De um presidente da República, esperam-se grandeza de princípios e capacidade de mediar conflitos. Sem essas qualidades, o titular do Palácio do Planalto perde a capacidade de dimensionar os desafios e de construir soluções negociadas com os diferentes segmentos da sociedade.
Desde que tomou posse no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) demostra certo desprezo por esses atributos. Sem grandeza de princípios, ele age como se ainda estivesse em campanha eleitoral, permanece no ataque aos adversários de 2018.
Sem experiência em mediação de conflitos – ao contrário, ele sempre os estimulou –, o presidente sempre toma partido pelas causas defendidas por seus apoiadores e pelos três filhos com mandatos eletivos: o senador Flávio (PSL-RJ), o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos (PSC) e o deputado federal Eduardo (PSL-SP).
Bolsonaro perdeu esta semana uma oportunidade de demonstrar capacidade para alargar os horizontes de seu governo. Ao vetar a participação da cientista política Ilona Szabó no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o presidente fechou a porta para ideias divergentes em uma área sem soluções fáceis.
Dirigente do Instituto Igarapé, Ilona é uma das maiores especialistas brasileiras em segurança pública e redução de violência. Desfruta de prestígio na área que atua e participa de conselhos públicos voltados para o assunto nos estados. Mesmo que se discorde de suas posições, não se pode ignorar a seriedade e utilidade de seus estudos para a compreensão da complexidade do tema.
O encarceramento desenfreado e sem critérios abarrotou os presídios brasileiros. Em vez de reeducar infratores, transformaram-se em escolas de delinquência controladas por facções criminosas organizadas. Nesse ambiente, quem entra nas cadeias como pequeno traficante ou ladrão de comida tem grande chance de sair na condição de integrante de uma dessa organizações ilegais.
“Vontade louca de sabotar”
As qualidades de Ilona foram vistas pelo ministro da justiça, Sergio Moro, que a convidou para suplente no conselho. Mas revoltaram os seguidores e filhos do presidente. Envolvido com denúncias de ilegalidades e defensor de milicianos, o senador Flávio Bolsonaro disse no Twitter que a cientista política aceitou o cargo por ter “cara de pau” e “vontade louca de sabotar” o governo.
Diante dessas reações, o presidente atendeu a vontade dos agitadores de redes sociais e determinou que Moro exonerasse a cientista política. Nesse caminho, além de desmoralizar o ministro da Justiça, Bolsonaro avançou na direção do isolamento político. Se não abre espaço para quem pensa diferente, fica confinado na bolha de bajuladores incondicionais. Essa posição pode parecer cômoda à primeira vista, porém, tem desdobramentos negativos para a governabilidade.
Ao vetar Ilona, o presidente revela disposição de barrar pensamentos que não se enquadrem nos limites do palanque eleitoral. Além de contrariar os princípios da democracia, que aceita e estimula divergências, essa orientação tem como desdobramento óbvio a redução da capacidade de governar.
Autossuficiência
Para se fazer uma comparação, é como se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando governou o Brasil, tivesse excluído os ruralistas de sua equipe e se apoiasse apenas no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e nos pequenos agricultores.
Se tivesse feito isso, certamente, Lula teria encontrado dificuldades muito maiores para dialogar com o Congresso e para governar o Brasil. Os resultados negativos seriam sentidos por toda a sociedade. O mesmo vale, agora, para Bolsonaro.
Ao se comportar dessa maneira, o presidente deixa a impressão de que a vitória nas urnas lhe deu a sensação de autossuficiência política. Essa impressão não encontra amparo na realidade. Para começar, Bolsonaro depende de composições no Congresso para aprovar propostas como as da reforma da Previdência.
Caso insista em rejeitar peremptoriamente as posições de parte da sociedade, ele logo perceberá que, nesses termos, as relações com o Parlamento ficarão mais difíceis. A menos que esteja disposto a entregar tudo o que deputados e senadores pedem em troca de votos. Talvez seja essa a estratégia de Bolsonaro, mas, se fizer isso, seguirá o caminho do fisiologismo, o que também contraria o discurso de campanha.