A vontade de comer a comida feita em casa foi tanta que o idoso se recusou a tomar o café que o hospital fornece às 10h. No horário do almoço, enquanto ainda aguardava para ir embora, ele também não quis comer. “Essa é a felicidade que eles têm hoje em dia. É a comida, é um banho gostoso em casa. São coisas mínimas, mas que deixam os dois felizes”, afirma a neta Betânia Cordeiro de Alencar, 41 anos, que é cuidadora do casal.
Para sair, seu Francisco se arrumou todo: estava de suéter e boina cinza. Sebastiana foi vestida com um vestido rosa floral – assim como a primavera traz as flores, a roupa dela anunciava a felicidade de ir para casa. Sentimento este que transbordava entre as netas Betânia e a enfermeira Jane Ester Alencar Alves, 42, que fizeram companhia aos avós nesse tempo de internação.
“Estamos felizes e com uma expectativa imensa. Ele ficou tão ansioso que a gente acabou ficando também. Ele perguntava todo dia ‘Quando vão dar a minha liberdade?’”, conta Jane. O casal trocará as camas do hospital pela casa da filha mais nova, em Vicente Pires.
Em casa, a rotina será outra. “É tudo muito metódico. Meu avô é muito certinho. Ele acorda às 7h30, logo quer levantar e ir para a mesa tomar café com ela. Tem horário para almoçar, jantar e deitar para dormir”, afirma a neta enfermeira. Mesmo na cadeira de rodas, elas fazem questão de que os dois fiquem juntos. E o avô também cobra a presença da esposa, que sofre do Mal de Alzheimer.
Betânia ainda ficará cuidando dos avós de segunda a sexta. Ela garante que, mesmo diante do bom atendimento no HRSam, os idosos se sentem mais confortáveis em casa. “É toda adaptada para eles: o banheiro, o quarto. Eles têm uma rotina e, quando vêm para o hospital, sentem muito. Hospital é cansativo. Meu avô toma caldo de cana todo dia à tarde, porque ele ama. Então, são manias e costumes que eles têm em casa”, aponta Betânia.
A sintonia entre o casal é tão grande que motivo da internação foi o mesmo: infecção urinária. “Meu avô tem uma displasia prostática, e tem probabilidade de ter infecção. Minha avó também teve e isso descompensou a diabetes, a pressão alta. Quando a trouxemos na segunda-feira (16), ele chorou muito. Na terça-feira (17), ele veio para ser internado”, conta Jane. O que impressiona a neta foi a recuperação do avô. “Foi só ficar perto dela que ele se recuperou rapidamente”, completa.
Feliz com a sua “liberdade” – como Francisco denominou -, o idoso também queria saber se a esposa sairia junto com ele. “A Bastiana vai também?”, perguntou, enquanto as netas terminavam de arrumar as coisas para levar. A família os transportou em um carro: ele no banco da frente, e ela, deitada no banco de trás. Antes de partir, ainda no corredor do hospital, o centenário fez questão de se despedir: “Tchau, gente. Até outro dia”.
Casal comoveu hospital
No momento da alta, quem assistiu os dois saindo juntos de mãos dadas na cadeira de rodas não segurou as lágrimas. Funcionários e pacientes fizeram questão de presenciar essa cena. O aposentado Carlos Antônio Benício, de 74 anos, está com a esposa internada. “Daqui uns dias, se Deus quiser, vai ser ela quem vai sair”, desabafa.
De pouca fala e com o olhar fixo nos centenários, o aposentado diz que espera chegar à mesma idade de seu Francisco. “E vai ser junto da minha esposa”, brinca. “Ver esse casal me deixou muito emocionado”, disse, com lágrimas nos olhos.
Oitenta e dois anos de amor e cumplicidade
Conforme o Jornal de Brasília mostrou na semana passada, a história de Francisco e Sebastiana começou quando os dois eram jovens. Em outubro, eles completam 82 anos de casados. Na época, Francisco trabalhava na fazenda do pai de Sebastiana. Humilde, chegou a acreditar que ela não seria merecedora do seu amor.
“Quando ele viu minha avó, se apaixonou à primeira vista. Ele não teve coragem de chegar até ela, porque dizia que não tinha condições e que ela não o merecia. Mas uma tia da minha avó percebeu e se tornou a ‘cupida’. Incentivou o meu avô a falar com ela”, disse a neta Jane.
O que conquistou Sebastiana foram os olhos azuis de Francisco. Mas seu pai não concordava com o namoro. “Meu bisavô não aceitou. Dizia que minha avó tinha posses e ele, nada. Só que, com a ajuda da tia, eles planejaram uma fuga e se casaram”.
Eles fugiram em 1936 e a primeira parada foi em uma igreja, onde selaram as juras de amor eterno. “Quando meu bisavô descobriu, deserdou minha avó”, afirma Jane. “Voltaram à fazenda em 1961, quando tiveram a última filha, mas meu bisavô já tinha morrido”, completa. Aqui na capital, construíram uma grande família: são 12 filhos, aproximadamente 50 netos, 40 bisnetos e oito tataranetos.
Antes de terminar sua passagem na Terra, Francisco ainda tem um último pedido: “Deus, não me leva sem a Sebastiana”, diz o idoso em suas orações. “Não pensamos como vai ficar depois que eles se forem, porque são nosso ponto de referência. Mas, pelo visto, Deus vai realizar esse pedido dele, e eles vão embora juntos”, conclui a neta Jane.