04/01/2018 às 05h50min - Atualizada em 04/01/2018 às 05h50min

Audiências de custódia soltam mais da metade dos presos do DF

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que 51,58% dos presos em flagrante no Distrito Federal ganham o benefício de aguardar o julgamento em liberdade. Segundo especialistas, medida serve para equilibrar o sistema prisional

Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Complexo Penitenciário da Papuda: antes de seguir para a penitenciária, presos do Distrito Federal passam por audiência no Departamento de Polícia Especializada (DPE)
Metade dos presos em flagrante conquistaram a liberdade 24 horas depois do crime. Até o primeiro semestre de 2016, a Justiça do Distrito Federal livrou da cadeia 51,58% dos envolvidos e decidiu pela prisão preventiva de 48,42% nas audiências de custódia. De todas as unidades da Federação, o DF alcança a quarta posição entre as que mais soltaram acusados em 2015 e 2016 (veja Mapa). Apesar disso, especialistas em direito e juristas reforçam que a liberdade provisória não significa impunidade. Mesmo livre, o réu enfrenta o processo penal e, ao fim do julgamento, pode cumprir a sentença no Complexo Penitenciário da Papuda.
 
 
Pelo sistema processual penal, a regra é que a prisão em flagrante só seja convertida em preventiva em casos excepcionais de risco à população. Por isso, furto simples, receptação, subtração de um produto ou de valores pequenos, acidentes de trânsito culposos (sem intenção de matar) e embriaguez ao volante são crimes que, geralmente, o juiz decide pela liberdade do acusado.
 
Mas, para tomar a decisão, também é levado em conta se há antecedentes criminais. Além disso, o juiz analisa a gravidade concreta do ato e se ocorreu violência ou grave ameaça. Por isso, um flagrante de tráfico de drogas, a depender do preso e da quantidade de entorpecentes, pode resultar em prisão preventiva. O entendimento é que, quanto mais grave for o crime praticado,maior a probabilidade a pessoa tem de permanecer presa.
 
Na avaliação da juíza coordenadora das audiências de custódia do Espírito Santo, Gisele Souza de Oliveira, as vantagens do procedimento são a garantia e a proteção dos direitos humanos, além do controle das prisões. “Não existem dúvidas de que uma pessoa que comete um latrocínio apresenta risco à sociedade e precisa ficar presa durante o processo, mas alguns outros delitos comportam outras medidas cautelares. Portanto, ficam presas apenas aquelas pessoas que ferem gravemente a ordem pública”, explica.
Para a magistrada, o procedimento também ajuda a equilibrar o número de entrada e saída de detentos do sistema carcerário e auxilia a organização criminal. Na visão dela, esse é um instrumento importante. “Significa trazer para a porta de entrada do sistema maior racionalidade. Sem audiência de custódia, é como se o acesso ao presídio ficasse aberto, sem controle efetivo. Prisão não é solução para questões de segurança nem instrumento de segurança pública”, reforça.
 
Segundo o professor de direito penal e processo penal da Universidade Católica de Brasília, Águimon Rocha, para que haja a prisão, é necessário existir requisito presente na lei. E, quando a pessoa tem o encarceramento relaxado, não significa que ela não terá a prisão decretada na sentença final. “Existe uma visão equivocada no Brasil que, quando alguém pratica um ato delituoso, a prisão é um efeito necessário. Nem sempre isso é verdade. A prisão só é um instrumento se preencher requisitos objetivos. A audiência de custódia é o meio mais rápido para que uma pessoa acusada seja levada à presença do juiz”, esclarece.
 

Contraditório

Mesmo em liberdade, o réu responde a um processo criminal. No fim, se condenado, pode ou não ficar preso. Depende da pena imputada. Quando a sentença prevê até 4 anos de detenção, por exemplo, a medida é transformada em alternativa, como prestação de serviço à sociedade. Nos casos de 4 a 8 anos, o réu cumpre pena em regime semiaberto, ou seja, fica de segunda a sexta-feira na cadeia e sai aos fins de semana. E, a partir de 8 anos, o regime é fechado.
 
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) divulgado em 8 de dezembro, 30% dos presos em 2016 cumpriam pena de 4 a 8 anos de prisão; 26%, de 8 a 15 anos; e 11%, de 15 a 30 anos. Só 7% foram condenados de 30 a 50 anos; e 3%, a mais de 50.
 
Na avaliação do promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Thiago Pierobom, a audiência de custódia permite a participação do MPDFT e do advogado do acusado, ou seja, fornece a possibilidade do contraditório até a sentença. “Nem sempre a decisão é fácil, mas essa etapa é importante para assegurar ao Judiciário que seja dada a decisão mais correta ao caso concreto. Se for necessária, que se mantenha a prisão. Se não for, que dê a possibilidade de o réu responder ao processo e, oportunamente, à ação penal”, afirma.
 
 

Tortura

Na avaliação da doutora em direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) Carolina Costa Ferreira, um dos desafios das audiências de custódia é a implementação do processo em uma lei federal, pois o trabalho é realizado a partir de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Mas, ao mesmo tempo, esse instrumento permite um filtro de quais pessoas precisam ficar presas. É uma oportunidade importantíssima no Estado democrático de direito para que apenas aquelas pessoas que têm necessidade de ficarem presas, de fato, fiquem”, ressalta.
 
Segundo Carolina, também professora de direito penal e processo penal do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), outro ponto importante é a possibilidade de o preso se posicionar sobre a atuação da polícia. “É um momento que ele tem de falar se houve tortura ou maus-tratos. Abre uma janela importantíssima sobre os serviços prestados pela polícia, e um outro desafio é aprimorar a investigação da tortura no Brasil”, pontua.
 
Carlos Moura/CB/D.A Press

Carlos Moura/CB/D.A Press


"Essa etapa é importante para assegurar ao Judiciário que seja dada a decisão mais correta ao caso concreto. Se for necessária, que se mantenha a prisão. Se não for, que dê a possibilidade de o réu responder ao processo e, oportunamente, à ação penal"
 
 

Para saber mais

Agilidade nas avaliações 
 
No Distrito Federal, 100% dos presos em flagrante participam de audiência de custódia. Dessa forma, para tornar o processo mais ágil, desde 18 de agosto, as sessões passaram a ocorrer em um espaço do Departamento de Polícia Especializada (DPE). A mudança do endereço das audiências, que antes ocorriam na sede do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), foi justificada como agilidade ao trâmite, pois os presos da carceragem da Polícia Civil — que fica dentro do DPE — precisavam ser escoltados para a audiência até o TJDFT. Com a mudança, ela agora ocorre em uma sala próxima à carceragem, o que exclui a escolta e o transporte.
 
 
Mortes na Papuda
 
Dois detentos do Centro de Detenção Provisória (CDP), no Complexo Penitenciário da Papuda, morreram por parada cardíaca em menos de 72 horas. Um deles, um jovem de 24 anos, passou mal na noite de domingo, pouco antes da virada do ano. O outro morreu na madrugada de ontem, também dentro da unidade. Os dois casos estão sob investigação da 30ª Delegacia de Polícia (São Sebastião). A Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social do DF (SSP/DF) espera que o resultado da perícia de ambos os casos saia em até 30 dias. Em nota, a pasta garantiu que os detentos receberam atendimento médico. No entanto, não se sabe se eles sofriam de alguma cardiopatia.
 
 

Ranking

Confira as unidades da Federação que mais decidiram pela liberdade provisória de presos em audiência de custódia entre 2015 e 2016
 
BA 61,25%
AP 57,86%
MT 56,28%
DF 51,58%
SC 50,38%
AC 49,12%
AM 48,83%
RR 48,02%
MG 47,76%
RN 47,74%
AL 47,55%
ES 46,21%
SP 46,06%
MA 45,67%
PI 44,56%
PB 44,32%
GO 44,05%
PA 44,02%
RJ 42,56%
PR 42,25%
SE 41,29%
CE 40,57%
PE 39,65%
TO 39,52%
RO 37,5%
MS 35,31%
RS 15,17%
 

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