07/03/2019 às 07h01min - Atualizada em 07/03/2019 às 07h01min

Tiros e ameaças: PF investiga grileiros em área que abriga Mesa de JK

Região tem relevante importância ambiental e histórica, e passou a ser alvo de invasores de terra nos últimos anos

METRÓPOLES

A região que abriga a histórica mesa de reuniões usada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek durante a construção de Brasília tem sido marcada por disputas que resultaram em pelo menos cinco ameaças de morte nos últimos anos. Criada há duas décadas por meio de decreto, a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Granja do Ipê, no Riacho Fundo II, deveria preservar espécimes típicas do Cerrado, mas se tornou alvo da cobiça de grileiros, como mostrou o Metrópoles em reportagem publicada no domingo (3/3). O caso chegou à Polícia Federal, que investiga as denúncias.

Desde 2012, grupos interessados em manter a gleba intacta travam batalha com invasores que parcelaram e criaram pelo menos 22 lotes irregulares. Um defensor da Arie tentou impedir que um poço artesiano fosse perfurado próximo a uma nascente. Após alguns dias, a casa dele amanheceu com um tiro de espingarda na parede.

Pouco tempo depois, a moradora de uma chácara denunciou à polícia ter sido enganada por grileiros ao pagar por um terreno não passível de comercialização. Não demorou para um misterioso incêndio atingir parte de sua propriedade e destruir um pomar de laranja. “Toda vez que a gente ‘coloca quente’ para cima dos grileiros e não permite que façam o que bem entendem, ameaças começam a ocorrer”, disse um homem que preferiu não se identificar.

 

A reportagem também conversou com um ex-morador que diz ter sido acusado de perseguição por grileiros. “Eles estavam querendo parcelar terras numa área extremamente sensível. Eu denunciei e, no outro dia, a Seops [Subsecretaria de Operações de Segurança] derrubou a estrutura que eles tinham acabado de começar a construir. Tiveram a cara de pau de irem à delegacia para me acusar de perseguição”, conta.

As denúncias de grilagem e ameaças a moradores motivaram a Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (Delemaph) da Polícia Federal a instaurar inquérito para apurar os casos na Arie Granja do Ipê. Segundo lideranças comunitárias da unidade de conservação, agentes da PF voltaram à região, em pelo menos outras duas ocasiões, a fim de colher elementos para subsidiar as investigações. Além disso, dezenas de depoimentos foram colhidos.

A reportagem solicitou à Polícia Federal informações sobre o andamento da diligência. A resposta será acrescida a esta matéria tão logo a corporação enviar o texto.

Veja imagens da Arie Granja do Ipê, no Riacho Fundo II:

 

Audiência pública na CLDF
No domingo (3), o Metrópoles mostrou que a poligonal de 1.143,82 hectares é protegida por diversas legislações ambientais e sofre com as invasões. Pela estrada de chão, o único sinal visível das ocupações clandestinas são arames que cercam uma extensa área pública de propriedade da União. É pelo alto que se tem a dimensão do estrago produzido no meio ambiente.

O drone do portal sobrevoou o local e detectou a construção de casas que colocam em risco importantes cursos d’água, como o Córrego Capão Preto, que passa sob a Mesa de JK. Ele desemboca no Córrego Ipê Coqueiro, que, por sua vez, deságua no Córrego Riacho Fundo, sendo este o último afluente do Lago Paranoá.

Após a reportagem, o deputado distrital Leandro Grass (Rede) conversou com lideranças da Arie da Granja do Ipê e anunciou que, nos próximos dias, irá propor uma audiência pública na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) a fim de debater soluções para a região.

“É um local muito importante do ponto de vista ambiental e histórico. É preciso que esse tema faça parte da agenda pública do Executivo e do Legislativo, pois já vimos que, no passado, a grilagem ali contou com a conivência de agentes públicos. É preciso verificar se isso não continua a ocorrer”, destaca o parlamentar.

A coordenadora do Movimento Diálogos da Arie Granja do Ipê, Regina Fittipaldi, pretende reunir a comunidade nos próximos dias com o objetivo de discutir estratégias para preservar a unidade de conservação. “Temos percebido que, apesar de todos os esforços, a área ainda está muito vulnerável. É preciso levantar essa questão urgentemente”, diz Fittipaldi, que também é pró-reitora de Meio Ambiente da Universidade da Paz (Unipaz).

Ex-coordenador da Casa Civil
Uma das maiores ocupações clandestinas da Arie da Granja do Ipê tem pelo menos seis hectares. Ela pertence a Ana Maria Cardoso de Moura, mãe de Luiz Franklin, que foi coordenador adjunto da Coordenadoria de Cidades da Casa Civil no governo de Agnelo Queiroz (PT).

Para não chamar atenção dos fiscais, o acesso se dá por meio de uma estrada improvisada. No trajeto pela trilha, é possível ver que uma parte da mata foi cortada para abrir espaço aos veículos. Ana Maria e Luiz Franklin têm autorização para ocupar o local como produtores rurais, mas, nos últimos anos, fracionaram parte da gleba e venderam lotes.

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