Dois condenados por roubos que ainda cumprem prisão domiciliar foram nomeados para cargos comissionados na Administração Regional de Taguatinga, no Distrito Federal. As contratações de Erik Adriano Alves dos Reis e Valmá Ventura de Sousa foram publicadas em janeiro deste ano.
O primeiro assumiu como chefe da Gerência de Execuções de Obras. O segundo trabalha como assessor técnico da Coordenação de Desenvolvimento da administração.
De acordo com a Lei da Ficha Limpa, quem foi condenado por crime contra o patrimônio fica inelegível. Segundo a Lei Orgânica do DF e a legislação federal, quem se enquadra nesta situação de inelegibilidade também fica proibido de assumir um cargo de confiança. A pessoa só poderia ocupar um cargo oito anos após terminar de cumprir toda a pena.
Questionado, o governo disse que vai "analisar a situação e tomar as devidas providências legais" ( veja ao fim deste texto as explicações do GDF ).
De acordo com o Tribunal de Justiça, Erik Reis foi condenado por sete crimes. Um deles é posse de arma e seis são roubos, envolvendo a ajuda de um comparsa ou algum refém. Um dos assaltos ocorreu em uma padaria no Guará.
A pena total é de 43 anos e 9 meses de prisão. Ele começou a cumprir a sentença no regime semiaberto em 2003. Ainda faltam 28 anos de pena, agora no regime aberto. Ou seja, só terminaria de cumprir a pena em 2045 e só poderia assumir o cargo em 2053.
Em 14 de janeiro, porém, Erik Reis foi nomeado chefe da Gerência de Execuções de Obras da administração. O salário é de R$ 2.937,71. O G1 não localizou a defesa dele.
Extrato da pena de Erik Reis — Foto: Reprodução/TJDF
Ainda segundo o TJ, Valmá Sousa foi condenado por seis crimes. Na ficha dele, há um caso de roubo à mão armada, porte de arma, um furto e três ocorrências de receptação.
Somando tudo, foi condenado a 11 anos de prisão. Ele começou a cumprir a sentença em 2007. Ainda falta 1 ano e 11 meses de pena.
A nomeação dele no governo saiu em 21 de janeiro. O cargo dele é de assessor técnico da Coordenação de Desenvolvimento da administração, com salário de R$ 1.278,01. O G1 também não localizou a defesa dele.
Extrato da pena de Valmá de Sousa — Foto: Reprodução/TJDF
No regime aberto, os presos têm que submeter a uma série de exigências. Entre elas, a de permanecer em casa das 21h às 5h, de não frequentar bares e de não sair do DF sem avisar a Justiça.
Uma outra regra, porém, envolve não ter contato nenhum com outro preso. Neste caso, no entanto, os dois trabalham juntos no mesmo local: a administração de Taguatinga.
“Nunca andar em companhia de pessoas que se encontrem cumprindo pena, seja em regime aberto, semiaberto, fechado, ou livramento condicional, mesmo estando autorizadas a sair do presídio”, diz a legislação.
Se a Justiça confirmar que houve desrespeito às exigências, o preso pode regredir de regime. Ou seja, pode voltar do regime aberto para o semiaberto.
O governo apresentou duas respostas ao G1. A primeira partiu diretamente da administração de Taguatinga, que argumentou que Erik Reis começou a trabalhar em meio a um programa de reintegração de presos e que não será exonerado por ser um servidor exemplar.
"O servidor Erik Adriano Alves dos Reis presta serviço à Administração Regional de Taguatinga desde março de 2012, portanto, há sete anos, por meio do programa Reintegra Cidadão, via Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). Ele não será exonerado, uma vez que tem realizado trabalho exemplar. Não há registro de qualquer ato que desabone sua conduta. Já Valmá Ventura de Sousa foi nomeado, mas não tomou posse do cargo no período legal", disse a administração.
A administração não respondeu se Erik Reis continua ligado à Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso. Tampouco encaminhou alguma publicação mostrando que Valmá de Sousa foi exonerado e desligado do governo.
Após novos questionamentos do G1, o governo disse que essa resposta não estava alinhada com a assessoria de comunicação do Palácio do Buriti, que encaminhou outra nota.
"O Governo do Distrito Federal informa que o referido servidor trabalha na Administração Regional de Taguatinga desde março de 2012. Ainda assim, o GDF irá analisar a situação e tomar as devidas providências legais."
Já a Funap afirmou que "atua basicamente na capacitação profissional dos presos, ao firmar contratos de prestação de serviço com órgãos públicos e empresas privadas ofertando mão-de-obra de interno em cumprimento de pena preferencialmente em regime semiaberto, não fazendo qualquer tipo de indicação para nomeação em cargo em comissão".
O órgão informou ainda que Erik Adriano Alves dos Reis, "está desligado do convênio com a Funap desde 29/01/2018, diferente do outro colaborador, Valmá Ventura de Souza, que é reeducando da Administração de Taguatinga".
Por fim, a Funap conformou que "um dos requisitos básicos para investidura em cargo público, no qual se inserem os dois nomes em questão, está o gozo dos direitos políticos", ao esclarecer que os dois presos não estão em condições de serem nomeados. Na prática, ao citar a lei, a nota da Funap desmente a administração de Taguatinga.
Para especialistas ouvidos pelo G1, a justificativa da administração não se encaixa na lei. Segundo eles, o fato de um preso estar em ressocialização não o isenta das demais regras.
"De um ponto de vista legalista, a lei é clara neste sentido: não pode nomear. A lei diz oito anos após o cumprimento total da pena", afirmou o advogado especialista em direito penal Ivan Morais Ribeiro.
Professor explica que preso não pode assumir cargo comissionado no GDF
"A crítica não é quanto à contratação de alguém que precisa ser ressocializado. A questão é que a regra é clara. Não estão assumindo qualquer cargo na administração, e sim um cargo de confiança, em desacordo com as determinações legais e regulamentações do DF", afirmou o professor de direito penal Victor Hugo Lima, da Universidade Católica de Brasília.
O professor lembrou ainda que a lei exige que o governo faça um pente-fino sobre os possíveis impedimentos de cada servidor assim que ele toma posse no cargo comissionado.
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