Num período de quatro meses e 18 dias – entre 4 de junho e 22 de outubro de 2015 –, José Carlos Ulhôa Fonseca, à época presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e de Lubrificantes do DF (SindiCombustíveis) e sócio-administrador da rede Gasolline, trocou, segundo investigação da Polícia Federal, diversas mensagens com a deputada distrital Liliane Roriz (Pros) pelo WhatsApp. O celular de Ulhôa foi apreendido em 24 de novembro de 2015, na casa do empresário, no Lago Sul, por meio de mandado de busca e apreensão emitido na deflagração da Operação Dubai.
As informações fazem parte do relatório de 40 páginas produzido pela Polícia Federal a partir da análise do telefone de Ulhôa, um dos principais investigados na ação, que levou o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) a oferecer denúncia contra 28 pessoas ligadas ao setor de combustíveis, entre proprietários de postos e funcionários.
A partir do conteúdo das conversas, pode-se estabelecer uma relação amigável entre os interlocutores e a disposição em tratar de assuntos ligados ao setor na Casa, com acompanhamento dos temas e pedido de tomada de decisões por parte da distrital.
Colegas da Câmara, como Rodrigo Delmasso (PRB) e o ex-deputado e hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) Dr. Michel, são alvo de críticas de Ulhôa, com anuência de Liliane. A distrital é considerada ficha suja e está impedida de concorrer nas eleições de 2018. Liliane foi condenada por compra de votos e falsidade ideológica na campanha eleitoral de 2010 e aguarda julgamento de recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde sofreu uma derrota. Contudo, manifestou falta de interesse em disputar cargo eletivo em outubro.
Entre as conversas no WhatsApp, a PF registrou, em 17 de junho de 2015, reclamação de Ulhôa a respeito de projeto do então distrital Dr. Michel sobre a obrigatoriedade de informação, nos postos de combustíveis e lubrificantes do DF, quanto à vantagem percentual na diferença entre os preços do álcool e da gasolina. “Um absurdo. Inconstitucional. O projeto do Dr. Michel foi aprovado ontem em segundo turno, o PL nº 1.354, de 2013”, disse. Liliane respondeu: “Também achei. Sem propósito!”
Em nova conversa, no dia 22 de junho, Ulhôa pede um encontro com a deputada para tratar sobre assuntos relacionados a uma frente parlamentar. “Você estará na Câmara agora cedo? Este negócio de frente parlamentar me preocupa e gostaria de tratar pessoalmente”, falou. “Meu amigo, não estarei, mas à tarde vou estar, se você quiser pode ir na minha casa”, respondeu Liliane.
Post-it da Polícia Federal
Uma semana depois, em 29 de junho, empresário e deputada voltam a ter contato pelo WhatsApp. No relatório da Polícia Federal, investigadores colaram um post-it para destacar o diálogo transcrito. Na anotação da PF, estão estas palavras: “Influência política”.
“Amanhã vai ser a última sessão do semestre, cada deputado pode indicar dois projetos para a pauta, independentemente de terem sido votados ou não nas comissões, e, provavelmente, o Chico vai pedir o PLC nº 005”, avaliou Ulhôa. “Amanhã vou ver isso e te falo”, respondeu Liliane.
Colégio de líderes
Assim, com essa relação próxima, eles conversaram, em 2 de julho, sobre as deliberações do Colégio de Líderes na CLDF – o órgão, composto pelas lideranças partidárias, discute as pautas que serão levadas à votação em plenário e costura acordos antes das deliberações.
“Bom dia. De volta. O que houve? O Colégio de Líderes não aceitou? Vi que não entrou na pauta”, disse Ulhôa. Liliane Roriz respondeu, prontamente: “E tudo indica que não vai entrar, ele deu a entender que desistiu”, afirmou. Do outro lado da linha, Ulhôa duvidou: “Vindo dele, duvido muito. Matreiro e traiçoeiro”.
Liliane foi rápida: “Nem mencionou o projeto. Podemos ficar tranquilões. Tranquilos. Eu testei ele”. Ulhôa ficou esperançoso: “Mesmo? Gostaria de saber, mas pessoalmente, não por aqui”, falou. Liliane respondeu: “Ok, marcamos semana que vem um café aqui em casa, eu te aviso”, prometeu. Ulhôa concluiu: “Lembrete. Quem não é visto, não é lembrado. Divulgue”. Para finalizar, a deputada distrital concordou: “Ok, vou fazer isso”.
No relatório da PF, não há menção sobre quem seria o personagem “matreiro e traiçoeiro”.
PF Relatório de Análise de Celular Apreendido by Metropoles on Scribd
Contrariedade quanto à proibição de bebidas alcoólicas
Em 22 de outubro de 2015, o então presidente do SindiCombustíveis volta a enviar mensagem para Liliane Roriz: “Boa tarde, deputada. Estando fora de Brasília, hoje fui informado que o projeto do Delmasso proibindo a venda de bebidas nas lojas dos postos está em pauta. Sob todos os aspectos,
considero, perdoe-me, hipocrisia colocar responsabilidade nos postos de combustíveis como causadores de problemas de segurança”.
Ulhôa conclui o recado com mais reclamações: “Temos portarias que nos proíbem vender das 22h às 6h, além de não permitir consumo nos locais. Ali, é conveniente aos clientes passarem e levarem para suas casas o que compram. O bêbado sai dos bares, restaurantes, da própria residência ou compra nos supermercados. Então, vamos proibir lá, também. Agradeço a defesa dessas ideias e fico à disposição para debater onde for necessário. Retorno semana que vem a Brasília. Abraços.”
O outro lado
A assessoria da deputada Liliane Roriz disse que ela não se pronunciaria sobre o assunto. O número de celular de Ulhôa informado no relatório da Polícia Federal não existe mais e a defesa dele não foi localizada para comentar o assunto.
O farto material colhido na apuração – ao qual o Metrópoles teve acesso – embasou a denúncia do MPDFT, aceita pela Justiça na terça-feira (31/7). Estima-se que, apenas em 2014, o lucro obtido ilegalmente foi de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão. Na época, as investigações apontaram que a ação do grupo ocasionava um aumento de até 30% no preço do combustível no Distrito Federal, lesando os consumidores.
O MPDFT ofereceu denúncia contra 28 pessoas (confira a lista completa abaixo), entre donos de postos e funcionários das empresas. Nessa terça-feira (31), a 1ª Vara Criminal de Brasília tornou os investigados réus, e os acusados vão responder por organização criminosa e crimes contra a ordem econômica. Eles podem ter de pagar R$ 148 milhões em multas e reparação de danos à ordem econômica.
Confira a lista dos denunciados na Operação Dubai:
Cláudio José Simm – sócio-administrador da rede Gasolline
Marcos Pereira Lombardi (Marcola) – sócio-administrador da rede Gasolline
José Carlos Ulhôa Fonseca – presidente do SindiCombustíveis (à época) e sócio do Posto dos Anões
Antônio José Matias de Sousa – sócio e diretor-executivo da Rede Cascol
Marcello Donelles Cordeiro – administrador da Rede JB
Ulisses Canhedo Azevedo – ex-sócio-proprietário da Rede Auto Shopping
Daniel Alves de Oliveira – sócio da Rede Auto Shopping
Isnard Montenegro de Queiroz Neto – sócio do Posto Petrus
Ivan Ornelas Lara – sócio da Rede São Roque
Rivanaldo Gomes de Araújo – sócio-administrador da Rede Original
Braz Alves de Moura – sócio-administrador da Rede JB
Odilon Roberto Prado de Souza – proprietário administrador da Rede Planalto
Ilson Moreira de Andrade – sócio-administrador da Rede Braga
Marco Antonio Modesto – sócio-administrador da Rede Karserv
Abdallah Jarjour – sócio-administrador dos postos Jarjour
Celso de Paula e Silva Filho – sócio-administrador do Posto PB
Paulo Roberto Marcondes – gerente da Distribuidora Petrobras
Alexandre Bristos Borges – gerente da Distribuidora Ipiranga
Adão do Nascimento Pereira – gerente da Distribuidora Petrobras
André Rodrigues Toledo – gerente da Distribuidora Ipiranga
Marc de Melo Lima – gerente da Distribuidora Raízen (Shell)
Valdeni Duques de Oliveira – supervisor-geral da Rede Cascol
Roberto Jardim – coordenador da Rede Cascol
Cleison Silva dos Santos – gerente da Rede Auto Shopping
José Aquino Neto – coordenador da Rede Karserv
Valnei Martins dos Santos – gerente da Rede Braga
Vicente de Paulo Martins – gerente da Distribuidora Petrobras
Adeilza Silva Santana – supervisora da Rede Original