18/11/2018 às 06h46min - Atualizada em 18/11/2018 às 06h46min

Governo federal dá “garfada” milionária em poupança da UnB

Ministério do Planejamento autoriza retirada de recursos das instituições públicas de ensino superior. No DF, verba pagará aposentadorias

METRÓPOLES

A grave crise financeira que estrangula as finanças do governo federal não para de fazer vítimas. Nos últimos anos, programas, órgãos públicos e as mais variadas instituições têm sido alvo frequente da tesoura oficial. Agora, uma nova medida arrochou ainda mais as reservas de uma área estratégica: o ensino superior público. Só a Universidade de Brasília (UnB) teve R$ 80 milhões “garfados”.

Essa verba – arrecadada pela UnB para o pagamento de parcerias e o investimento em estrutura, como laboratórios e biblioteca – teve a destinação alterada para quitar dívidas de pessoal, como o pagamento de aposentadorias de servidores.

A instituição brasiliense será uma das mais prejudicadas: com R$ 98,9 milhões guardados à espera de destinação orçamentária para investir, perderá quase toda a poupança.

Mas a contingência não se restringe à capital da República. Assim como a UnB, as universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRS) e do Paraná (UFPR) terão grandes perdas. Cada uma será obrigadas a abrir mão de R$ 60 milhões. O total retirado das instituições de ensino superior do país deve alcançar R$ 400 milhões.
 

A novidade, que deixou a comunidade acadêmica assustada, está na Portaria nº 9.420, da Secretaria de Orçamento Federal, que autoriza a mudança de destinação nas fontes de recursos e possibilita que o governo federal faça a transação.

Historicamente, os servidores tinham os salários quitados com verba do Tesouro Nacional, e esse superávit conquistado pelas universidades era usado por elas em projetos. Porém, segundo o Ministério do Planejamento, houve uma frustração da previsão de arrecadação de duas fontes: a de contribuição do servidor e patronal para o Plano de Seguridade Social do Servidor Público.

De acordo com a pasta, o problema foi originado pela não conversão em lei da Medida Provisória nº 805, de 30 de outubro de 2017. A MP postergava reajustes salariais de servidores e aumentava a contribuição do servidor para a Previdência. Como o Congresso não converteu a MP 805 em lei, a norma perdeu eficácia em abril deste ano.

Por essa razão, foi editada a portaria, com “o objetivo final de assegurar às diversas unidades do Poder Executivo federal a disponibilidade de recursos financeiros suficiente para atendimento integral de despesas com pessoal ativo e inativo dentro do exercício de 2018”, justificou o Planejamento.

Veja a íntegra da portaria:

Portaria SOF Nº 9.420, De 14 de Setembro de 2018 by Metropoles on Scribd

 

Entidades lamentam perda de recursos
A perspectiva de perder recursos em instituições já combalidas financeiramente repercutiu nas universidades e nas entidades ligadas ao ensino superior. A UnB, por exemplo, enfrentou uma grave crise este ano e precisou fazer uma série de adequações orçamentárias. Situação que se repetiu em universidades país afora nos últimos meses.

“Entendemos as dificuldades do governo federal com a arrecadação. Estamos conversando bastante, em contato com o Ministério da Educação e o Ministério do Planejamento, mas nossa ‘poupança’ foi arrecadada para determinados fins, não para pagar inativos”, afirmou a reitora da UnB, Márcia Abrahão.

Neste cenário, no qual em vez de investir no ensino superior o governo torna a realidade das instituições ainda mais complicada, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) condenou a portaria do Ministério do Planejamento. De acordo com o secretário-executivo da entidade, Gustavo Balduino, a legalidade da portaria é discutível e fere a autonomia das universidades.

Toda política que se fez nos últimos anos foi para incentivar as universidades a captarem recursos próprios. Quando conseguimos recursos, eles são retirados para outros fins? As universidades estão sendo penalizadas"
Gustavo Balduino, secretário-executivo da Andifes

Segundo Balduino, o chamado superávit é oriundo da verba recebida da organização de eventos como concursos públicos e a captação de dinheiro em geral. O montante destinado a pessoal é de responsabilidade da União.

“Temos um planejamento estratégico a seguir. Se é firmada uma parceria com o Ministério do Esporte, por exemplo, para ser quitada com recursos próprios nos próximos dois meses, como o acordo será pago se o Planejamento retirar o dinheiro antes? Perdemos autonomia”, argumenta o dirigente da Andifes.

Como entidade representativa, a Andifes encaminhou ofício ao Ministério da Educação no qual reprova a mudança de destinação do dinheiro. A associação iniciou ainda a análise de possibilidades jurídicas para que os efeitos da portaria não sejam válidos.

Crise na UnB
Em 2018, a Universidade de Brasília enfrentou grave crise. A instituição chegou a prever um rombo de R$ 92,3 milhões em seu orçamento. No entanto, conseguiu conter o problema com cortes em contratos terceirizados e reajuste nas refeições do Restaurante Universitário (RU). A gratuidade se manteve para os estudantes em vulnerabilidade social, mas houve aumento para os demais alunos.

Os problemas eram fruto da diferença de repasses federais em relação aos gastos. Com a redução de despesas, foi possível equacionar as contas.

Mesmo com todas as dificuldades financeiras vividas pela instituição nos últimos dois anos, a UnB mantinha uma reserva, fruto da arrecadação para recursos próprios. Segundo o último Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal, o superávit era de R$ 98,9 milhões.

Essa verba só pode ser usada com previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA), por isso, não foi colocada como abatimento da dívida. Agora, R$ 80 milhões desse montante devem ir embora, para desalento da reitora.

No início do ano, a universidade informa qual a previsão de arrecadação. De acordo com o previsto, o governo insere no orçamento o que pode ser gasto dentro das prerrogativas da verba. E a universidade segue as diretrizes.

“Contamos com esse dinheiro para investir na universidade, para a compra de livros, construção de laboratórios e honrar os compromissos com os projetos”, disse Márcia Abrahão, acrescentando que a retirada de verba é um desestímulo para que as universidades continuem buscando fontes além dos recursos que recebem do Tesouro.

Relembre medidas adotadas pela UnB para conter gastos em 2018


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