17/04/2019 às 07h40min - Atualizada em 17/04/2019 às 07h40min

Randolfe quer fim do sigilo de processo que efetiva afilhados de Alcolumbre no Senado

Ao falar do assunto, presidente da Casa foi lacônico: “Não tentei efetivar ninguém”. Tema foi debatido entre congressistas nessa terça

O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se pronunciou na noite dessa terça-feira (16/04/19) sobre a tentativa de emplacar dois apadrinhados sem concurso público no quadro permanente da Casa, conforme revelou o Metrópoles. Sucinto, o democrata garantiu: “Não tentei efetivar ninguém, não diga isso”, afirmou, esforçando-se em colocar um ponto-final no assunto. No entanto, a denúncia repercutiu entre os congressistas.

Um dos principais articuladores da vitória do representante amapaense ao posto mais importante do Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou que pedirá a quebra do sigilo do processo que beneficia diretamente o chefe de gabinete da Presidência do Senado Federal, Paulo Augusto de Araújo Boudens, e o secretário parlamentar Luiz Carlos Kreutz.

Os dois desejam ser efetivados no quadro funcional da Casa em pedido que corre sob sigilo desde 2015. Sob o número 00200.004127/2019-60, o processo era para estar em segredo, não fosse uma falha registrada no sistema eletrônico. Embora ainda em fase de tramitação, a matéria já percorreu diversas instâncias, incluindo a Diretoria-Geral, a Secretaria-Geral de Pessoas, a Advocacia-Geral e a até mesmo a Presidência do Senado Federal.

Eu preciso que o presidente [Alcolumbre] me explique a origem desse ato. Em princípio, tem uma flagrante impossibilidade. Não é possível alguém ingressar no serviço público que não seja por um curso de provas e títulos. A Constituição é claríssima nisso. É algo tão exagerado, tão excessivo, que eu não quero acreditar que tenha se passado em algum momento como uma possibilidade. A primeira providência é que todos tenhamos acesso à íntegra desse processo sigiloso"
Senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP)

Vice-líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, a deputada federal Erika Kokay destacou que a sigla ingressará com uma representação na Comissão de Ética Pública para apuração dos fatos revelados pela reportagem.

Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) afirmou ser preciso investigar todas as denúncias. “Esse é um processo administrativo em tramitação. Obviamente, se houver qualquer ato ilegal que o favoreça, haverá controles interno e externo para restaurar a legalidade”, completou.

“A sensação é que tratam da coisa pública como na época da dinastia, quando pegavam o público e usavam como se privado fosse, apenas para beneficiar algo do próprio interesse. Isso é uma afronta à Constituição, que versa em seus artigos a exigência de concursos públicos para o ingresso no serviço público”, criticou a petista.

Izalci cita Rollemberg
Vice-líder do governo no Senado Federal, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) ponderou o fato de não ter pedido explicações ao presidente Davi Alcolumbre, mas lembrou que o histórico da Casa é marcado pelo “trem da alegria”, que, inclusive, beneficiou o ex-governador do DF Rodrigo Rollemberg (PSB).

“O presidente deve ter sido pressionado pelos servidores e eles, provavelmente, solicitaram para que fosse verificada a possibilidade de efetivá-los. Acredito que o Alcolumbre deve ter colocado em sigilo para uma consulta à diretoria, a fim de evitar o desgaste antes mesmo de uma decisão final.”

Questionado se não seria natural os afilhados do democrata tentarem o ingresso nos quadros permanentes por meio do concurso público, Izalci diz defender o certame. “Como houve precedente no Senado, é natural que eles reivindiquem. O presidente não determinou nada, apenas encaminhou o processo para manifestação dos órgãos diretores da Casa”, acredita.

Em nota pública, a Presidência do Senado Federal ressaltou não haver qualquer irregularidade no procedimento e que os dois funcionários integram “um grupo maior de servidores que trabalham no Congresso Nacional desde antes da promulgação da Constituição de 1988, que definiu o ingresso no serviço público por concurso, e requerem o direito de efetivação estatutária” (leia a nota na íntegra ao final desta matéria).

Governistas se calam
Metrópoles entrou em contato com diversos parlamentares do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, mas todos preferiram não comentar as denúncias. Para eles, o assunto é delicado e não é hora de se indispor com o presidente da Casa, que acaba de assumir. “Se eu falar o que acho hoje, amanhã me dá problema”, disse um dos caciques da sigla no Congresso, com medo de represálias dentro da própria legenda.

Líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP) disse que, “por uma questão ética”, não comentaria o assunto. Sabendo da importância do DEM e dos demais partidos do Centrão para a aprovação da PEC da reforma da Previdência na Casa, ainda mais depois de as legendas atrasarem o andamento da proposta na Câmara dos Deputados, os parlamentares preferiram o silêncio.

A reportagem apurou, porém, que o assunto foi debatido durante a reunião de líderes do Senado, que acontece todas as terças-feiras no gabinete de Alcolumbre. Durante o encontro, que durou a tarde toda, o presidente tentou se justificar, dizendo que “tem muitos primos e conhecidos” e “isso não significa que está ajudando ninguém”.

Leia, na íntegra, a nota pública enviada pela Presidência do Senado Federal:

Os dois funcionários mencionados na matéria do Metrópoles fazem parte de um grupo maior de servidores que trabalham no Congresso Nacional desde antes a promulgação da Constituição de 1988, que definiu o ingresso no serviço público por concurso, e requerem o direito de efetivação estatutária com base em três argumentos principais:

1) O constituinte, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), previu que os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, seriam considerados estáveis no serviço público.

2) A lei 8112/1990, que instituiu o regime jurídico dos servidores públicos, também prevê, no artigo 243, a transformação de emprego público em cargo efetivo para aqueles que já trabalhavam no Congresso Nacional antes da promulgação da Carta Magna

3) Decisão judicial obrigou o Senado Federal a reconhecer, como efetivos, secretários parlamentares contratados antes de 1988. Diante da determinação, o Senado consultou o Tribunal de Contas da União, que forneceu as regras que serviram de base para o Senado editar a Resolução nº 61/2010, a qual confirmou a alteração no quadro de pessoal.

Os dois servidores em questão têm vínculo com o Congresso Nacional desde 1986, quando ingressaram na Câmara dos Deputados. O processo protocolado na Presidência do Senado, em 14/10/2015, pedindo reconhecimento do direito previsto pelo constituinte, é decorrente do processo iniciado na Câmara em 1998, data em que Davi Alcolumbre não era, sequer, senador. O documento tramita, no Senado, de maneira pública e encontra-se em análise na Advocacia.

O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (Democratas-AP), jamais interferiu em qualquer processo, seja no dos mencionados na matéria seja no de qualquer outra pessoa. Vale lembrar que outros servidores na Casa e centenas no Brasil todo se encontram na mesma situação à espera de uma definição e cumprimento da lei. Portanto, é absurda a acusação de que o presidente do Senado esteja atuando para efetivar afilhados no Senado. Pelo contrário, desde que assumiu, em fevereiro, Davi tem feito diversos despachos com os diretores da Casa para ter conhecimento dos inúmeros processos administrativos e determinou a tramitação daqueles que estavam parados na Presidência para avaliação dos órgãos do Senado e adoção das medidas cabíveis.

O presidente está ciente da sua responsabilidade à frente do Senado e comanda o Parlamento respeitando e fazendo respeitar as leis com independência.

Entenda o caso
Em 25 de fevereiro, 20 dias após a mudança da Presidência do Senado, o processo que envolve as duas pessoas de confiança de Alcolumbre chegou à instância máxima da Casa e passou a ter encaminhamento célere. Apenas como comparação: antes de voltar a tramitar, o caso estava parado nas gavetas da Presidência da Casa desde 21 de outubro de 2015.

Como justificativa do ato, o texto cita o Acórdão 3087/2017, do Tribunal de Contas da União (TCU), e a Resolução do Senado Federal 65/2010. A decisão dos ministros da Corte de Contas sustenta que “é lícito, em tese, estender tal direito a servidores que, embora ainda não tenham obtido o reconhecimento administrativo, mantêm, até hoje, vínculo ininterrupto de trabalho com o Senado: sob o regime celetista; ou ocupando cargo em comissão; ou ocupando cargo efetivo por determinação judicial provisória”.

Antes do Senado Federal, ambos os comissionados tiveram cargos na Câmara. Paulo Boudens integra a equipe de Davi Alcolumbre desde 2012, época em que o congressista ocupava uma cadeira do Amapá entre os deputados. O processo avalia, portanto, se a experiência profissional dos aliados pode ser incluída na exceção criada pelo TCU.

Atualmente, os dois afilhados de Alcolumbre ocupam cargos de destaque na estrutura administrativa do Senado Federal. Por ser chefe de gabinete da Presidência, Paulo Augusto Boudens recebe um salário bruto mensal de R$ 26.956,86. Já Luiz Carlos Kreutz recebe R$ 17.992,56, ainda sem contar com os descontos. As informações estão publicadas no Portal da Transparência do Senado Federal.

De acordo com o regimento interno da Casa, “a chefia de gabinete pode ser exercida tanto por servidor efetivo quanto por servidor comissionado. É uma prerrogativa do parlamentar a designação do chefe de gabinete. As atribuições da chefia de gabinete são: dirigir, controlar, supervisionar, coordenar, planejar e orientar a execução das atividades de assessoria, assistência e apoio ao exercício do mandato parlamentar. Sua competência abrange as atividades legislativas, administrativas, operacionais, estratégicas e de divulgação”.

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