“Se Adão tivesse tido um bom advogado, a gente ainda viveria no paraíso”. A piadinha, que diverte os portadores de broches da OAB, vai ser posta à prova a partir de janeiro no Palácio do Buriti. Sem exigir o paraíso, os usuários dos serviços públicos pedem para, pelo menos, sair do pesadelo. Dos pesadelos. No plural mesmo.
Há mais de uma década que a precariedade da saúde, do transporte e da segurança lideram os rankings de queixas dos contribuintes, que não enxergam o retorno dos impostos que pagam. Do ponto de vista empresarial, mesmo alvo: o Estado é complicado, detalhista e sobretudo extremamente lento.
De autorizações em liberações passando por formulários e certidões, a impressão que fica é de impedimentos criados pela própria máquina administrativa para justificar seus quadros burocráticos. Uma nova empresa aguarda meses uma autorização de funcionamento porque um determinado requerimento precisa receber carimbo de vários órgãos, ao sabor da disponibilidade e do bem-querer de chefetes em cubículos obscuros. Os 300 mil desempregados do DF não pesam muito diante da necessária assinatura do subchefe de Departamento. Eles esperarão.
Se até um médico (Agnelo) e um historiador (Rollemberg) não deram conta, será que um advogado saberá desatar os vários nós da saúde pública? É verdade que ele também é doutor, por decreto imperial do século retrasado, mas a semelhança para por aí. A organização da própria Secretaria de Saúde já parece um problema que requer cuidados. Acaba sendo o primeiro orçamento do DF, mesmo quando assim não está previsto, após os inúmeros aportes suplementares ao longo do ano. É a segunda mais importante em número de servidores, atrás da área da Educação.
O Governo Agnelo tinha sido de contratações, o de Rollemberg está sendo de estagnação ou ligeira baixa (eram 33.889 profissionais na Saúde em 1º de janeiro de 2015, são 33.170 hoje).
Várias carreiras se encontram na Secretaria, nem todas ligadas diretamente ao mundo da medicina. Se o batido e quase ritual “o problema não é dinheiro, é gestão”, que virou meme para os sucessivos candidatos ao Buriti, for verdadeiro, então Ibaneis já sabe o que procurar no currículo do futuro Secretário: conhecimentos em administração. E sólidos.
Mas o caminho não parece ser esse. Médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos, os “especialistas” brigam para obter lugares na ampla estrutura. Espalhou-se se até que a pasta poderia ser dividida, para contemplar, de um lado, o atendimento primário, de outro a assistência hospitalar. A simbologia do SUS, universal e gratuito, único no mundo com tal amplitude (ele é baseado no sistema inglês, mas este não é tão abrangente) não é discutida, por ser nacional e prevista claramente na Constituição.
Mas os tempos mudaram bastante de 1988 para hoje. A expectativa de vida (e ainda bem) subiu 10 anos em 30, a população ganhou 65 milhões de brasileiros, e os avanços da medicina foram gigantescos (e cada vez mais caros). A concepção ainda é muito centralizada num polo, o hospital, e num profissional, o médico.
Ao longo dos mesmos anos, as categorias profissionais obtiveram avanços no serviço público. O setor de saúde é a área onde hoje há mais diferença entre público e privado para um mesmo profissional. Salário muito maior e jornada de trabalho inferior (exceto para os médicos). É um dos principais argumentos, além da burocracia das regras de licitação pública, que orienta os gestores na busca de profissionais via CLT. O arcabouço legislativo acerca do SUS é extenso, o entendimento judiciário maleável segundo os Estados ou mesmo as Varas, por isso a tentativa de flexibilização das contratações pelo Instituto Hospital de Base esbarra em decisões judiciais.
Foi um dos pontos de discórdia entre o atual e o futuro governador durante a campanha. Enquanto Rollmberg defende o modelo, e pretendia estendê-lo a outras unidades do DF, Ibaneis se mostrava, no mínimo, cético. E chegou a anunciar que a volta do Base ao sistema antigo seria um de seus primeiros atos de Governo.
Uma coisa é certa: enquanto líderes de categoria se acotovelam para ocupar os espaços governamentais, políticos se reúnem para estudar modelos, empresários usam as deficiências de atendimento para criar novos mercados e servidores desmotivados engordam as estatísticas de absenteísmo, a população adoece. Espera. Cansa. Espera ainda. E morre. E só é ouvida a cada quatro anos. Mas aí o diagnóstico é severo. E definitivo.