Luiz Estevão chegou ao prédio da Justiça Federal do DF, na 510 Norte, em camburão da Diretoria Penitenciária de Operações Especiais (DPOE)
Preso desde março de 2016 pela fraude bilionária nas obras do Tribunal Regional do Trabalho (TST) de São Paulo, o ex-senador Luiz Estevão deixou ontem o Centro de Detenção Provisória (CDP), no Complexo Penitenciário da Papuda, para acompanhar uma audiência na Justiça Federal. O processo tem relação com irregularidades no contrato feito entre o Grupo OK, do empresário, e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). O Ministério Público Federal quer responsabilizar Estevão por fraude em obras realizadas no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza, e o acusa de estelionato. As investigações apontam uso de documentação falsa (leia Entenda o caso). A defesa alega que Estevão estava afastado da Presidência do Grupo OK no período do suposto crime, em 2002, e que, por isso, não pode ser acusado.
O depoimento marcado para as 14h começou com meia hora de atraso. O ex-senador chegou ao prédio da Justiça Federal do DF, na 510 Norte, no camburão da Diretoria Penitenciária de Operações Especiais (DPOE). Ele foi levado à sala algemado e sob a escolta de quatro policiais armados com submetralhadoras. Vestido com calça jeans e camisa e tênis brancos, ele não foi interrogado pelo juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal de Brasília. Mesmo assim, protagonizou momentos de tensão ao interromper os próprios advogados durante os questionamentos feitos à única testemunha do dia, o engenheiro Ivan Oliveira Souto, assessor da Gerência de Recursos e Contratos da Infraero à época.
Na condição de testemunha de acusação, Ivan foi ouvido durante uma hora e meia e respondeu às perguntas feitas pelo procurador Valtan Furtado e pela defesa de Estevão. O funcionário conduziu parte do contrato firmado entre o Grupo OK e a Infraero. Também era o responsável por conferir os termos do acordo. Segundo o servidor da Infraero, as investigações começaram após ele e a então chefe, Geórgia Maria de Andrade Eufrásio, identificarem que tiveram as assinaturas falsificadas em ordens de pagamento. Geórgia foi ouvida no mesmo processo, em dezembro do ano passado. “Quando fomos verificar, havia uma medição paga no valor de R$ 1,5 milhão com a minha assinatura e com a da Geórgia. Imediatamente, chamamos a diretoria e pedimos que fosse feito um exame grafotécnico”, relatou.
Souto acrescentou que teve a assinatura falsificada em, pelo menos, três medições do contrato. “Nós verificamos que não eram verdadeiras. Todavia, as notas fiscais com a indicação da conta bancária onde deveriam ser depositados os recursos eram reais”, ressaltou. De acordo com ele, as irregularidades só foram percebidas quando as obras estavam em fase final de execução e que, por esse motivo, não foi tomada nenhuma decisão no sentido de paralisar os trabalhos. O técnico contou que, no total, foram 10 medições falsas e que uma 11ª sumiu dos arquivos da Infraero. “Os R$ 9 milhões subtraídos dos cofres da Infraero hoje valem R$ 57 milhões se atualizados”, calculou.
A defesa de Luiz Estevão alega que ele não presidia o Grupo OK em 2002
Intervenção
Ele também destacou que a estatal instaurou uma Ação Ordinária de Reparação de Danos em 2016 para tentar recuperar os valores desviados. Souto contou que a primeira irregularidade resultou no repasse indevido de R$ 3,5 mil. A segunda fraude alcançou a cifra de R$ 700 mil. O engenheiro também disse que o esquema não seria possível sem a participação de alguém de dentro da Infraero e que uma servidora foi exonerada após um processo administrativo ser instaurado.
Durante a oitiva, o juiz Marcus Vinícius precisou intervir diante das tentativas do ex-senador de fazer questionamentos diretos à testemunha. “Eles (os advogados) falam pelo senhor. Respeite os trâmites, por favor”, avisou. Estevão passou, então, a ditar aos defensores as perguntas que deveriam ser feitas. Também pedia para a defesa reformular as questões quando não se satisfazia com as respostas.
A presidente da comissão de sindicância aberta pela Infraero para acompanhar o caso, Marisa Santos Villagra, também seria ouvida ontem por vídeoconferência, mas a Justiça não conseguiu intimá-la. A próxima audiência ocorrerá em 15 de fevereiro. Após o fim do depoimento, o advogado de Estevão solicitou ao magistrado permissão para que o empresário se despedisse da mulher, que acompanhou a audiência. O pedido foi aceito. A conversa durou menos de cinco minutos. A defesa do ex-senador não quis dar entrevistas.
Testemunha
Em 14 de dezembro do ano passado, Luiz Estevão deixou o Complexo Penitenciário da Papuda para acompanhar o depoimento de Geórgia Maria de Andrade Eufrásio, que trabalhava na Gerência de Recursos e Contratos da Infraero à época do contrato. A servidora informou que identificou as próprias assinaturas falsas em, pelo menos, seis ordens de pagamento. Após comunicar a falha à direção do órgão, uma sindicância foi aberta pela empresa, que confirmou a irregularidade. Na audiência, também foi ouvido, na condição de testemunha de defesa, Carlos Estevão Taffner, funcionário do Grupo OK que exercia a função de superintendente imobiliário no período da assinatura do contrato.
Memória
Escândalos e privilégios Luiz Estevão responde a centenas de processos em várias esferas da Justiça, além de ter o nome envolvido em diversos escândalos. O empresário está preso desde 8 de março de 2016 no Complexo Penitenciário da Papuda, onde cumpre pena de 26 anos por corrupção ativa, estelionato, peculato, formação de quadrilha e uso de documento falso. A sentença foi dada em 2006, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) por causa da fraude bilionária nas obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
Em janeiro do ano passado, agentes e integrantes da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe) encontraram, na cela do empresário e na cantina onde ele faz as refeições, itens proibidos, como chocolate, cafeteira elétrica, cápsulas de café e massa importada (foto) — o episódio acarretou a queda da cúpula do Centro de Detenção Provisória (CDP), na Papuda.
Em agosto de 2016, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) ajuizou uma ação de improbidade administrativa que revelou o pagamento feito por Luiz Estevão para a reforma do Bloco 5 do CDP, onde ele cumpre pena. As celas são maiores do que as demais, com vasos sanitários, chuveiro elétrico, televisão de tela plana, antena parabólica e ventilador de teto.
Entenda o caso
Desvios e falsidade
O Ministério Público Federal (MPF) responsabiliza Luiz Estevão por uso de documentação falsa, entre março e outubro de 2002, para o recebimento de valores indevidos relacionados às obras de urbanização e construção de instalações do Grupo de Aviação no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza (CE). Entre as falsificações estariam as assinaturas de servidores da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) em pagamentos feitos ao Grupo OK — construtora pertencente ao empresário e responsável pelas obras. As instalações incluíam hangar de manutenção, prédio de comando, redes gerais, vias de acesso e estacionamento de aeronaves. A Infraero iniciou as investigações após funcionários declararem que não reconheciam as assinaturas no processo. Perícias feitas nos documentos comprovaram a falsificação. De acordo com as investigações, foram desviados cerca de R$ 9 milhões dos cofres públicos.