29/03/2018 às 06h13min - Atualizada em 29/03/2018 às 06h13min

Denúncia aponta desvios em emendas do deputado Israel Batista

Distrital destinou R$ 1,9 milhão para projeto não executado integralmente. Assessor foi exonerado após caso vir à tona

Metrópoles

O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) analisa denúncia que chegou ao órgão contra Deoclecio Luiz Alves de Souza, o Didi – até a semana passada, quando foi exonerado, ele era um dos homens de confiança do deputado distrital professor Israel Batista (PV). Além de Didi, o empresário Romero Pimentel e a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança) são acusados de irregularidades.

Uma emenda de R$ 946 mil e outra de R$ 977,4 mil, somando pouco mais de R$ 1,9 milhão, não teriam sido executadas como deveriam e há suspeita de que parte dos recursos foi desviada. O dinheiro era destinado ao projeto Sara e Sua Turma, uma iniciativa paradidática em escolas da rede pública. Porém, segundo a acusação, do montante destinado a pagamentos para a Editora Phoco – R$ 1,29 milhão, cerca de R$ 690 mil teriam evaporado.

Criado para trabalhar a inclusão de crianças vítimas de preconceito dentro e fora de sala de aula, o projeto Sara e Sua Turma serve como preparatório para a Prova Brasil – que integra a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, criada com o objetivo de aferir a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro.

A iniciativa bancada com a emenda do deputado Israel Batista (foto em destaque) inclui livros paradidáticos – materiais que, sem serem propriamente relativos ao ensino, são utilizados para este fim. Mas parte deles não chegou às mãos dos alunos. Segundo a denúncia protocolada no MPDFT, a razão seria o desvio de recursos públicos. A denúncia De acordo com a acusação, em setembro de 2016, o empresário Romero Pimentel, do ramo de eventos, teria atuado como lobista ao procurar a dona da Editora Phoco, Gisele Gama Andrade. Ela é a criadora dos personagens da Sara e Sua Turma. Na ocasião, Pimentel propôs que a escritora e empresária apresentasse a obra ao deputado Israel Batista.

Após conhecer a proposta, o parlamentar gostou da ideia e decidiu destinar uma emenda para que o projeto fosse implementado em escolas públicas do Distrito Federal por meio da Secretaria da Criança, Adolescente e Juventude. Israel Batista tem grande influência no órgão, pois boa parte dos cargos de chefia da pasta são indicações do deputado.

A responsabilidade sobre a forma como a emenda seria repassada ficou por conta de Deoclecio Luiz Alves de Souza. Assessor especial de gabinete que recebia R$ 5.589,42 mensais na Câmara Legislativa, Didi tinha a função de acompanhar a execução de todos os recursos oriundos de emendas de autoria de Israel Batista.

Do convênio ao instituto Ainda em setembro de 2016, o projeto não pôde ser implementado, porque Didi e Romero Pimentel tinham a intenção de fechar o contrato mediante convênio. Três meses depois, a dupla encontrou uma solução. Em dezembro daquele ano, Gisele Gama foi novamente procurada para que o Sara e Sua Turma chegasse às escolas públicas por meio do Instituto Terra Utópica, uma entidade desconhecida beneficiada com vultosos recursos dos cofres públicos, mesmo sem ter sequer página virtual.

A primeira emenda, de R$ 946 mil, foi liberada em fevereiro de 2017, conforme consta no Portal da Transparência do GDF. O valor correspondia à produção e distribuição de material para cerca de 8 mil alunos nos turnos matutino e vespertino de 50 escolas públicas, além da contratação de contadores de história com experiência. Desse total, R$ 630 mil deveriam ser pagos à Editora Phoco.

Mas os recursos não foram repassados na integralidade. De acordo com a denúncia, apenas R$ 400 mil dos R$ 630 mil chegaram até a Editora Phoco. Segundo Gisele Gama, coube ao empresário Romero Pimentel avisá-la sobre o problema com o dinheiro.

Ele me disse que o projeto tinha ficado menor e, por isso, se eu quisesse, poderia entregar menos livros. Achei ser verdade e, para não prejudicar o restante das crianças, me dispus a doar todo o material. Mas até hoje eles não assinaram o termo de doação feito por mim" Gisele Gama, escritora e dona da Editora Phoco Ainda conforme outro problema relatado por Gisele, ao contrário do acordado, a iniciativa passou a atender apenas um dos turnos escolares. “Eles só fizeram em um turno, não em dois, como estava no projeto. Mas doamos os livros porque, segundo eles, o dinheiro tinha ido para outra finalidade. Não suspeitei que pudesse haver alguma irregularidade”, afirmou a proprietária da editora.

Contadores de história a menos Além da quantidade menor de material, o número de contadores de história contratados também ficou abaixo do previsto. Segundo a denúncia levada ao MPDFT, Romero Pimentel passou a contratar os profissionais diretamente. No entanto, essa atribuição deveria ser do Instituto Terra Utópica.

Pimentel apresentou nota ao Metrópoles, na qual consta a contratação de 26 contadores. Mas conforme assegurou um desses profissionais ouvidos pela reportagem assegura, apenas duas pessoas desempenhavam toda a atividade.

“Nós fazíamos mais do que devíamos, pois buscávamos os livros em uma casa do Lago Sul. Se não fosse pela gente, esse material estaria até hoje dentro de uma salinha, estragando e sem chegar às crianças”, afirma uma das contadoras, depois de pedir para ter o nome preservado. De acordo com essa profissional, ela e a colega trabalhavam somente um turno e recebiam R$ 500 por instituição visitada.

Segunda emenda maior, repasse menor Depois de concluída a primeira fase do projeto, o deputado Israel Batista destinou nova emenda, também para 8 mil crianças. O valor, liberado em agosto de 2017, foi de R$ 977.440. Dessa vez, 32 mil exemplares foram impressos. Porém, a Editora Phoco recebeu o aviso de que apenas um terço do material seria recebido, porque o GDF havia contingenciado os recursos.

Dos R$ 660 mil que deveriam ser pagos à editora, pouco mais de R$ 200 mil foram repassados, e a entrega dos livros ocorreu em uma casa no Lago Sul, não na secretaria. O fato despertou a suspeita de Gisele Gama.

“Nós fomos à Secretaria da Criança em outubro de 2017 e pedimos o número do processo, mas não quiseram nos informar. Então, em fevereiro deste ano, quando eu pesquisava notícias sobre nosso projeto, descobri na internet que o dinheiro já havia sido pago, em 30 de agosto”, diz a empresária.

Gisele voltou à Secriança após o feriado de carnaval e questionou a pasta. Como resposta, foi orientada a procurar o gabinete de Israel Batista para tratar do assunto. Em nome do deputado, Deoclecio Luiz Alves de Souza atendeu a escritora.

Segundo Gisele, dos R$ 690 mil devidos à Editora Phoco, Didi disse que apenas R$ 418 mil seriam pagos, em duas parcelas de R$ 209 mil. Mas a dívida começou a ser quitada de forma estranha.

O primeiro pagamento ocorreu via pessoa física, não pelo Instituto Terra Utópica, e por meio de vários depósitos de pequenas quantias. A segunda parcela, prevista para o fim de março deste ano, não foi quitada conforme combinado, sob o argumento de que o instituto estava sem dinheiro para quitar a dívida.

Ao Metrópoles, Gisele manifestou sua indignação. “Fizeram com a gente tudo aquilo que lutamos contra. É um trabalho de uma vida toda, reconhecido, e não podemos deixar se perder. Já temos o prejuízo financeiro, mas o pior é o que estão fazendo com as crianças, as quais tanto tentamos incluir na sociedade”, lamentou. Servidor exonerado Na semana passada, três dias após o Metrópoles procurar o deputado Israel Batista para comentar a denúncia, Deoclecio Luiz Alves de Souza foi exonerado. De acordo com a justificativa dada pela assessoria do parlamentar, Didi, responsável pela escolha do projeto Sara e Sua Turma e pela indicação do Instituto Terra Utópica, “não seguiu as normas de fiscalização das emendas propostas pelo mandato”.

A assessoria do distrital disse ainda ter pedido informações sobre o processo de contratação, mas não recebeu os dados. Fontes da Secretaria da Criança informaram à reportagem que, até essa terça (27), a pasta não tinha sequer concluído a prestação de contas da primeira fase do projeto.

Didi, por sua vez, negou quaisquer irregularidades. Segundo Deoclecio, Gisele Gama o procurou por três vezes, sempre para reclamar em relação à demora dos pagamentos. Conforme conta o ex-servidor, ele explicou para a escritora sobre o trâmite do Executivo e falou que “o atraso era devido ao parcelamento de salários anunciado pelo GDF”. O fatiamento dos contracheques do funcionalismo, no entanto, sequer chegou a ser implementado pelo governo local.

A escolha do projeto Sara e Sua Turma, assegurou ainda o ex-servidor, teve “relação estrita com o objetivo do mandato do deputado, que é promover a educação”.

Já a Secriança informou, mediante nota, que “todos os problemas indicados pela denúncia são de âmbito entre particulares”. “Os recursos são repassados antes da execução” e “a primeira fase está em processo de análise de prestação de contas”, continua o documento. Por esse motivo, disse a pasta, os dados não poderiam ser apresentados à reportagem.

O empresário Romero Pimentel confirmou que intermediou o contato com o gabinete de Israel Batista, mas afirmou nunca ter feito parte do Instituto Terra Utópica. Negou ser lobista. Segundo ele, sua contrapartida por ajudar no processo foi a contratação, por meio de sua empresa, dos contadores de história.

O presidente do Instituto Terra Utópica, Robson Assis, disse não saber da dívida com a editora. E afirma que os recursos foram depositados pela Secretaria da Criança em uma conta específica para essa finalidade e repassados à Editora Phoco.


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