Após o crescimento do candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas pesquisas eleitorais da última semana, a pergunta de ouro da reta final das eleições 2018 é: o ex-militar pode vencer no primeiro turno? A resposta simples é “sim, pode”. Mas qual é a chance de isso ocorrer? Nesse aspecto, políticos e analistas não têm uma resposta única.
O mais recente levantamento do Datafolha, divulgado na quinta-feira, apontou que Bolsonaro tem 39% dos votos válidos – e que há uma distância considerável até o resultado necessário para uma definição em primeiro turno, 50% dos votos válidos mais 1.
Assim, uma vitória de Bolsonaro no próximo domingo depende de uma mistura de fatores, como a intensificação do voto útil antipetista em favor do ex-capitão do Exército e altos índices de votos nulos, brancos e abstenções – matemática que a BBC News Brasil explica nessa reportagem. É difícil, mas possível.
Para a cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que há anos vem estudando a ascensão da direita conservadora no país, há uma clara onda a favor de Bolsonaro às vésperas da votação deste domingo que pode, sim, levá-lo a vencer já no primeiro turno.
Na sua avaliação, vários fatores explicam a recente disparada do candidato nas pesquisas, em uma composição de voto antipetista, antifeminista e evangélico.
Já o cientista político Cláudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), considera que seria necessário uma confluência muito forte para a eleição presidencial já se definir neste domingo.
“É improvável que Bolsonaro seja eleito em primeiro turno. O candidato tem menos de 40% de votos válidos. Seria preciso uma transferência massiva de votos para o Bolsonaro, de todos os candidatos de centro, indecisos, gente que vai anular, tudo para ele. Acho muito difícil isso acontecer”, afirma.
1) Crescimento entre indecisos
Os 39% de votos válidos de Jair Bolsonaro, segundo o Datafolha de quinta-feira, são um patamar baixo para o primeiro colocado de uma disputa presidencial, em comparação com as últimas eleições. Em 2014, também nos dias anteriores ao primeiro turno, Dilma Rousseff (PT) tinha 46% de votos válidos. Em 2010, Dilma chegava a 50%. Nas vésperas de 2006 e 2002, Luiz Inácio Lula da Silva tinha cerca de 48%.
Por outro lado, a intenção de voto em Bolsonaro apresenta uma tendência de alta. Na última sexta-feira, o militar reformado tinha 28% dos votos totais, no Datafolha – o mesmo percentual registrado uma semana antes, o que parecia indicar que ele tinha parado de crescer. Mas, na terça-feira, o instituto apontou que o candidato havia voltado a subir, chegando a 32%. Na quinta-feira, estava com 35% – em válidos, 39%.
Segundo especialistas, Bolsonaro pode ter crescido principalmente entre quem estava indeciso e não declarava voto nas pesquisas anteriores.
“A eleição está muito polarizada. Isso faz com que haja muitos indecisos, até mais tarde do que o normal. Mas, na última hora, as pessoas começam a decidir. A migração de votos para Bolsonaro, que teria que acontecer em algum momento, está ocorrendo agora porque esse é o momento da decisão”, diz Couto.
Uma das faixas em que Bolsonaro mais cresceu nessa última semana foi a das mulheres. Para Couto, isso também pode ser explicado pela migração dos votos de indecisos, já que historicamente as mulheres são as eleitoras que mais demoram para tomar uma decisão.
Para Rosana Pinheiro-Machado, “muitas mulheres que estavam indecisas estão na última hora repetindo o movimento tradicional de seguir votos de pais e maridos”. Bolsonaro tem usado as redes sociais para se colocar como o verdadeiro candidato preocupado com a segurança das mulheres.
O candidato também tem visado aos indecisos no Nordeste e suavizou o discurso antipetista na região. Disse que Lula “tinha tudo para ser um grande presidente”, que “lamenta” que ele esteja “nessa situação”, mas que “ele está colhendo o que plantou”.
Mas a queda no número de indecisos pode estar perto do limite. No final de agosto, 28% do eleitorado não citava nenhum candidato, segundo o Datafolha. Agora, são apenas 11%.
2) Voto útil antipetista em Bolsonaro
Na reta final para o primeiro turno, os apoiadores de Bolsonaro intensificaram esforços para conseguir mais votos para o candidato. Em ato de apoio ao militar reformado na Av. Paulista, em São Paulo, no último domingo, os manifestantes entoaram em coro: “primeiro turno, primeiro turno, primeiro turno”.
A aposta principal dos bolsonaristas para conquistar mais votos é o voto útil antipetista, buscando atrair eleitores de outras candidaturas de oposição ao partido de Lula – principalmente de Geraldo Alckmin (PSDB), João Amoêdo (Novo), Alvaro Dias (Podemos) e Henrique Meirelles (MDB).
Nesse sentido, em grupos de WhatsApp favoráveis a Bolsonaro, circula um áudio com informações falsas, dizendo que as urnas seriam fraudadas no segundo turno, mas não no primeiro. Assim, segundo o raciocínio da mensagem, a única chance de derrotar o PT estaria na vitória em primeiro turno.
Mas como uma possível transferência de votos para Bolsonaro na reta final poderia alterar o quadro das eleições? A BBC News Brasil fez algumas simulações.
Se até domingo Bolsonaro conseguir obter 1 de cada 10 votos de todos os demais concorrentes, além do apoio de 1 de cada 10 pessoas que hoje dizem votar branco ou nulo ou estarem indecisas, ele passaria a ter 41% dos votos totais. Mantendo-se o patamar de votos brancos e nulos mostrados pelo Datafolha, seriam 47% de votos válidos.
Já se a transferência de votos de Alckmin, Amoêdo, Meirelles e Álvaro for maior, de 3 entre cada 10 votos, Bolsonaro ficaria com 44% dos votos totais – e, em votos válidos, estaria muito próximo de vencer no primeiro turno.
Essa migração de votos já vem ocorrendo nas últimas semanas – o que não está claro é se ainda há espaço para mais mudanças de grande magnitude. “Diante da fraqueza de outros candidatos que se contrapõem ao PT, muitos eleitores já migraram para o Bolsonaro no primeiro turno. Alckmin, por exemplo, é um candidato morto”, analisa Pinheiro-Machado.
3) Brancos e nulos favorecem o primeiro colocado
Os votos válidos são todos os votos que são destinados a algum candidato. Ou seja, eles não incluem brancos e nulos.
Vamos usar uma analogia. Imagine uma votação em uma sala de aula com 20 alunos. Desses, 5 resolvem não votar em ninguém e outros 15 escolhem um candidato. Os votos válidos são apenas os votos desses 15. Assim, para vencer em primeiro turno, seria necessário ter a maioria de 15 – no caso, 8.
Mas, se nessa mesma votação 10 alunos resolvessem não votar em ninguém, o total de votos válidos passaria a ser os outros 10. Assim, para vencer em primeiro turno, bastaria a maioria de 10 – ou seja, 6.
O mesmo ocorre nas eleições. Quanto mais votos brancos e nulos, menos votos válidos. E menor o total de votos que o candidato mais bem posicionado precisa ter para vencer no primeiro turno.
Hoje, o percentual de 35% de votos totais em Bolsonaro só seria suficiente para vencer em primeiro turno caso os votos inválidos chegassem a 30%, o que é improvável. Se Bolsonaro subir para 40% dos votos totais, então 20% de brancos e nulos poderiam elegê-lo no domingo – o que também é muito difícil.
No último Datafolha, apenas 6% disseram que pretendem anular ou votar em branco neste domingo, enquanto 5% ainda não tinham definido o voto. Na somatória, é um patamar próximo ao de brancos e nulos visto na eleição de 2014 – 9,6%.
Resultados passados mostram como um alto patamar de votos sem validade pode ser determinante. Em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito presidente em primeiro turno, os votos brancos e nulos alcançaram patamares mais elevados, 18,7%. Isso fez com que os 43,1% dos votos totais recebidos pelo tucano se transformassem em 53,1% dos votos válidos.
Por outro lado, em 2006, Lula, recebeu um percentual maior dos votos totais (44,5%) no enfrentamento contra Alckmin. Porém, como houve menos votos brancos e nulos (8,4%), o petista não obteve a maioria dos válidos (48,6%) e a disputa foi para o segundo turno.
4) Abstenções em áreas petistas
As abstenções (número de eleitores que não comparecem para votar) também podem afetar o resultado das eleições.
Assim como os votos nulos e brancos, elas reduzem o universo total de votos válidos, explica Lucio Rennó, professor-associado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Isso acaba diminuindo o número absoluto de votos necessários para se alcançar a maioria no primeiro turno.
Na eleição à prefeitura de São Paulo em 2016, por exemplo, João Doria (hoje candidato ao governo do Estado) conquistou 35% dos votos do eleitorado paulistano. Como o número de votos brancos e nulos (quase 17%) e abstenções (22%) foi muito alto, o total de votos válidos foi menor.
Assim, os 35% de votos totais viraram 53,2% de válidos e Doria venceu no primeiro turno. Sua votação (3,085 milhões de votos) foi menos expressiva do que a soma de eleitores que anulou ou se absteve (3,096 milhões).
Há ainda outro fator ocorrido na eleição municipal de 2016 que, caso se repita, poderia favorecer Bolsonaro. Em São Paulo, a abstenção foi maior na periferia, que costumava concentrar votos petistas.
Já no país como um todo, Rennó cruzou os índices de abstenção em 2014 e a renda média dos Estados e verificou que o comparecimento costuma ser mais alto conforme aumentam os rendimentos da população.
É justamente entre os segmentos de maior renda que Bolsonaro apresenta seu melhor desempenho nas pesquisas. Já com Haddad, do PT, ocorre o inverso. “O PT vai bem em Estados mais pobres, onde a abstenção pode ser maior. É preciso ficar atento a esse elemento para entender possíveis discrepâncias (entre o resultado da eleição e as pesquisas)”, observa Rennó.
Isso dá pistas sobre como a abstenção pode favorecer Bolsonaro este ano. Mas é difícil estimar qual vai ser o percentual de eleitores que vão deixar de votar, já que as pesquisas de intenção de voto não captam esse fenômeno. Segundo Rennó, nem sempre as pessoas admitem, durante a entrevista, a intenção de não comparecer às urnas.
Há quatro anos, 27 milhões de eleitores se abstiveram (19,4% do total). Já este ano, é possível que o percentual caia devido à expansão do cadastro biométrico para cerca de metade do país. Nesse sistema, o eleitor é identificado por sua digital, além de documento com foto.
Na eleição de 2016, as cidades que já estavam com cadastramento biométrico tiveram 12% de abstenção, contra 19% da média nacional. Uma possível explicação para essa queda é que a atualização do cadastro tenha eliminado casos de eleitores já falecidos, além de ter estimulado outros que haviam mudado de cidade, mas não haviam transferido seu título, a atualizar sua situação.