Está marcada a data para a burocracia local ocupar o prédio do Centro Administrativo do GDF (Centrad): 12 de abril de 2019. O governo optou pelo início da mudança no prazo de 10 dias, numa atitude de confronto ao ordenamento jurídico, contrário à transferência de pessoal para o complexo localizado em Taguatinga. Existem hoje 60 processos que tratam do tema, apontamentos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e recursos do consórcio formado pela Via Engenharia e Odebrecht sem o desfecho em primeira ou segunda instância.
Entre os impedimentos, está a pendência do Habite-se, uma certidão que autoriza o início do uso ou ocupação efetiva de construções. A promotora Raquel Tiveron afirmou ao Metrópoles que o Ministério Público vai agir em caso de ocupação irregular: “O Habite-se está diretamente relacionado à segurança dos ocupantes do empreendimento. Além disso, a falta desse documento impede a averbação do imóvel no Cartório de Registro e a emissão de alvará de funcionamento”.
A certidão apresentada pelo então governador Agnelo Queiroz (PT), à época da inauguração da obra – 31 de dezembro de 2014 –, acabou cassada no ano seguinte. A alegação do MPDFT, acatada pela Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, foi a de que não houve o cumprimento de todos os pré-requisitos legais. Em abril de 2017, o juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros manteve a decisão.
Outro entrave para a transferência do Buriti a Taguatinga, desta vez remanescente da gestão Rodrigo Rollemberg (PSB), é o pedido de nulidade do contrato com o consórcio (de 2017) feito pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal, que observa o viés jurídico dos assuntos de interesse do Distrito Federal.
O argumento da PGDF ao ingressar com a Ação Civil Pública de Declaração de Nulidade e Ineficácia da Cláusula Arbitral é a de que se trata de “vício insanável já no nascedouro da avença entre as partes”, “questão de corrupção massiva”.
A peça baseia-se em delações premiadas do alto escalão da Odebrecht na Lava Jato. As denúncias foram de fraudes e pagamento de propina durante a construção do Centrad.
“O contrato não foi respeitado pela concessionária responsável pelo Centrad, sendo aplicável a execução dos termos não cumpridos, pois os prédios jamais tiveram condições de abrigar órgãos públicos do DF, além de ter incorrido clara nulidade da licitação e do contrato por conta de confessada corrupção perpetrada pela Odebrecht, que teve participação da Via Engenharia”, diz trecho do documento produzido pela Procuradoria-Geral do DF.
O caso é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), que, em resposta à reportagem, disse não comentar apurações em curso.
Expectativa de direito
A construção do Centrad pelo consórcio formado entre as empreiteiras gerou dívida com a Caixa Econômica Federal e o Santander. As empresas pegaram um empréstimo para erguer a obra. Hoje, esse passivo é altíssimo e pode chegar a R$ 1,5 bilhão, segundo reclamam Odebrecht e Via. O governo, contudo, estima que o valor seja da ordem de R$ 724 milhões.
De acordo com juristas ouvidos pelo Metrópoles, o movimento do GDF em iniciar a mudança do Buriti ao Centrad vai gerar uma expectativa de direito ao consórcio credor, que, apesar de todos os questionamentos judiciais, ganhará força para arrancar dinheiro do governo. Situação, até agora, freada pelos órgãos de controle.
Sobrestamento
Em paralelo aos processos que correm no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o Centrad também é objeto da averiguação do Tribunal de Contas local.
A pedido do Ministério Público, o TCDF iniciou a análise de supostas irregularidades em torno das garantias previstas no contrato. Porém, a avaliação da matéria encontra-se, segundo a própria Corte de Contas, suspensa até que haja um desfecho na Justiça comum.
Além do emaranhado jurídico no qual o Centrad está assentado, há uma questão de ordem financeira ainda sem clareza. Uma das ponderações que inibiram a mudança para o complexo durante a gestão de Rollemberg foi o argumento levantado pelo próprio governo, por meio de estudo da Secretaria de Planejamento: a transferência seria mais cara do que a manutenção dos aluguéis pagos pelo GDF.
E o custo benefício?
No ano de 2017, o governo chegou a apontar que a mudança custaria prestação mensal de R$ 22 milhões, enquanto os aluguéis dos prédios somavam R$ 6,5 milhões. A gestão Ibaneis Rocha (MDB), no entanto, contesta a avaliação. Como pretende comprar a estrutura, não assumiria as mensalidades do consórcio.
Em contrapartida, o governo terá de pagar pelos serviços de segurança e limpeza, além do financiamento da aquisição do próprio imóvel. Ibaneis tem dito que aceita pagar até R$ 544 milhões pelo Centrad, parcelado em 24 anos, a juros previstos de 6,75% ao ano. Somada a essa cifra, só de mobiliário, há uma estimativa de gastos da ordem de R$ 100 milhões. Uma conta difícil de fechar em alinhamento com a austeridade.
Governo fala
Segundo o secretário de Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão do GDF, André Clemente, a mudança será feita independentemente do andamento processual. “Se ficar esperando por esse desfecho, não iremos para lá nunca”, frisou.
Conforme pontuado por Clemente, há um termo de acordo negociado para que o GDF não pague imediatamente pela ocupação do complexo. O documento prevê a isenção da cobrança até a conclusão das tratativas de venda do imóvel para o governo local.
Se o Buriti fizer a mudança em 12 de abril, os servidores entrarão no complexo de 182 mil metros quadrados sem mobiliário, internet ou telefonia. Essa parte, segundo acordo firmado com o Centrad, já seria de responsabilidade do Executivo.
Quanto à questão da estrutura, o secretário André Clemente afirmou ainda a pretensão de remanejar contratos que ofereçam os serviços de comunicação.
“Não vamos levar 500 pessoas já no dia 12. Será gradativo. Primeiro, iremos com o gabinete do governador, do vice-governador, a Casa Militar e a Casa Civil, além da Secretaria de Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão. Temos uma equipe trabalhando nessa logística. Existem contratos em vigor que podem ser remanejados para o Centrad”, esclareceu Clemente.
A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) informou, por meio de nota, que está tomando providências “para a análise do Habite-se”.
A concessionária do Centro Administrativo do DF comunicou que está em negociação com o governo e, portanto, não vai comentar o caso.