Os desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) se reúnem nesta terça-feira (19/3) para analisar o pedido de cassação contra o distrital José Gomes (PSB). O deputado é acusado de abuso de poder econômico e coação de funcionários da empresa Real JG Serviços Gerais para votarem nele em outubro de 2018. As denúncias foram reveladas pelo Metrópoles, em julho do ano passado, quando 12 empregadas foram demitidas após se recusarem a apoiar a candidatura do patrão.
O processo está sob a relatoria do desembargador Waldir Leôncio, que analisa depoimentos e áudios que comprovariam a intimidação aos trabalhadores. O Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu ao magistrado a cassação do mandato do deputado distrital e a suspensão dos direitos políticos dele por oito anos.
Para o MPE, “há comprovação robusta e contundente da concretização de ações que denotam emprego nocivo de recursos patrimoniais geridos ou controlados por agente com a finalidade de afetar a legitimidade e a normalidade do pleito em benefício do candidato”. No entendimento do órgão, a atitude comprometeu a lisura do processo eleitoral.Caso seja condenado, José Gomes será afastado automaticamente do cargo até análise do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a menos que consiga, na Corte superior, a concessão de um efeito suspensivo. Em seu lugar assumiria a ex-distrital e hoje suplente Luzia de Paula (PSB).
“Odioso processo de assédio”
De acordo com o procurador-regional eleitoral José Jairo Gomes, a campanha de José Gomes resultou em “odioso processo de assédio e coação”.
“A exauriente dilação probatória evidenciou que os empregados da empresa Real JG Serviços Gerais, desde o instante em que o réu lançou-se pré-candidato ao cargo de deputado distrital, foram submetidos a odioso processo de assédio e coação para manifestarem seu apoio político em favor daquela candidatura e trabalharem por sua eleição, sob pena de virem a sofrer prejuízos em suas relações de emprego”, afirma o procurador, em documento datado de 12 de fevereiro de 2019.
O MPE demonstrou estranheza quanto ao expressivo número de votos obtidos pelo deputado distrital José Gomes. A representação questiona como um novato na política, sem exposição nos meios de comunicação, teria condições de alcançar a marca de 16.537 votos em sua primeira tentativa. Para o Ministério Público, o fato seria decorrente de sua força sobre os mais de 10 mil empregados que Gomes mantém em sua empresa.
Áudios
O pedido de cassação levou em conta áudios revelados pelo Metrópoles e o testemunho de, pelo menos, 19 pessoas. As primeiras denúncias haviam sido feitas anteriormente por funcionárias demitidas da empresa depois de se negarem a apoiar o empresário. Recentemente, elas foram reintegradas à firma, por determinação da Justiça do Trabalho.
O encontro teria ocorrido dentro da sede da empresa de José Gomes, no Núcleo Bandeirante, com funcionários mais antigos, no início de julho. Na gravação, Douglas Ferreira Laet, primo do distrital, afirma ter como fiscalizar quem são os funcionários que votarão ou não no empresário.
“Então, só para deixar claro: eu tenho o Título de Eleitor de vocês. Sei a zona eleitoral aonde vão votar, sei quem vai trair e quem não vai trair a Real, o senhor José Gomes. Sei quem vai dar tapinha nas costas e sei quem, no dia, não vai estar [na votação]. Porque se naquela zona 10 têm que votar e só votarem nove, alguém ficou de fora”, afirma Douglas.
Nova ameaça
Em uma segunda gravação, Douglas explica aos funcionários que deputados distritais costumam pedir vagas para acomodar aliados na Real JG. E ressalta que, para contratar os indicados políticos, é necessário demitir pessoas do quadro.
“Para eu contratar alguém deles, tenho de mandar alguém embora. Será que alguém [de vocês] pode sair para eu dar [a vaga]? Se alguém quiser sair, posso trocar com eles. O que eles estão pedindo aqui é o emprego de vocês. O único que deu é o José Gomes. Vocês podem olhar no contracheque de vocês que é a Real JG que paga”, alerta Douglas Laet.
A empresa
A Real JG tem contratos com órgãos dos governos local e federal, sendo o da Secretaria de Educação do DF um dos maiores da empresa. De acordo com a própria direção, a companhia possui cerca de 10 mil empregados.
Em outubro do ano passado, depois de ter sido eleito, a empresa foi transferida para a irmã do distrital, Luciana Ferreira Góis. Recentemente, ela entrou em uma licitação para a contratação de recepcionistas no valor de R$ 553.232,16. A empresa ficou na 24ª colocação, entre cerca de 90 concorrentes, mas, após denúncia do Metrópoles, a assessoria jurídica do distrital pediu a saída da Real JG da concorrência, por conta de irregularidades.
Primo de segundo grau
As polêmicas envolvendo o distrital não param por aí. O filho de Douglas Ferreira Laet – o mesmo dos áudios, homem de confiança e primo consanguíneo de José Gomes –, Douglas Bruno Gonçalves de Laet, foi nomeado na Comissão Permanente de Licitações (CPL) da Câmara Legislativa.
A unidade é responsável por contratações de interesse da própria empresa da família do deputado. No início deste mês, a Real JG – que pertencia a José Gomes e agora está no nome da irmã do distrital, Luciana Ferreira Góis – tentou abocanhar um contrato de R$ 553.232,16 da Casa destinado à contratação de recepcionistas.
Na Comissão Permanente de Licitações, Douglas Bruno realiza atividades burocráticas, mas ele revelou que, a partir desta semana poderá trabalhar como pregoeiro. Ele participará de um curso para poder executar a função na CLDF. Dessa forma, o primo de José Gomes será responsável por conduzir os processos para contratação de empresas e serviços, realização de obras e aquisição de itens para a Casa.
Justamente em um procedimento desses, conforme revelado pelo Metrópoles em 2 de março, a Real JG Serviços Gerais entrou para disputar a contratação de recepcionistas. No dia seguinte à publicação da matéria, a empresa retirou sua proposta, que ocupava a 24ª colocação na classificação. A direção foi orientada pelo gabinete do próprio parlamentar a deixar a concorrência, por configurar irregularidade.
O jovem nega ter sido indicado pelo primo e ex-chefe do pai. “Não tenho relação com a família por parte de lá. Como me disseram que eu era parente de quinto grau, não vi problema”, afirmou à reportagem.
Procurada, a assessoria do distrital ressaltou que não há relação de parentesco entre o deputado José Gomes e Douglas Bruno Laet que o impeça de ser nomeado na Câmara Legislativa, e que o rapaz tem a qualificação e formação necessárias para ocupar o cargo.
“O referido servidor não é responsável por atos praticados por seu pai e nem tem ingerência à frente de qualquer ato decisório sobre procedimentos que importem em impedimento ético e moral perante a Casa”, informou.