O governador Ibaneis Rocha (MDB) passou pelo seu primeiro grande teste de fogo desde que assumiu o comando do Distrito Federal. Nessa quinta-feira (24/1), o projeto de lei de autoria do Executivo que amplia o modelo de gestão do Instituto Hospital de Base (IHB) para outras unidades de saúde foi aprovado na Câmara Legislativa. O emedebista comemorou o resultado, mas discretamente, uma vez que precisou recuar muito da proposta inicial.
Se em seu nascedouro o texto versava sobre levar a administração de serviço social autônomo para todas as unidades da rede pública, acabou reduzido pelos distritais a um hospital — o de Santa Maria — e seis unidades de pronto atendimento (Upas). O Palácio do Buriti até tentou negociar a manutenção no PL dos hospitais Regional de Taguatinga (HRT) e do Materno Infantil (Hmib), mas preferiu garantir uma vitória parcial.
A sessão extraordinária foi marcada por tensão. Nas galerias do plenário, Ibaneis foi chamado de “traidor” por um barulhento grupo de servidores. Do outro lado, havia defensores do projeto. No momento de maior tensão, em frente ao prédio do parlamento local, houve confusão e um homem acabou levando um soco no olho.
Base frágil
O resultado na Câmara Legislativa indicou que Ibaneis tem uma base governista frágil. Prova disso é que, após a maioria dos deputados deliberar pelo “sim” à proposta, o presidente em exercício do Avante-DF e um dos principais articuladores do Governo do Distrito Federal (GDF) com o Legislativo, Lucas Kontoyanis, admitiu, em conversa com o próprio Ibaneis, não haver sequer oito parlamentares cegamente fiéis.
João Cardoso (Avante) é citado nos bastidores como um dos distritais em descompasso com o governo. Debutante do parlamento local, em seu primeiro voto como deputado deu de ombros para o projeto governista, embora seja do mesmo partido do vice-governador, Paco Britto.
Outros dois aliados, Rodrigo Delmasso (PRB) e Agaciel Maia (PR) também não contribuíram para uma vitória avassaladora na estreia da relação entre Palácio do Buriti e CLDF em 2019. Isso porque os dois parlamentares estavam ausentes no momento da convocação extraordinária.
João Cardoso, entretanto, minimiza possível rusga com representantes palacianos. “Sempre que tive com o governo foi para sugerir sugestões na gestão, modelos, ferramentas existentes para melhorar os serviços, e fico feliz que estão usando muita coisa que falei”, afirmou.
Quanto ao relacionamento com o governador, considera “bom, apesar de não ter conversado com ele neste ano”. Justificou não ter votado com orientação do Palácio do Buriti por “não ter chegado à CLDF documentos e dados para comprar o modelo de gestão e como ampliá-lo, além da falta de diálogo dos representantes do GDF”.
Por conta do posicionamento oposto ao do partido, João Cardoso foi notificado pelo Avante. “Pode ser uma simples advertência. Como é um deputado de primeiro mandato, nós temos que trabalhar junto, porque é uma pessoa boa, do bem e com certeza estará na base durante todo o governo Ibaneis”, defendeu Paco.
O polêmico projeto
O PL da Saúde também alterou o nome do IHB para Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IGESDF).
Até a proposta passar pelo crivo dos deputados em convocação extraordinária, ou seja, durante as férias, Ibaneis enfrentou críticas dos sindicatos e de órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Distrito Federal (OAB-DF) e dos ministérios públicos Federal (MPF-DF), do Trabalho (MPT-DF) e o de Contas do DF (MPC-DF). Os MPs emitiram recomendação conjunta na quarta-feira (23/1) para pedir que a Câmara Legislativa não votasse a matéria.
Para o líder do governo na Casa, Cláudio Abrantes (PDT), a base superou os problemas. “Com muita dificuldade, foi uma prova de fogo, mas o que importa é que agora demos aos instrumentos para o governador melhorar a saúde.”
Sessão legislativa
A proposta recebeu o aval de 14 dos 22 deputados distritais presentes. Entre os mais próximos ao GDF, apenas João Cardoso e Jorge Vianna (Podemos), de origem sindicalista da saúde, votaram contrários.
Na Câmara desde antes da votação, o vice-governador comemorou o resultado. “Não é alívio para o governo, é alívio para a população. Os deputados viram que o sistema tende a melhorar. Com certeza, com a mudança no Hospital de Santa Maria e nas Upas, vai desafogar as filas, agilizará as compras e o atendimento da população”, disse.
O presidente da Câmara Legislativa e integrante do mesmo partido do Ibaneis, Rafael Prudente, reconheceu a importância do recuo do governo. “O resultado a gente atribui ao diálogo. Fizemos mudanças significativas, garantimos e asseguramos o direito dos servidores e a emenda aprovada que os diretores sejam sabatinados pela Câmara Legislativa.”
Emendas foram apresentadas por um grupo de 13 deputados. Uma delas determinava a divulgação mensal dos relatórios com receitas, despesas, contratos e outros documentos fiscais nos sites da entidade.
A outra diz que a o diretor-presidente do IGESDF deverá ter seu nome previamente indicado pelo governador do Distrito Federal para arguição pública e aprovação da Câmara Legislativa, inclusive no caso de recondução. Assinaram as emendas: Martins Machado (PRB), Daniel Donizet (PRP), Valdelino Barcelos (PP), Reginaldo Sardinha (Avante), José Gomes (PSB), Roosevelt Vilela (PSB), Robério Negreiros (PSD), Rafael Prudente (MDB), Hermeto (PHS), Cláudio Abrantes (PDT), Eduardo Pedrosa (PTC), Jaqueline Silva (PTB) e Iolando Almeida (PSC).
Contrários
A oposição afirma que lutará de outras formas para barrar a mudança na saúde pública do DF. O deputado Chico Vigilante (PT) promete recorrer à Justiça contra a lei agora aprovada. “Vamos entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra esse projeto vexatório que aprovamos hoje. É um texto recheado de ilegalidades e não vamos deixar como está”.
Leandro Grass (Rede), integrante do bloco Independente da Câmara Legislativa, reclamou do posicionamento dos colegas. “Hoje é um dia triste. O dia em que esta Casa se curva a um governador com 24 dias de mandato, se curva a um projeto simplório, sem fundamentação, sem previsão orçamentária e inconstitucional. Afinal, a quem essa Casa serve: ao governador ou à população?”, provocou.
Segurança
A CLDF também aprovou nessa quinta-feira (24/1), por unanimidade e em dois turnos, o PL que institui o serviço voluntário na Policia Civil do Distrito Federal (PCDF). O objetivo dele é reabrir as delegacias de polícia 24 horas por dia. Os 22 deputados distritais presentes votaram favoráveis.
A verba de natureza indenizatória e eventual será concedida aos policiais que, voluntariamente, no período de folga, apresentarem-se ao serviço, conforme regulamentação a ser baixada pelo diretor-geral da PCDF. A gratificação ao policial civil será de R$ 400 por oito horas de turno ou escala de trabalho. O impacto previsto nos cofres públicos para a efetivação da verba extra é de R$ 10,5 milhões por ano.