaria. O cabo foi o 114º integrante da Polícia do Rio de Janeiro morto em 2017.
Silêncio
O poder carioca resolveu contra-atacar e processará o ministro da Justiça, Torquato Jardim. Do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão aos comandantes da Polícia Militar, todos questionam as declarações dadas por Torquato de que a cúpula da PM está controlada pelo crime organizado. Questionado, o presidente Michel Temer preferiu não se envolver na polêmica para não dar mais espaço à crise.
O silêncio que permeia o Planalto também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar a interpelação proposta por Pezão. Para o ministro Marco Aurélio Mello, é necessário aguardar os desdobramentos antes de qualquer declaração. “Não posso comentar esse caso porque um de nós (ministros) pode acabar sendo relator”, disse. O Correio também entrou em contato com Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que preferiram não se manifestar sobre o assunto.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), no entanto, rompeu a falta de expressividade dos poderosos e disse que “todo mundo que mora no Rio de Janeiro sabe que as palavras do ministro são verdade”. Outros integrantes do parlamento que concordam com Torquato dizem que, embora ele esteja certo, foi imprudente e exagerado.
Estado em deterioração
Entre as unidades da federação, o Rio de Janeiro é, talvez, a que mais personifica a escancarada crise ética, moral e econômica que assola o país.
Entenda os principais atores e fatos que o levaram à atual situação:
Corrupção
Desvio de recursos públicos, recebimento de propina, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa são alguns dos delitos pelos quais representantes públicos do Rio foram condenados ou acusados.
» Anthony Garotinho: o ex-governador foi condenado a 9 anos e 11 meses de prisão por corrupção eleitoral, associação criminosa, supressão de documento público e coação. A avaliação da
Justiça é de que ele comprou votos para a mulher, Rosinha Garotinha, ser reeleita à prefeitura fluminense, em 2016. Ele chegou a ser detido, mas, por decisão do STJ, aguarda julgamento de recurso em liberdade.
» Sérgio Cabral Filho: o ex-governador foi condenado a 45 anos e 2 meses de prisão, considerado como o “grande líder da organização criminosa” que possibilitou o desvio de milhões dos cofres públicos do estado. Cabral está preso desde novembro do ano passado no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu. Ex-diretores da construtora Odebrecht apontam pagamentos de R$ 94 milhões a ele, que também é suspeito de ter recebido propina durante as Olimpíadas e de ter comprado votos para escolher o Rio como a sede do evento. Uma família ligada a ele foi presa por desvio de recursos da merenda escolar.
» Eduardo Cunha: o ex-presidente da Câmara dos Deputados e um dos mais influentes políticos
do Rio de Janeiro foi condenado a 15 anos e 4 meses de prisão por corrupção passiva devido a solicitação e recebimento de vantagem indevida no contrato de exploração de petróleo em Benin, na África. Cunha está detido em Curitiba desde outubro do ano passado.
» Luiz Fernando Pezão: o atual governador do Rio é acusado de recebimento de propina da Odebrecht nas eleições de 2014. Ex-presidente da construtora Odebrecht afirma que teria
pagado, via caixa 2, R$ 20,3 milhões na campanha eleitoral.
» Jorge Picciani e conselheiros do TCE: cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro foram presos por suspeita de recebimento de propina de 1% sobre valores de contratos de empreiteiras. As investigações apontam que eles recebiam dinheiro para fazer vista grossa e aprovar obras, como a do Maracanã e a da linha 4 do metrô. O presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, foi alvo de condução coercitiva para prestar depoimento após ter o nome citado em acordo de delação por um ex-conselheiro.
Economia
A crise que estourou em 2015 só escancarou o desequilíbrio das contas públicas do Rio. Antes disso, o governo já vinha elevando muito os gastos públicos, inclusive com servidores, ancorado na valorização do barril de petróleo no mercado externo. Uma lei de 2003 previa o pagamento de aposentadorias com uso dos royalties, mas o arrefecimento da atividade econômica e a queda do preço do barril provocaram queda nas receitas, enquanto os gastos se mantiveram em crescimento, principalmente o da Previdência.
Segurança pública, saúde, educação
O orçamento comprometido pela crise econômica provocou um efeito cascata altamente danoso e negativo sobre os serviços públicos. Policiais passaram a ter menos incentivos, o sistema de saúde entrou em colapso, com deficit de médicos, insumos, medicamentos e atrasos em atendimentos.
A educação seguiu o mesmo caminho: organizações não governamentais acusam a secretaria estadual de fechar turmas.