Apontado como um dos líderes da organização criminosa que pode ter desviado R$ 900 milhões das obras do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, o ex-governador José Roberto Arruda (PR) mantinha uma relação de amizade com Fernando Queiroz. O empresário é sócio-proprietário da empresa Via Engenharia, com quem Arruda mantinha diversos contratos.
Denúncia do Ministério Público Federal (MPF) aceita pela Justiça aponta que as tratativas ilícitas acerca da construção da arena para a Copa do Mundo de 2014 ocorreram por intermédio de Queiroz. A investigação é baseada em acordos de leniência de executivos da Andrade Gutierrez no âmbito da Operação Panatenaico, um braço da Lava Jato.
Segundo o documento, o dono da Via Engenharia negociou, em nome do Consórcio Brasília, a propina a ser paga para Arruda. O acordado era 1% do valor total da obra do Mané, contratada inicialmente por R$ 696 milhões, mas com custo final de R$ 1,577 bilhão. Depois de 25 termos aditivos, o estádio tornou-se o mais caro daquela Copa do Mundo, no que se refere ao custo total e por assento.
Em troca da parceria e das negociações de valores ilícitos, Fernando Queiroz teria assinado diversos contratos com o Governo do Distrito Federal (GDF). Além do Estádio Mané Garrincha, um dos exemplos citados nos documentos do MPF é a obra do Centro Administrativo de Brasília (Centrad), localizado entre Taguatinga e Ceilândia. Outro empreendimento é a nova sede da Câmara Legislativa.
Os promotores do órgão expuseram no documento anotações de compromissos entre Queiroz e réus investigados na Panatenaico.
Na agenda do executivo da Via Engenharia, foram encontradas 11 marcações de encontros com Arruda. No celular de Queiroz, havia os contatos de Arruda e da esposa dele, Flávia Arruda, pré-candidata a uma vaga na Câmara dos Deputados nas eleições deste ano.
Os procuradores consideraram que todos os elementos probatórios reunidos nas investigações apontam Fernando Queiroz como o responsável pelo acerto inicial de pagamento de propina no início das negociações sobre a construção do Estádio Mané Garrincha, nos anos de 2009 e 2010, assim como pela consequente propina paga a Arruda. A ligação entre os dois levou o MPF a pedir a punição dos amigos pelos crimes de corrupção ativa, organização criminosa e fraude licitatória.
Exigência
O ingresso da Via Engenharia no consórcio para execução das obras do estádio foi uma exigência de Arruda. A Andrade Gutierrez (AG) só foi habilitada porque aceitou a condição. Assim, as duas empresas formaram um consórcio.
A Via Engenharia tinha acesso irrestrito à Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), órgão licitante do certame para as obras da arena. A Via tinha ainda acesso à comissão de licitação e aos diretores da Novacap, o que a Andrade Gutierrez não possuía à época, segundo informações da colaboração do ex-executivo da AG João Antônio Pacífico Ferreira.
Os colaboradores da Andrade Gutierrez ainda afirmaram que, enquanto consorciadas, as empresas AG e Via tinham um acordo de divisão dos pagamentos das vantagens indevidas, na proporção de 50% para cada. Os valores pagos aos agentes beneficiados pelas fraudes eram balanceados posteriormente pelas duas empresas para manter o “equilíbrio contábil” do consórcio.
Ações penais
Baseando-se na denúncia do MPF e nos acordos de leniência, a juíza Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves, da 12ª Vara de Justiça Federal, abriu três ações penais contra Arruda, Fernando Queiroz e outros 10 envolvidos no esquema.
A Justiça ainda acatou pedido cautelar do Ministério Público e proibiu a Via Engenharia de participar de licitações ou de celebrar novos contratos com a administração pública. O objetivo da medida é impedir a prática de novas infrações penais.
De acordo com os procuradores, a suposta organização criminosa investigada na Operação Panatenaico estruturou-se em três núcleos. Um deles é político, formado pelos chefes do Poder Executivo do Distrito Federal em seus respectivos mandatos.
O segundo é econômico, composto por empresas contratadas pela administração pública e que pagavam vantagens indevidas a funcionários de alto escalão e aos integrantes do núcleo político.
O terceiro grupo é administrativo, formado por funcionários de alto escalão da administração pública com ingerência na licitação e no contrato de obras do Mané Garrincha.
As denúncias oferecidas pelo MPF tiveram como alvo os núcleos políticos e o administrativo. Os nove executivos da Andrade Gutierrez que aderiram ao acordo de leniência não foram denunciados em razão da imunidade penal concedida no pacto firmado com os procuradores.
Outro lado
Segundo o advogado Luis Henrique Machado, que representa o ex-governador, “é fundamental registrar que Arruda deixou o GDF antes mesmo de se iniciar a licitação do estádio. A denúncia falha por carecer de elemento corroborativo sério de prova para sustentar a versão dos delatores”.
Já o advogado Cléber Lopes, defensor do presidente da Via Engenharia, afirmou que a relação entre Fernando Queiroz e Arruda começou no canteiro de obras, pois ambos são engenheiros. “Depois disso, a Via Engenharia sempre fez doações oficiais para a campanha de José Roberto Arruda, não havendo nada de espúrio na relação dos dois”, afirmou.
Segundo Lopes, Fernando Queiroz não fez negociações destinadas ao pagamento de vantagem indevida a qualquer agente público. “O processo em referência não tem nenhuma prova a esse respeito, a não ser depoimentos de delatores interessados em livrarem-se da própria responsabilidade criminal às custas de acusações sem lastro”, completou o advogado.