30/01/2018 às 17h10min - Atualizada em 30/01/2018 às 17h10min

Ex-presidente do BRB é condenado a 26 anos de prisão

Do total da pena imposta ao ex-presidente do BRB, 15 anos deverão ser cumpridos em regime fechado

Metrópoles

Mais de dez anos depois de deflagrada a Operação Aquarela, em junho de 2007, a 1ª Vara Criminal de Brasília condenou nove pessoas acusadas de integrar um esquema que dilapidou os cofres públicos e avariou a credibilidade do BRB. Entre os réus, está o ex-presidente da instituição financeira Tarcísio Franklin de Moura. A ele são atribuídos os crimes de dispensa ilegal de licitação, peculato e lavagem de dinheiro.

Em sentença concluída na última sexta-feira (26/1), a qual o Metrópoles teve acesso, a juíza Ana Cláudia Loiola de Morais Mendes aplicou uma dura pena ao ex-todo poderoso do banco público: 26 anos de prisão, sendo 15 deles em regime fechado.

A dosimetria (cálculo da pena atribuída aos réus condenados) veio minuciosamente justificada em vasto material comprobatório colhido durante as investigações conduzidas pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que, naquela época, se chamava NCOC — hoje atende por Gaeco ou Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado. As apurações também tiveram o apoio da Delegacia de Combate ao Crime Organizado (Deco) e do Departamento de Atividades Especiais (Depate), duas unidades da Polícia Civil que atuam no enfrentamento aos delitos contra a administração pública.

Na sentença, de 116 páginas, a qual condenou integrantes da antiga cúpula do BRB, a magistrada tipifica — com base em escutas telefônicas, documentos apreendidos e depoimento de testemunhas — a participação dos réus no esquema, denunciado pelo Ministério Público, que desviou R$ 3.499.736,91 de recursos públicos. Mesmo valor agora é exigido dos infratores para ressarcir as vítimas da fraude, ou seja, toda a sociedade brasiliense.

O réu era dirigente de um importante banco, com acesso a informações sigilosas e proximidade das maiores autoridades do Distrito Federal, sendo-lhe imprescindível uma conduta proba na gestão dos bens mais importantes para a coletividade, o que evidentemente não ocorreu e causa maior repulsa social." Juíza Cláudia Loiola, ao sentenciar Tarcísio Franklin

Sem licitação As investigações realizadas nos autos do Inquérito Policial nº 13, de 2007, demonstram que a organização criminosa instalada na cúpula do Banco de Brasília utilizou-se da empresa privada Cartão BRB para celebrar contratos de prestação de bens e serviços à instituição financeira mediante dispensa indevida e inexigibilidade de licitação.

Criada em 1997, a Cartão BRB S/A é pessoa jurídica de direito privado com o seguinte objeto social: “administração e processamento de cartões de crédito e o desenvolvimento de todas as atividades necessárias à sua colocação no mercado”.

O BRB é sócio da empresa Cartão BRB com 45% das ações. Mas, segundo demonstraram as investigações da Polícia Civil e do Ministério Público, com o passar dos anos, o objeto social da Cartão BRB foi desvirtuado e a empresa passou a ser utilizada como intermediária nas contratações de diversos bens e serviços prestados à instituição financeira, com o objetivo claro de fugir das regras da concorrência pública que evitam o direcionamento nos contratos.

A gênese do esquema criminoso começou em 2001, quando o banco firmou com a Cartão BRB um “convênio” cujo objeto inicial seria o de definir as responsabilidades das partes contratadas na execução de um serviço de telemarketing. Um pouco depois, em junho de 2002, foi assinado o primeiro termo aditivo ao referido convênio, que acrescentou em seu escopo a transferência das atividades de informática do BRB para a Cartão BRB. Estava aberta a brecha para a atividade criminosa. Depois, ainda vieram sucessivas prorrogações do contrato.

Enriquecimento ilícito A maracutaia contava com o seguinte modus operandi: a Cartão BRB contratava, sem licitação, a empresa e preço de acordo com sua conveniência. Essa, por sua vez, prestava o serviço diretamente ao BRB, apesar de ter sido formalmente chamada para servir ao Cartão BRB. O Banco de Brasília era quem arcava com a despesa, repassando o dinheiro para o Cartão BRB, que remunerava a firma.

Sem as amarras exigidas nas licitações, além do direcionamento dos serviços para empresas parceiras, os gestores do banco não só causaram prejuízo para a instituição como também roubaram o dinheiro público, lavado por meio da triangulação mediante fraudulentas operações financeiras. Uma das primeiras conclusões a que os investigadores chegaram, na ocasião da Operação Aquarela, foi o enriquecimento incompatível com a renda dos suspeitos.

Somente na casa do então presidente do BRB, os policiais recolheram nada menos do que 93 relógios de pulso, dos quais 61 foram avaliados no total de R$ 336 mil. As evidências de riqueza, aparentemente sem lastro legal, foram, no entanto, apenas um dos argumentos de condenação. O acesso a escutas telefônicas também ajudaram o Ministério Público e a Justiça a terem certeza do grau de comprometimento dos réus.

Outros oito condenados Além de Tarcício Franklin, foram condenados por dispensa ilegal de licitação, peculato e lavagem de dinheiro: Ari Alves Moreira (ex-diretor de Tecnologia Bancária do BRB); Rildo Ramalho Pinto (ex-diretor da Cartão BRB); Oswaldo Luiz dos Santos Porto (ex-diretor da Cartão BRB); Fabrício Ribeiro dos Santos (sócio da FSL Tecnologia); Lúcio Mauro Stocco (sócio da FSL Tecnologia); André Luís de Sousa Silva e Elizabeth Helena Dias Oliveira dos Santos (dirigentes da ONG Caminhar); e Georges Kammoun (doleiro). Todos ainda podem recorrer das decisões.

Também denunciados pelo MPDFT, Geraldo Rui Pereira (ex-diretor Operacional) e Paulo Menicucci (ex-diretor de Relações com o Mercado do BRB) foram absolvidos pela Justiça.

Em novembro de 2016, a Justiça ordenou o bloqueio de R$ 227 milhões do ex-presidente do BRB e do ex-diretor da Associação Nacional de Bancos (Asbace) Juarez Lopes Cançado, que também é réu em ações remanescentes da Operação Aquarela. A decisão, da juíza Magnólia da Gama e Souza, da 11ª Vara da Justiça Federal do DF, atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Bezerra de Ouro, um dos capítulos da Aquarela O escândalo da Bezerra de Ouro surgiu no âmbito das apurações da Aquarela, após escutas telefônicas autorizadas judicialmente. Segundo o Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT), Tarcísio Franklin, o ex-governador Joaquim Roriz e o ex-presidente da empresa Gol Linhas Áreas, Nenê Constantino, fizeram um acerto para partilhar um cheque de R$ 2,2 milhões.

Na época, Roriz se defendeu alegando que as conversas gravadas do trio diziam respeito a um empréstimo de R$ 300 mil feito com Constantino para a compra do embrião de uma bezerra, na Universidade de Marília, interior de São Paulo. Daí o episódio ser conhecido como o escândalo da Bezerra de Ouro.

Ao então presidente do BRB, Roriz, que cumpria o primeiro ano de seu mandato no Senado, teria pedido ao aliado para descontar o cheque, do Banco do Brasil, no caixa do BRB. O desgaste levou o então senador a renunciar o mandato antes mesmo de sofrer um processo por quebra de decoro no Conselho de Ética da Casa, ainda em 2007. Mas isso não foi o suficiente, o ex-governador teve os direitos políticos suspensos, pois foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa após ser condenado em segunda instância, em outubro de 2015.

Veja como os réus se defenderam em suas alegações finais do processo

Tarcísio Franklin de Moura – Questionou a competência do TJDFT para julgar o caso. De acordo com a defesa do ex-presidente do BRB, o processo deveria estar sob análise da Justiça Federal. Os defensores pedem a nulidade das provas colhidas por meio de interceptações telefônicas, segundo eles “obtidas em ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal”. Condenado a 26 anos.

André Luiz de Sousa Silva – Admitiu ter suspeitado da procedência ilícita dos valores envolvidos na transação, mas alegou apenas ter cumprido ordens superiores na emissão e no carregamento dos cartões. Condenado a 8 anos e 10 meses.

Rildo Ramalho Pinto – Requereu a nulidade da busca e apreensão realizada em seu escritório, operação feita sem legalidade, na visão da defesa, pois causou “desentranhamento das provas originadas da diligência”. Os advogados de Rildo pediram sua absolvição, pois defendem a autenticidade do convênio, uma vez que a Cartão BRB tratava-se de uma subsidiária do BRB. Condenado a 21 anos e 5 meses.

Georges Kammoun – Levantou dúvidas sobre a legalidade das interceptações telefônicas com o argumento de que elas não teriam sido fundamentadas, requerendo a anulação da prova obtida. A defesa também classificou a denúncia como genérica. Condenado a 8 anos e 10 meses.

Oswaldo Luiz dos Santos Porto – Disse não ter havido dolo em suas ações, pois garante que não tinha, à época, ingerência sobre a Cartão BRB. Segundo a defesa, Oswaldo foi induzido ao erro e teria agido de boa-fé em todas as suas decisões. Condenado a 8 anos e 10 meses.

Ari Alves Moreira – Requeriu a expedição de oficio à Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes). Assim como Tarcísio, acredita não haver competência do TJDFT para julgar o caso e, por isso, solicitou declínio à Justiça Federal. Afirmou, ainda, não existir prova suficiente que justifique sua condenação. Condenado a 21 anos e 5 meses pelos crimes.

Fabrício Ribeiro dos Santos e Lúcio Mauro Stocco – A defesa dos dois sustenta que os clientes não tiveram qualquer participação na formação da relação do convênio entre a Cartão BRB e Banco BRB e, portanto, não cabe incluí-los como réus na ação penal em questão. Condenados a 21 anos e 5 meses.

Elizabeth Helena Dias Oliveira dos Santos – Desqualificou a denúncia afirmando que as provas são insuficientes e que ela não teve direito ao contraditório respeitado. Condenada a 8 anos e 10 meses.


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