À primeira vista, a intenção do projeto 8540/2017, que está em discussão na Câmara dos Deputados, parece boa: tipificar crimes de ódio na internet. Sabemos bem o tamanho do problema: racismo, incitação à violência e outros tipos de agressões virtuais estão entre as violações mais comuns entre as denúncias que recebemos. Mas, olhando com um pouco mais de atenção, a gente vê que a proposta, apresentada pelo deputado Assis Melo (PCdoB-RS), tem uma série de problemas.
Ele mistura artigos do Código Penal, Lei Maria da Penha, Estatuto da Criança e Adolescente e o Estatuto da Pessoa com Deficiência para criminalizar quem usar a internet para “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou precedência nacional”. Em outras palavras: o que ele tenta criminalizar, na verdade, já está criminalizado. E, na prática, o projeto até afrouxaria a pena para esses crimes: de dois a cinco anos para um a três anos.
Esse, no entanto, não é o maior problema. Um dos artigos do projeto de lei diz que os provedores de informação, conteúdo e hospedagem respondem solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada por meio da permissão e manutenção de páginas e aplicativos que promovam a intolerância, ódio, preconceito, exclusão e violência, nos termos da lei.
Ou seja: ele quer que Facebook, Twitter, YouTube, portais de notícias e outras empresas sejam responsabilizadas se não removerem publicações de ódio. O problema desse artigo é que ele institui uma espécie de censura prévia, forçando as empresas a removerem qualquer conteúdo enquadrado em uma categoria genérica de “ódio”, ou mesmo “contra o direito de imagem”, sem ordem judicial.
Críticas aos políticos? Sim, poderiam ser apagadas sem nenhuma satisfação.
É parecido com o que o deputado Áureo (SD-RJ) tentou emplacar em outubro. De acordo com a emenda que ele propôs para a reforma política, conteúdos de ódio, informações e ofensas poderiam ser removidos pelas empresas de internet sem ordem judicial durante o período eleitoral ou se fossem direcionadas a candidatos ou partidos. A emenda foi vetada pelo presidente Michel Temer, mas os parlamentares parecem não desistir da ideia.
“Não há nada de novo saindo das fornalhas da Câmara em Brasília no que diz respeito à regulação de conteúdos na Internet neste final de ano pré-eleitoral”, diz Thiago Tavares, presidente da Safernet, convidado a participar de um debate no plenário da Câmara dos Deputados sobre o projeto. As plataformas e sites já costumam remover esse tipo de conteúdo justamente porque eles já são criminosos. Tavares, na audiência pública que discutiu o projeto, ponderou o seguinte:
“As alterações legislativas, no que diz respeito à limitação de direitos fundamentais, precisam ser cirúrgicas e precisam, sobretudo, ser equilibradas, para que não violem outros direitos igualmente fundamentais.”
Essa foi a segunda tentativa de um projeto que usa o discurso de ódio como desculpa para aprovar um projeto que poderia violar a liberdade de expressão. Outras ainda podem vir.