Dinheiro que deveria ser utilizado para melhorar o atendimento na rede pública de saúde do DF foi desviado para reformar mansão em bairro nobre do Rio de Janeiro, onde mora a filha de um dos investigados da Lava Jato, o empresário Miguel Iskin (foto de destaque). É o que consta na denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a qual o Metrópoles teve acesso, no âmbito da Operação Conexão Brasília. Segundo as diligências, durante a gestão do ex-secretário Rafael Barbosa, pelo menos R$ 1 milhão foi destinado de forma ilícita para bancar parte da obra.
O caminho que o dinheiro percorreu foi identificado pelos promotores que apuram o suposto esquema criminoso instalado na saúde pública do Distrito Federal e com ramificações na capital carioca. O prejuízo aos cofres públicos, entretanto, é bem maior: R$ 19.572.732,70. Dezenove pessoas foram denunciadas pelo MP nessa quarta-feira (19/12).
A Conexão Brasília é um desdobramento de operações da Lava Jato ocorridas no Rio de Janeiro que desvendaram esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude à licitação na gestão de Sérgio Cabral. De acordo com os levantamentos, o montante que deveria ter sido investido para melhorar a infraestrutura dos hospitais do DF foi parar em contas bancárias da empresa de fachada AGA Med, que costumava participar das atas de registros de preços para compra de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs).
O dinheiro, segundo a denúncia, seria repassado para a empresa de Engenharia Tempore, responsável pelas obras da mansão de Miguel Iskin, um dos cabeças do esquema fraudulento, conforme mostra a força-tarefa de combate à corrupção na Saúde, que apura o caso.
A denúncia aponta que, em 28 de junho de 2013, quando o secretário de Saúde do DF era Rafael Barbosa – que esteve preso preventivamente após a deflagração da operação –, parte do milhão foi depositada na conta da AGA Med de forma irregular. O dinheiro teria sido triangulado e transferido imediatamente para a empresa que fazia obras na mansão de Júlia Iskin, avaliada em R$ 9 milhões. O imóvel localiza-se no sofisticado bairro do Humaitá.
E-mails trocados
O trabalho de investigação feito pelos promotores interceptou uma série de e-mails trocados entre o pai de Júlia, que mora na propriedade, e funcionários da Tempore Engenharia. Em um dos correios eletrônicos, um funcionário envia a Miguel informações com dois aportes recebidos, um no valor de R$ 394 mil e outro de R$ 643 mil, totalizando R$ 1,3 milhão.
As transferências bancárias, segundo as apurações, ocorreram justamente na época em que a AGA Med recebeu R$ 1 milhão em repasses feitos pela Secretaria de Saúde do DF. “Embora o imóvel esteja em nome de Miguel Iskin, as provas dos autos indicam que a denunciada Júlia Iskin, filha de Miguel, é a verdadeira proprietária do imóvel, sendo que ela, em conluio com o pai, ocultou e dissimulou a origem do imóvel e de seu patrimônio”, diz trecho da denúncia criminal da Conexão Brasília.
Miguel Iskin é investigado em função de fraudes detectadas em contratos na área da saúde celebrados pelo Estado e o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into).
Conforme representação da força-tarefa da Lava Jato, a partir das investigações da Operação Fatura Exposta, órgãos de controle – como o Conselho de Defesa Administrativa (Cade), o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU) – uniram esforços e identificaram um cartel de fornecedores que atuou entre os anos de 1996 e 2017 no Into. A empresa Oscar Iskin, do empresário Miguel Iskin, seria a líder do cartel formado por pelo menos 33 empresas, algumas delas atuando como laranjas das demais, que se organizavam no chamado “clube do pregão internacional”.
O núcleo operacional da organização criminosa era formado por funcionários de confiança da empresa Oscar Iskin. Eles eram responsáveis por fazer a ligação entre o setor público (núcleo administrativo-político) e os empresários cartelizados (núcleo econômico) para direcionar as demandas públicas (insumos médicos a serem adquiridos e cotação de preços fraudada) e as contratações, mediante a desclassificação ilícita de concorrentes que não faziam parte do cartel.
Conexão Brasília
Esquema semelhante teria sido aplicado no Distrito Federal e entrado na mira do Ministério Público, que deflagrou a operação Conexão Brasília em 29 de novembro. Ex-gestores da área, Rafael Barbosa e Elias Miziara (foto em destaque) foram presos, mas acabaram soltos na semana passada.
Barbosa e Miziara comandaram a pasta da Saúde no governo de Agnelo Queiroz (PT-DF). O MPDFT cumpriu 44 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, no Rio de Janeiro e em São Paulo, além de 12 de prisão preventiva. O grupo é investigado por peculato, corrupção ativa e passiva, fraude em licitação e organização criminosa.
O Metrópoles aguarda retorno da defesa de Rafael Barbosa. Os advogados de Miguel e Júlia Iskin não foram localizados pela reportagem. Em nota, Miziara afirma que “toda a trama, espetacularmente desenhada pelo Ministério Público, baseia-se apenas em meras suposições e hipóteses, o que, certamente, será constatado durante a tramitação do processo, sendo injusta, portanto, a pretendida punição, pela maneira cautelosa, cuidadosa, com que ele sempre agiu em todos os anos de relevantes serviços públicos prestados à saúde do Distrito Federal”.
Viagens para o exterior
Ainda de acordo com as investigações,