O delegado responsável pelo inquérito que investiga o presidente Michel Temer (MDB) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) relatório indicando ter havido crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no repasse de recursos da Odebrecht ao emedebista.
Thiago Delabary averigua o acerto de repasse ilícito no valor de R$ 10 milhões durante jantar no Palácio do Jaburu em maio de 2014.
A apuração teve por base o acordo de delação premiada firmado com o Ministério Público Federal pela cúpula da empreiteira: além de Marcelo Odebrecht e Cláudio Melo Filho, os também ex-executivos da empreiteira José de Carvalho Filho, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, Paulo Henyan Yue Cesena e Hilton Silva.
Os investigadores individualizaram a conduta de cada investigado e as irregularidades por eles cometidas (confira abaixo). Agora caberá ao relator do caso no Supremo, ministro Edson Fachin, encaminhar o relatório da PF à Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se apresenta nova denúncia contra o presidente Michel Temer – duas peças acusatórias anteriores formuladas pela PGR contra Temer acabaram arquivadas na Câmara dos Deputados.
Até a última atualização desta matéria, o Palácio do Planalto não tinha se manifestado sobre as conclusões da Polícia Federal. Anteriormente, Temer já havia repudiado as acusações.
Quem foi citado
Wellington Moreira Franco, atual ministro de Minas e Energia:
Teria solicitado R$ 4 milhões a executivos da empreiteira, “valendo-se da função pública e em função dela”. Os valores supostamente foram encaminhados a autoridades do mesmo grupo político.
Eliseu Campos Padilha, atual ministro-chefe da Casa Civil:
Dos recursos solicitados por Moreira Franco, Padilha teria recebido R$ 500 mil, em 14 de maio de 2014, e mais R$ 562 mil cinco dias depois. Em 28 de maio do mesmo ano, segundo a PF, pediu diretamente a executivos da empreiteira, no jantar ocorrido no Jaburu, R$ 10 mil de contribuição ao MDB. À época, Eliseu Padilha era deputado federal e líder do partido na Câmara. Do total, recebeu, pelo assessor Ibanez Filter, R$ 1 milhão: R$ 500 mil em 15 de agosto e mais R$ 500 mil no dia 18 daquele mês em 2014. Ele também teria pedido ao advogado José Yunes “que albergasse” (ficasse de posse dos) recursos pagos pela empreiteira. De acordo com a Polícia Federal, em 4 de setembro, o R$ 1 milhão foi entregue a Yunes.
Michel Miguel Elias Temer Lulia, atual presidente da República e vice à época:
Teria recebido de seu amigo coronel João Baptista Lima Filho, em São Paulo: R$ 500 mil em 19 de março de 2014; R$ 500 mil no dia seguinte; e mais R$ 438 mil em 21/3 daquele ano. Os valores faziam parte dos R$ 10 milhões solicitados por Moreira Franco à Odebrecht. Também seria o “possível destinatário dos valores recebidos por José Yunes em 4/9/2014, em seu escritório de advocacia”, registra a PF no documento encaminhado ao STF.
Eduardo Consetino da Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, preso na Lava Jato:
Teria recebido R$ 500 mil em 1º de outubro de 2014, em São Paulo, por meio de Altair Alves Pinto.
Paulo Antônio Skaf, ex-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo e candidato a governador do estado pelo MDB nas Eleições 2014:
Supostamente recebeu R$ 5.169.160 do total solicitado por Moreira Franco e entregue pela Odebrecht.
José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, o publicitário Duda Mendonça:
Teria recebido R$ 5.169.160 entre os dias 21 de agosto e 30 de outubro de 2014, como pagamento pelos serviços prestados à campanha de Skaf, mas os recursos foram omitidos da prestação de contas do candidato à Justiça Eleitoral.
Ibanez Ferreira Filter:
Supostamente recebeu, “no interesse” de Eliseu Padilha, R$ 1 milhão, sendo metade em 15 de agosto e o resto no dia 18 do mesmo mês em 2014.
João Batista Lima Filho, amigo do presidente Temer:
Teria recebido em nome do então vice-presidente da República: R$ 500 mil em 19 de março; mais R$ 500 mil no dia 20 daquele mesmo mês; e R$ 438 mil no dia seguinte – num total de R$ 1.438.000.
José Yunes, advogado:
Supostamente recebeu, a pedido do ministro Eliseu Padilha e “no possível interesse” de Michel Temer, R$ 1 milhão, em seu escritório em São Paulo, em 4 de setembro de 2014.
Altair Alves Pinto:
Teria recebido, em nome do ex-deputado Eduardo Cunha, R$ 500 mil em São Paulo, em 1º de outubro daquele ano.
Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira:
Conforme consta no relatório da PF, o empresário prometeu durante o referido jantar, em 28 de maio de 2014, a entrega de R$ 10 milhões ao ministro Eliseu Padilha e “ao grupo político que ele representava, visando a posterior obtenção de vantagens”.
Cláudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht:
Nos meses iniciais de 2014, teria providenciado o atendimento do pedido do ministro Moreira Franco, pagando inicialmente R$ 4 milhões ao grupo político, visando vantagem posterior junto à Secretaria de Aviação Civil, então comandada pelo emedebista. Além disso, segundo a Polícia Federal, ele e Marcelo Odebrecht prometeram, no jantar do Jaburu, os R$ 10 milhões solicitados por Eliseu Padilha.
Outro lado
Em nota, o Palácio do Planalto considerou a conclusão do inquérito policial sobre o caso um “atentado à lógica e à cronologia dos fatos”. Segundo o texto, o referido jantar ocorreu justamente para tratar de pedido de apoio formal para as campanhas eleitorais do MDB de 2014, “o que ocorreu dentro de todos os ditames legais” e com todos os registros formalizados junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Agora, sem conseguir comprovar irregularidades nas doações, o delegado aponta supostos pagamentos ocorridos em março como prova dos crimes, ou seja, dois meses antes do jantar”, argumentou a Presidência. Para o Planalto, a apuração “se mostra a mais absoluta perseguição ao presidente, ofendendo os princípios mais elementares da conexão entre causa e efeito”.
Por meio de sua assessoria, o ministro Moreira Franco afirmou não ter participado do jantar no Jaburu, tampouco solicitado qualquer favor a representantes da Odebrecht ou de outra empresa. “A Odebrecht arrematou a concessão do Galeão [aeroporto no Rio de Janeiro] por R$ 19,3 bilhões e não por atendimento de interesses”, disse. Para o ministro, a investigação do caso foi inconsistente.
A defesa do ministro Eliseu Padilha não quis comentar o caso: se for o caso, haverá manifestação nos autos do processo.
A defesa do coronel Lima Filho disse desconhecer o teor do relatório, mas reafirmou a inexistência de prática ou participação do amigo do presidente em atos ilícitos.
Já a equipe de Paulo Skaf sustentou que todas as contribuições de campanha foram devidamente registradas na Justiça Eleitoral, que aprovou sua prestação de contas.