25/02/2019 às 07h12min - Atualizada em 25/02/2019 às 07h12min

Candidata a federal pelo Pros se recusou a assinar prestação de contas

Candidata pelo Pros à Câmara dos Deputados confirma ao Correio que se recusou a assinar a prestação de contas apresentada pela sigla. Valores descritos pelo partido na documentação, garante, não condiziam com a realidade

METRÓPOLES
 suposto esquema do Pros não se limitou aos concorrentes à Câmara Legislativa, segundo candidatos ouvidos pelo Correio. Alguns dos nove nomes na disputa para deputado federal pelo DF também teriam recebido do partido recursos em material gráfico incompatíveis com a realidade por meio das receitas estimáveis em dinheiro.
 
 

A advogada Lineuda Ferreira de Melo (Lineuda da Sustentabilidade), 62 anos, recusou-se a assinar os valores apresentados pelo partido na documentação que seria enviada à Justiça Eleitoral. “É uma vergonha a forma como o Pros fez. Eles queriam que eu assinasse mais de R$ 200 mil sem ter recebido nada disso. Eles me pressionaram, mas não aceitei”, conta. “Como vou assinar uma prestação dessas se não recebi nada? Queriam dizer que recebi milhares de santinhos e adesivos. Eu defendo a sustentabilidade, que sentido faria, inclusive, usar isso?”, questiona. Até hoje, Lineuda segue sem encaminhar ao TSE o detalhamento dos gastos. Isso porque, segundo ela, não teria condições financeiras de bancar os custos com contadores e advogados.
 
Ela relata, ainda, ter sido enganada durante a campanha com promessas de que receberia valores em dinheiro para custear gastos com mídias sociais. Os contratos, comenta, foram firmados com fornecedores, mas o dinheiro da sigla que seria utilizado para o pagamento jamais chegou. “Eles me garantiram R$ 75 mil. E, depois, negaram, nunca me deram, fiquei endividada”, reclama. As dívidas acumuladas e os empréstimos pessoais de cerca de R$ 20 mil fizeram com que Lineuda fosse diagnosticada com depressão, segundo a filha dela, a consultora empresarial Bárbara Ferreira de Melo, 30. Ela foi responsável por coordenar a campanha da mãe. “Ela se viu assim no meio do processo, como laranja de um partido”, observa.
 

Santinhos e adesivos

Altos valores em receitas em recursos estimáveis também aparecem nas contas do pastor Manoel Xavier e do ex-senador Hélio José. O 99º candidato a federal mais votado — com 13,9 mil votos —, o pastor recebeu R$ 469 mil nessa modalidade de repasse. Segundo a prestação de contas, foram 1,3 milhão de santinhos e 223 mil adesivos. Hélio José ganhou mais de R$ 1 milhão por meio de repasses desse tipo e conquistou 16,5 mil votos (97º colocado). Segundo candidatos ouvidos pela reportagem, o ex-parlamentar sabia do esquema.
 
Correio não conseguiu localizar o pastor Manoel Xavier para comentar o assunto. A reportagem ligou mais de uma vez para a Assembleia de Deus de Brasília, da qual ele é vice-presidente, e deixou recado. Xavier, porém, não retornou as ligações. Hélio José foi contatado via mensagem e por diversas ligações, mas o ex-senador também não retornou até o fechamento desta edição. 


Partido nega 

Por meio da assessoria de imprensa, o Pros afirmou desconhecer irregularidades nos recursos utilizados durante a campanha de 2018. A legenda alegou que a prestação de contas é responsabilidade de cada candidato e que cabe à Justiça Eleitoral, “por meio de seus mecanismos, averiguar a regularidade dos dados apresentados”.
 
A opção pelas transferências diretamente em material, segundo a sigla, tinha como objetivo evitar que candidatos e candidatas aplicassem equivocadamente os recursos. Na divisão dos repasses, o Pros diz que “buscou investir tanto nos filiados já testados nas urnas, quanto em novas caras, de acordo com a indicação, em especial, dos candidatos a deputado federal”.
 
A legenda confirma que o material, quase em sua totalidade, foi impresso em parque gráfico de propriedade da própria sigla, “o que reduziu significativamente os gastos do partido com material gráfico”, acrescenta o comunicado. Ainda de acordo com a assessoria de imprensa, o presidente nacional do Pros, Eurípedes Júnior, desconhece qualquer irregularidade e aguarda, como a legenda, a manifestação dos órgãos competentes.
 

O que diz a lei

A Resolução nº 23.553/2017 — que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições — dispensa a apresentação de recibos e comprovantes para “doações estimáveis em dinheiro entre candidatos e partidos políticos decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral”. O texto diz que essas transferências precisam estar registradas nas despesas financeiras na conta do partido e nas dos candidatos beneficiados. O valor individualizado é apurado com “o rateio entre todas as candidaturas beneficiadas, na proporção do benefício auferido”.
 

Entrevista: Erich Endrillo, desembargador eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral (TRE)

 
Fraudes e irregularidades em prestações de conta podem ser alvo de medidas judiciais tanto no âmbito eleitoral quanto no penal, afirma o juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) Erich Endrillo. Apesar de não poder comentar casos concretos fora da Corte, ele explica as consequências das irregularidades e detalha o modo como as transferências em recursos estimáveis precisam ser comprovadas.


O que pode ser enquadrado em recursos estimáveis?

São materiais de campanha, imóveis ocupados no período eleitoral e serviços prestados — como advocacia e contabilidade. A partir desses usos, estima-se quanto se gastou ou quanto se gastaria com essas questões no caso em que não há recurso financeiro diretamente envolvido, como na doação de prestação de serviços.


Como é a prestação de conta desse tipo de transferência?

A legislação dispensa os recibos e comprovantes para gastos em sede e material gráfico com os candidatos. Então, primeiro, os partidos precisam apresentar uma contabilidade que vai mostrar as saídas. Depois, os candidatos beneficiados com esses valores vão concordar com essa estimativa feita pelo partido para assegurar que teriam recebido esses recursos, confirmando a entrada. Então, esse controle é feito com a apresentação contábil de saída pelo partido e de entrada pelo candidato.


Essa dispensa de recibos não cria uma brecha para irregularidades?

A verdade é que toda dispensa de um documento fiscal deixa um vazio. Todavia, isso, talvez, possa ser minimizado com outros controles. Contabilmente, tudo tem de estar registrado. Não significa necessariamente uma porta aberta para muitas fraudes, porque é preciso essa apresentação de entrada e saída.
 

A utilização de recursos de maneira diferente do que está registrado na prestação de contas pode ter quais consequências?

Teoricamente, se nós constatarmos, numa prestação de contas, que determinados valores ou documentos não correspondem à verdade, as consequências jurídicas disso são várias. Às vezes, existe uma suposta verdade contábil, que, depois de investigações, não se comprova na vida real. Do ponto de visto eleitoral, pode haver desaprovação das contas. Do ponto de vista penal, pode haver, em tese, crime de falsidade ideológica ou algo do gênero. A Justiça Eleitoral tem sido muito atuante nesse sentido, com apoio dos órgãos de controle.

 

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