11/03/2019 às 07h36min - Atualizada em 11/03/2019 às 07h36min

PM compra material para perícia em drogas e causa atrito com a PCDF

A corporação licitou 2.520 testes que permitem fazer análise preliminar em entorpecentes. O recurso empregado foi de R$ 337,8 mil

METRÓPOLES

Uma recente aquisição da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) promete, segundo a corporação, dar celeridade às ocorrências relacionadas ao tráfico de drogas. No entanto, a compra de 2.520 caixas de testes rápidos para identificação de entorpecentes como maconha, cocaína e MDMA também resultou em novo embate com a Polícia Civil (PCDF) – que se manifestou contrária à iniciativa por alegar que os exames infringem a legislação e podem atrapalhar as investigações.

Ao total, a PMDF pagou R$ 337,8 mil pela licitação dos materiais, conforme publicado na edição de 14 de fevereiro do Diário Oficial do Distrito Federal (DODF). São duas mil caixas de testes para maconha e haxixe no valor unitário de R$ 132; 260 caixas de identificação preliminar de cocaína e crack por R$ 140 cada, e mais 260 para drogas sintéticas a R$ 140 a unidade. A fornecedora é a Teclab da Amazônia Comércio de Equipamentos e Materiais.

 

Segundo a PMDF, promotores do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) indicaram o uso dos kits de verificação de drogas para “agilizar o processo, diminuir o trânsito e a permanência por horas de equipes em delegacias, desguarnecendo a sociedade”.

A Embaixada dos Estados Unidos doou, em dezembro de 2017, 500 kits à PMDF. A corporação explicou que os policiais militares foram capacitados com treinamento específico para confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) – documento utilizado em crimes de menor potencial ofensivo – e usar os itens. Além disso, nova capacitação mais aprofundada para a aplicação dos exames vem sendo implementada.

Apesar de garantir que o processo dará celeridade aos trabalhos, a PMDF esclareceu que, mesmo se a análise preliminar apontar resultado negativo para droga, o suspeito sempre será levado para a delegacia. “Essa compra é para garantir as próximas lavraturas. Em caso de negativa no exame, os suspeitos são encaminhados à delegacia para teste mais criterioso. Na audiência de custódia, esse material é encaminhado ao Judiciário, que determina perícia oficial”, diz a nota assinada pela corporação.

A compra dos testes foi divulgada em 14 de fevereiro no DODF

 

Divergência
O diretor da Divisão de Comunicação (Divicom) da PCDF, Lúcio Valente, pondera que existem profissionais especializados para realizar os testes. Isso porque o artigo 159 do Código de Processo Penal (CPP) diz que o exame de corpo de delito e outras perícias devem ser realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. Além disso, o delegado alega que o procedimento da PMDF pode comprometer as investigações.

O problema mais sério é a quebra da cadeia de custódia. Para fazer o teste, é preciso pegar uma amostra do material e aplicar um líquido químico. Depois que a apreensão é manipulada ou exposta a componentes externos, a perícia não pode mais afirmar que a aquele é o mesmo produto que estava com o suspeito"
Delegado Lúcio Valente

De acordo com o diretor da Divicom, nem mesmo os agentes de polícia ou delegados podem realizar o exame. “A Polícia Civil tem laboratório e especialistas capacitados legalmente responsáveis por fazer tanto o teste preliminar quanto uma análise mais complexa”, destacou Valente. Ele ressaltou ainda que a compra dos itens pode resultar no desperdício de recursos público, uma vez que o procedimento terá de ser refeito pela PCDF de qualquer forma.

Dados do Departamento de Polícia Técnica (DPT) da Polícia Civil mostram discrepância nos valores dos produtos adquiridos pelas duas corporações. Segundo o órgão da PCDF, o teste colorimétrico utilizado para a identificação preliminar de maconha pela corporação é o “Sal de Fast Blue B”. Cada um custa R$ 0,62. A unidade adquirida pela Polícia Militar é 82% mais cara. Ainda de acordo com o departamento, para a constatação preliminar de cocaína, o adotado pela Civil é o “Tiocianato de Cobalto” e cada teste tem o custo de R$ 0,28, enquanto a PMDF comprou por R$ 14.

O presidente da Associação Brasiliense de Peritos em Criminalística (ABPC-DF), Thiago Assis, acredita que a decisão da Polícia Militar gera instabilidade jurídica, uma vez que desrespeita o Código de Processo Penal. “A PMDF está desrespeitando o CPP e uma ordem judicial do Tribunal de Justiça do DF, que exigiu a realização de exames preliminares de drogas pelos peritos da PCDF, mesmo quando da lavratura de TCOs”, pondera.

Assis frisou que ainda existe a questão da confiabilidade do fabricante do kit. “Algumas marcas já utilizadas pela PMDF não foram escolhidas pela PCDF por sabidamente (experiência laboratorial) apresentarem problemas com falsos positivos e falsos negativos”, ressalta. “Além disso, não vemos como adequada a realização do exame no local da apreensão, tendo o risco de contaminação”, pontua.

“É provável que a realização de exame preliminar em substância apreendida, quando não realizada pelo perito oficial, ou mesmo a ausência de laudo definitivo, gere a nulidade do processo e, consequentemente, a impunidade”, adverte o presidente da ABPC-DF.

Legislação
Com base no artigo 159 do CPP, na falta de perito oficial, “o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo”.

A Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/06) também fala sobre o procedimento. O texto permite que a materialidade dos crimes seja inicialmente comprovada por um “laudo de constatação” elaborado por peritos. “Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.”

TCOs
Este não é o primeiro desentendimento referente a atribuições legais entre as polícias. Desde 2016, a Polícia Civil vem se manifestando contra o registro de termo circunstanciado pelos militares.

No dia 15 de setembro de 2016, a PM registrou o primeiro TCO sem passar por uma delegacia. O caso ocorreu no Guará, depois que um motociclista fugiu de uma barreira policial. À época, policiais civis sugeriram responsabilizar criminalmente os militares que insistissem em fazer o procedimento.

Apesar da resistência da coirmã, os militares conseguiram consolidar a atuação com o TCO no Distrito Federal. No carnaval deste ano, a PMDF montou um posto no centro da capital da República. Durante os quatro dias de festa, a corporação registrou 145 termos: 38 ocorrências de arma branca; 92 de uso e porte de substância entorpecente; outras 14 por uso de drogas e porte de arma e uma de injúria.

 


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