12/12/2017 às 05h46min - Atualizada em 12/12/2017 às 05h46min

​Advogado que foi sócio da mulher de Sérgio Cabral vira motorista de Uber

Portal UOL


Thiago Aragão, 35, cresceu ouvindo do pai, o taxista José Carlos, que ele deveria estudar "para não sentar no banco da frente do carro, como ele, mas no de trás". Após 11 anos trabalhando no mesmo escritório de advocacia, ele parecia concretizar o desejo paterno. Em 2013, ele tinha mesa e sala reservadas no novo escritório do advogado Sérgio Coelho, que acabara de romper a sociedade com Adriana Ancelmo, então primeira-dama do Rio. Convidado por ela a ocupar o posto do antigo sócio na banca, Aragão decidiu se desvincular do seu "pai no direito" e triplicou seus rendimentos na nova função.
Quatro anos depois, está no banco da frente de um Uber enquanto aguarda como réu sentença da Operação Eficiência, uma das 16 ações penais envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). "A divisão do escritório é um momento crucial. Olhando agora, se eu tivesse feito o mais fácil e saído, não estaria aqui. Mas o meu erro não foi ter aceitado a oportunidade. Foi depois", disse Aragão. O advogado se refere às notas superfaturadas emitidas pelo escritório de 2014 a 2016 contra o Manekineko, rede de restaurante de comida japonesa de seu ex-cunhado, Ítalo Garritano. O valor repassado a mais pelo restaurante era, segundo Aragão, sacado das contas do escritório para posterior depósito a funcionários do Manekineko. O pagamento de salário "por fora" tinha como objetivo reduzir passivos trabalhistas da empresa, cliente do escritório, e "ajudar" o padrinho de sua filha. As investigações indicaram que a lavagem via Manekineko movimentou R$ 3,3 milhões. O Ministério Público Federal, contudo, diz que boa parte do dinheiro vivo usado neste esquema vinha da propina arrecadada por Cabral, e não das contas do escritório. Foi uma forma, segundo os procuradores, de regularizar os recursos ilícitos do peemedebista por meio da firma da exprimeira-dama. "Cabral para mim nunca existiu. Nunca fui a Mangaratiba, nunca andei de helicóptero. Reconheço meu erro e não tem um dia que eu não peça perdão. Mas, naquele momento, não tinha dimensão de participar de uma organização criminosa chefiada pelo governador", disse ao juiz Marcelo Bretas. Aragão foi preso em janeiro e colocado na mesma cela de Cabral no Complexo Penitenciário de Gericinó. "Minha primeira providência foi pedir ao diretor para mudar de cela. Eu não tinha proximidade com ele. Não era em Bangu que teria", afirmou Aragão ao juiz. A ação está pronta para sentença de Bretas e dirá se o advogado fazia ou não parte da organização criminosa. COM NUZMAN Nascido na Ilha do Governador (zona norte), Aragão cursou direito com bolsa parcial na PUC-Rio. Conta que pouco via o pai em casa, que bancava os estudos junto com a mãe, servidora pública. Funcionário da cooperativa de táxis dos aeroportos, José Carlos costumava ser requisitado por outro alvo da Lava Jato fluminense: Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil). "Cresci vendo meu pai falar do Nuzman. Quando ele chegou na cadeia, fui ajudá-lo a subir as escadas com a bolsa. Falei do meu pai e ele disse: 'Acompanhei seu crescimento à distância'", afirmou Aragão. O advogado saiu da cadeia no dia 17 de outubro –três dias antes de Nuzman após ser absolvido no processo em que era acusado de tentar atrapalhar nas investigações. Por coincidência, sua quarta corrida no Uber em seu primeiro dia de trabalho foi com a advogada Paula Barioni, da equipe que defende Nuzman. Na última quarta (6) Aragão já acumulava 154 corridas, com uma pontuação de 4,83 –máximo de cinco. "Meu pai vivia dizendo para eu estudar e ir para o banco de trás. Mas vejo hoje que não há demérito nenhum em dirigir um carro profissionalmente. Tenho outras prioridades", diz ele. A prioridade de Aragão é a convivência com a filha de dois anos. Nos anos de escritório, era um dos primeiros a chegar e últimos a sair. Multiplicou seus ganhos, mas se afastava dos familiares. "Não tenho memória do meu pai estando comigo e sem querer estava repetindo isso com a minha família." As acusações o levaram a ser delatado pelo cunhado e padrinho de sua filha, se separar da mulher, e voltar a morar com os pais. Além do Uber, ganha diária de R$ 150 para limpar o apartamento que um amigo aluga por temporada. "Limpava cela na cadeia, como não vou limpar um quarto e sala na Barra?". Ele tentou se inscrever num curso no Sebrae, mas foi recusado -não sabe se por ser réu no caso. Vai prestar Enem para estudar administração. A decisão que o liberou o impede de atuar como advogado. O escritório de Ancelmo segue sob investigação. Mas Aragão diz não ter conhecimento de qualquer outro ato ilícito na firma. "Essa será a minha história. Mas estou tentando reconstruir. Sei do que preciso para ser feliz. Não preciso morar na Lagoa [bairro rico da zona sul]. Hoje minha felicidade é passear com minha filha, andar na praia. Meu luxo é dar água de coco para ela", disse o advogado.
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